Foto: Divulgação/Arquivo
27 de julho de 2019 | 08:16

Autônomos subordinados?, por Sara Costa*

bahia

O cenário do mercado de trabalho brasileiro não é animador. Após um ano e sete meses da aprovação da reforma trabalhista brasileira, estamos num processo de precarização dos postos de emprego. Segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Continua (PNADC), o desemprego oculto, compreendendo os desalentados e os subutilizados, tem tendência de crescimento.

Dentro desse cenário, a oportunidade de ocupação por conta própria é vista pelos então desocupados como a única saída para pagar as contas ao final do mês. Assim, expandiu-se a oferta de serviços de entrega fornecidos por motoboys e ciclistas cadastrados como autônomos em aplicativos como Rappi, Uber Eats e Ifood.

O que se põe em jogo é a natureza da relação de emprego entre esses trabalhadores, supostamente autônomos, e as empresas, autodenominadas intermediárias entre os clientes e os motoboys. Para feito de análise, investigamos as condições de trabalho dos entregadores, por meio de entrevistas e através dos termos e condições de uso de cada empresa.

Embora os entregadores sejam considerados pelo termo de condições de uso como autônomos, e assim devem se declarar ao realizar o cadastro nas respectivas plataformas, estão sujeitos à aceitação de cadastramento no aplicativo, ao controle unilateral da rota a ser percorrida, dos preços das entregas e do desligamento das plataformas.

O desligamento pode ocorrer a qualquer momento, por motivo não previamente determinado pela empresa. Isto corrobora com os depoimentos de entregadores que afirmaram terem sido desligados arbitrariamente, e mesmo recorrendo ao suporte da empresa não receberam justificativa plausível.

Da mesma forma, o entregador está sujeito ao bloqueio, por tempo determinado, por inúmeras razões. Sendo este período de bloqueio não reconhecido como tempo online na plataforma, e, portanto, acarretando o não recebimento de pedidos de entrega para o trabalhador em questão. Como relatado em uma das entrevistas, se por erro ou má fé do cliente, for registrado no aplicativo a efetuação do pagamento ao entregador, embora este não tenha recebido a referente quantia, o ônus recai sobre o entregador. E até que este consiga contatar o suporte para retirar a sua dívida, a demora pode ocorrer no período de uma semana, ou nem acontecer.

As taxas de entrega variam conforme a estratégia de monitoramento da oferta e demanda dos serviços. Dentre as empresas analisadas, a Uber é que expressa mais abertamente este controle. Os entrevistados cederam fotos do aplicativo da referida empresa, onde está ilustrado o mapa da cidade de Salvador, dividido em diferentes áreas de acordo com a “dinâmica” do local. O preço a ser pago por cada entrega nas referentes áreas é multiplicado pela dinâmica de cada localidade, como um incentivo para motivar os trabalhadores a dirigirem-se às áreas com maiores demandas por entregas e poucos entregadores. O cálculo da dinâmica de cada local é feito exclusivamente pela empresa.

Os entregadores também recebem incentivos, os quais são estipulados pela empresa unilateralmente, via SMS, WhatsApp ou pelo próprio aplicativo. Esta também é uma estratégia das empresas para controlar a oferta de entregadores em certos horários e dias da semana. Isto, dado que, a comunicação dos entregadores com a empresa é feita majoritariamente pelo serviço de suporte do aplicativo, ou por mensagens.

Como relatado por todos os entrevistados, são comuns as promoções, que atuam como metas a serem cumpridas pelos entregadores, para incentivar a oferta dos serviços de entrega. Segundo um entregador da empresa Uber Eats, um exemplo de promoção é: “Faça 3 entregas entre 7h10 e 8h35 e ganhe R$50,00”. Um entregador do Ifood relatou ter recebido a promoção “Faça 5 entregas entre às 11hrs e às 15hrs e ganhe R$20,00”. Um entregador da Rappi afirmou ter cumprido a meta de “Faça 6 entregas entre às 18hrs e 00hrs do domingo e ganhe R$65,00”.

Como demonstrado no controle de cada pedido realizado pelos entregadores, assim como, no controle semanal de ganhos disponível no aplicativo, cerca de 55% da renda auferida pelos motoboys é proveniente das gorjetas ofertadas pelos clientes e das metas cumpridas ao longo das jornadas de trabalho.

Segundo os entrevistados, o deslocamento do entregador até o local de retirada do pedido não é remunerado, há uma taxa fixa de retirada do pedido, R$1,70, porém a quilometragem percorrida até o estabelecimento não é paga.

Além das decisões unilaterais por parte das empresas e dos monitoramentos constantes, os entregadores estão sujeitos a todos os riscos envolvidos com a atividade, como os custos com o veículo, a bag utilizada para as entregas e possíveis doenças e acidentes ocupacionais. Aliás, foi relatado pelos entrevistados a ausência de assistência por parte das empresas, nos casos de acidentes de trânsito durante as entregas.

Um ponto crítico que está presente em todos os relatos é a questão da baixa remuneração e das longas jornadas de trabalho. Os entregadores submetem-se a jornadas diárias de 12 horas, durante todos os dias da semana, e recebem menos que o proporcional ao salário mínimo. Os entrevistados que informaram suas remunerações mensais afirmaram conseguir uma faixa de R$800,00 a R$1000,00 por mês, trabalhando dentro do regime das doze horas de domingo a domingo. Os entrevistados que trabalham em regime de operador de logística para a empresa Ifood,e, portanto, possuem horário fixo a ser cumprido, relataram receber multa variando de R$40,00 a R$120,00, caso não cumprisse pelo menos 85% da jornada diária estipulada.

Resumindo, o entregador que se submete a tais condições de emprego está inserido em um contexto já precário do mercado de trabalho, onde por não encontrar alternativa para sobreviver, lança-se sobre a oportunidade de ocupação através desses trabalhos por aplicativo. Embora, deva-se cadastrar como autônomo, ele está submetido a um regime de subordinação com a empresa, que controla cada aspecto da sua jornada de trabalho, porém sem se comprometer com qualquer direito trabalhista. Isso é possível graças a negação de um vínculo empregatício por parte dessas empresas.

*Sara Costa é graduanda em Economia e pesquisadora do Núcleo de Estudos Conjunturais em Economia (NEC) da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (FE/UFBA).

Sara Costa*
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