Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
18 de março de 2020 | 08:30

Vacina testada nos EUA anima, mas não é certa a imunização

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O começo dos testes de uma vacina contra o novo coronavírus nos EUA é uma notícia animadora, mas nada garante que a abordagem, iniciada com voluntários sadios, dará origem a uma forma viável de imunização.

Até hoje, o método empregado pelos pesquisadores americanos não chegou a produzir uma vacina comercializada.

A equipe do Instituto de Pesquisa em Saúde Kaiser Permanente, em Seattle, liderada pela médica Lisa Jackson, já começou a ministrar as primeiras doses de sua vacina experimental a um grupo que contará com 45 participantes, no total. Cada um deles receberá duas doses, com um intervalo de 28 dias entre as aplicações.

Eles serão divididos em três subgrupos, cada um dos quais recebendo doses diferentes da vacina, de 25 microgramas (cada micrograma equivale a um milionésimo de grama) a 250 microgramas.

O trabalho está sendo feito em parceria com a empresa de biotecnologia Moderna e é financiado pelo Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, órgão do governo americano.

Os participantes serão monitorados por 14 meses e receberão até US$ 1.100 pela colaboração, caso não faltem a nenhuma das visitas médicas e entrevistas por telefone. Compensações financeiras desse tipo são comuns em testes clínicos nos EUA, embora sejam proibidas no Brasil.

A rapidez com que o teste foi aprovado e iniciado pode ser explicada tanto pela emergência de saúde pública representada pelo vírus Sars-CoV-2 quanto pelo método empregado pelos pesquisadores.

Trata-se de uma vacina de mRNA (RNA mensageiro), molécula “prima” do DNA que costuma carregar as informações necessárias para a produção de uma proteína até as “fábricas” da célula.

Com base no material genético do novo coronavírus, os pesquisadores fabricaram moléculas de mRNA que contêm a receita para a produção da proteína da espícula do parasita —o “espinho” ou “arpão” que ele usa para se fixar nas células humanas.

A ideia é fazer com que o organismo dos pacientes produza apenas essa proteína, com base no mRNA da vacina.

Com isso, o sistema de defesa das células reagiria como se tivesse sido invadido pelo vírus real, produzindo anticorpos —moléculas defensoras— com “design” específico para o combate ao Sars-CoV-2. Diante do patógeno verdadeiro, essas pessoas estariam imunes.

Essa, ao menos, é a lógica do trabalho. As vacinas de mRNA têm a vantagem de serem produzidas com relativa facilidade e de serem bastante seguras, uma vez que em nenhum momento o paciente entra em contato com o vírus real, e as moléculas de mRNA se degradam facilmente no organismo após a aplicação.

“Usar a proteína da espícula do vírus para tentar produzir a imunidade também é bastante lógico porque, afinal, trata-se da molécula com a qual o vírus se liga ao receptor das células humanas”, afirma Jorge Kalil, diretor do Laboratório de Imunologia do Incor (Instituto do Coração, ligado à Faculdade de Medicina da USP).

Kalil lembra, porém, que o reverso da moeda no caso da relativa facilidade e segurança das vacinas de mRNA é que, ao que parece, elas não produzem uma resposta forte do sistema de defesa do organismo.

“A agilidade deles é enorme, e a parte regulatória é mais tranquila porque essas vacinas não têm muita contaminação nem efeitos tóxicos, mas elas não parecem criar boa memória imunológica no organismo [ou seja, sob novo ataque, é mais difícil o corpo ‘se lembrar’ da vacinação]”.

Folha de S.Paulo
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