Foto: Divulgação/Governo do Estado de São Paulo
João Doria 14 de abril de 2021 | 06:57

De olho em 2022, Doria agora troca segurança e ‘BolsoDoria’ por saúde e campanha anti-Bolsonaro

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Enquanto a segurança pública foi uma área de destaque nas promessas do governador João Doria (PSDB) em sua campanha de 2018, quatro anos mais tarde, em 2022, a plataforma política do tucano terá a vacina, a saúde e a retomada da economia como protagonistas.

Na eleição passada, o discurso de valorização da polícia serviu ao propósito de se associar à base eleitoral de Jair Bolsonaro —foi mais uma estratégia da costura BolsoDoria.

Agora, quando o governador se vende como o principal opositor do presidente, a pauta da pandemia é a mais adequada para a tática do candidato anti-Bolsonaro.

A mudança, claro, foi imposta pela tragédia provocada pelo coronavírus no Brasil, mas Doria não poderia repetir o enredo da segurança pública nem se quisesse. As pontes com o setor, segundo policiais ouvidos pela Folha, foram implodidas.

A principal razão apontada é o aumento salarial de 5% para a categoria, quando a promessa era a de que São Paulo teria a segunda polícia mais bem paga do país até 2022.

Membros da governo já admitem que a meta não deve ser alcançada e atribuem à pandemia esse revés. Mas a gestão Doria lista uma série de iniciativas na segurança pública, como pagamento de bônus por produtividade, inauguração de Baeps (Batalhão de Ações Especiais de Polícia) e compra de pistolas, drones e viaturas blindadas.

O Orçamento de 2021, no entanto, mostra que Doria cortou cerca de 40% da verba prevista para novos Baeps, Deics, delegacias da mulher 24 horas, bases comunitárias móveis e aparelhamento das polícias.

Auxiliares do governador dizem que a segurança não foi escanteada, e que Doria inovou ao manter reunião semanal com o chefe da pasta, general João Camilo Campos. ?

Doria ainda fez um relevante aceno aos policiais ao incluí-los de forma prioritária no calendário de vacinação a partir deste mês, assim como os professores.

Nada disso, no entanto, parece sensibilizar a tropa. A simpatia dos policiais com Bolsonaro ajuda a moldar a visão de que Doria traiu e usou a categoria —num contexto prévio de animosidade de funcionários públicos com gestões tucanas no estado.

Por um lado, se o figurino de amigo da polícia e aliado de Bolsonaro já não lhe cabe, Doria teve vitórias incontestes na área da ciência e da saúde —ponto crucial para diferenciá-lo do negacionismo bolsonarista.

O governador é reconhecido nacionalmente por ter viabilizado a Coronavac, a primeira vacina distribuída em larga escala no país. No fim de março, também anunciou a fase de testes da Butanvac, imunizante que será produzido pelo Instituto Butantan em território nacional.

O vice-governador, Rodrigo Garcia (DEM), diz que a marca da gestão será “o governo que viabilizou a vacinação dos brasileiros”. “O estado é modelo no enfrentamento da pandemia”, completa, mencionando o Plano SP e o comitê de contingenciamento.

Para Garcia, que pretende concorrer ao governo do estado, o foco da campanha em 2022 deve ser emprego e renda.

Se a pauta da segurança pública agrada a uma base militante sectária, a defesa da vacina e o combate à pandemia têm caráter de “frente ampla”, tanto que as conquistas do Butantan foram comemoradas da esquerda à direita.

Doria capitaliza o tema —posou na foto da primeira vacina, acompanha as entregas de lotes, viajou pelo estado durante a vacinação, deu entrevistas a veículos estrangeiros, trabalha pelo protagonismo da frente de governadores e ainda fustiga Bolsonaro em entrevistas e redes sociais. “Grande dia”, tuitou a respeito da Butanvac.

Está em curso a metamorfose do João trabalhador, de 2016, para o João vacinador, de 2022. Pelo Twitter, o governador responde a detratores “vou te vacinar também”, além de assumir e explorar o xingamento bolsonarista “calça apertada”.

Aliados afirmam que o tucano é visto como a figura pública mais empenhada no combate da pandemia, principal defensor da vida, da ciência, da democracia e da vacina, e que esse ativo atinge os quatro cantos do país.

Tucanos veem ainda liderança de Doria em ações de restrições e uso de máscara nos demais estados.

Doria, que mira o Palácio do Planalto desde antes de se tornar governador, tem na nacionalização de seu nome um dos entraves para a candidatura à Presidência da República, problema que a vacina ajuda a solucionar.

O tucano, porém, já admite também concorrer à reeleição, num cenário em que seu campo político tem congestionamento de nomes e está esmagado pela polarização entre Bolsonaro (sem partido) e Lula (PT).

Além da vacina em si, o governo Doria lista outras conquistas no campo da saúde, como ampliação dos leitos de UTI de 3.500 para 9.000 (até o fim de março), o investimento de R$ 1,6 bilhão do caixa do estado, a distribuição de 4.000 respiradores comprados ou doados, a construção da nova fábrica do Butantan com verba da iniciativa privada e a entrega dos hospitais Estadual de Serrana e Regional do Litoral Norte e da AME de Campinas.

?A gestão da pandemia pelo tucano, contudo, também foi alvo de críticas —não só pela base negacionista do presidente, que promove manifestações rotineiras contra Doria, mas também por especialistas.

Quem analisa o comportamento de Doria lembra que ele cedeu a pressões do comércio, dos prefeitos, das escolas e das igrejas em ocasiões diversas, deixando de ouvir seu conselho de médicos e especialistas. Proporcionalmente, São Paulo é o 10º estado com mais mortes no país.

O discurso de defesa da ciência ficou comprometido com o corte feito pelo tucano de R$ 454,7 milhões no orçamento da Fapesp, que acabou sendo revertido após pressão da opinião pública.

Com a pandemia, a gestão Doria cortou recursos para abertura de unidades de saúde prometidas e chegou a improvisar com leitos de campanha em locais onde hospitais estão para ser entregues.

Mas o maior estrago de imagem para o governador se deu no anúncio equivocado das vacinas. Na Coronavac, alardeou eficácia de forma picotada, e o número global só veio depois: 50,38%. Já a Butanvac foi propagandeada como 100% brasileira, mas teve tecnologia importada dos EUA.

Em ambos os episódios, aliados e detratores de Doria avaliaram que sua já conhecida obsessão por marketing e a instrumentalização política da pandemia conseguiram estragar um anúncio positivo e ainda deu munição para ?os sabotadores da vacina.

Por outro lado, as ações de Doria também deixaram claro que o Planalto está a reboque de São Paulo na vacinação.

“Se não tivéssemos o empenho do governador, o Brasil provavelmente não teria começado sua vacinação efetiva”, afirma Francisco Balestrin, presidente do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios de São Paulo.

“Se isso será suficiente para ele se candidatar, é outra história, não sei dizer. Mas a aposta na saúde foi correta e na contramão do ‘mainstream’ político.”

O médico lembra, todavia, atitudes de Doria que “constrangeram o SUS no momento mais terrível”, como aumento do ICMS para produtos hospitalares e o corte de 12% em repasses de convênios a Santas Casas, hospitais filantrópicos e outras entidades da saúde.

“Foi a surpresa negativa. Mas a vacina é espetacular, um legado nacional, um presente que o governador e os cientistas deram ao Brasil”, completa.

O infectologista Marcos Boulos, do comitê que aconselha Doria, problematiza o legado, já que será preciso investimento em recursos humanos para manter a ampliação do sistema de saúde.

O médico avalia que Doria enfrentará resistência ao capitalizar com a pandemia, pois São Paulo também viveu colapso na saúde e já que o principal mérito da vacina é do Butantan.

“Doria vai usar isso, mas a vacina aconteceria independentemente do governo. O Butantan tem sua vida própria, e seus recursos vêm do Ministério da Saúde”, diz. ?

O deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP), que é médico, diz que Doria e os demais governadores tiveram postura mais responsável, mas que isso e a vacina são “insuficientes para ele se afirmar como alternativa a Bolsonaro”.

O petista diz que é preciso ter um posicionamento mais amplo, de enfrentamento do desemprego e do desmonte da política externa.

Se Doria enfrenta críticas na sua nova zona de conforto, no seu reduto anterior, o da segurança pública, os policiais se consolidam como força de oposição. Um coronel da PM afirma de forma reservada que a base política do governador na tropa “é abaixo de zero”, que seu grau de aceitação é pior do que o de tucanos anteriores e que ele “não angariou nenhum adepto e não vai ter nenhum voto”.

Os deputados estaduais Coronel Telhada (PP) e Major Mecca (PSL) afirmam que Doria não pode mais se escorar na bandeira da segurança pública, pois o sentimento da tropa é de desgosto, insatisfação, repulsa e que o tucano tem uma imagem terrível e a credibilidade afetada.

Eles criticam o remanejamento de policiais para abertura de novos batalhões e dizem que a entrega de equipamentos é apenas obrigação.

A questão do salário foi fatal. “?Era um pacto, e Doria rompeu”, diz Mecca. “Se ele vier falar em segurança em 2022, fica mais do que provado que é um cara de pau. A ‘big apple’ das mentiras foi o salário, foi a maior mentira depois de dizer que era bolsonarista”, afirma Telhada.

“Doria quer ser o Robin Hood da vacinação, mas sabemos que ele está usando a pandemia como campanha política”, completa o coronel.

PONTOS BAIXOS

Anúncio errático das vacinas, omitindo eficácia da Coronavac e, depois, omitindo parceria com os EUA na Butanvac
Corte de R$ 454,7 milhões da Fapesp, medida que foi revogada após pressão
São Paulo é o 10º estado em número de mortes na pandemia
Aumento no ICMS de produtos hospitalares
Corte de 12% nos convênios de saúde para Santas Casas, hospitais filantrópicos e outras entidades
Suspensão do planejamento de novas unidades AMEs e Rede Lucy Montoro por causa da pandemia (está prevista a inauguração até 2022 de duas unidades da Rede Lucy Montoro, de Taubaté e Diadema)
Uso de dois futuros hospitais (Bebedouro e Bauru) como hospital de campanha

PONTOS ALTOS

Aumento dos leitos de UTI de 3,5 mil para 9 mil no fim de março
Aquisição de 4 mil respiradores por meio de compras e doações
Nova fábrica do Instituto Butantan, a ser inaugurada em setembro
Inauguração do AME (Ambulatório Médico de Especialidades) de Campinas (Taubaté e Avaré devem ser inaugurados até 2022)
Entrega dos novos hospitais Estadual de Serrana e Regional do Litoral Norte (Hospital Pérola Byington e Hospital Regional de Barueri devem ser entregues até 2022), além de 28 hospitais em reforma

PONTOS BAIXOS

Promessa de que SP teria a segunda polícia mais bem paga do país, enquanto aumento dado até agora é de apenas 5%
Pagamento de bônus visto como forma de maquiar promessa não cumprida sobre melhores salários
Cortes de até 45% no orçamento de 2021 para ações como novos Baeps, novos Deics, reformas de unidades das polícias e compra de equipamentos
Críticas a Bolsonaro, já que é grande o alinhamento ideológico de policiais com o presidente; enquanto Doria é visto como traidor por se aproveitar de aliança eleitoral e depois fazer oposição
Desgaste do funcionalismo público com o PSDB
Visão dos policiais de que Doria usa a pandemia para fazer política e receio de que sejam obrigados a prender pessoas que descumpram restrições

PONTOS ALTOS

Inclusão de policiais no programa de vacinação
Efetivação de 10.025 policiais (mais 11.300 podem ser efetivados até o final de 2022)
Criação de 9 Baeps (há 14 no total, que atendem 98% das cidades do estado, e meta é chegar a 22)
Aumento de 50% bônus por produtividade e pagamento de R$ 232,4 milhões a 143.521 policiais
Criação de 9 delegacias 24 horas (há 10 no total, mas promessa de campanha é que delegacias em geral seriam 24h)
Criação 12 Deics regionais (promessa de campanha eram 10)
Entrega de equipamentos: 105 drones, 55.900 pistolas semiautomáticas, 1.300 fuzis, 3 mil câmeras de colete e 175 viaturas blindadas

Carolina Linhares/Folhapress
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