Foto: Reprodução/GloboNews/Arquivo
Ex-presidente Lula se encontra desde ontem em Salvador 14 de novembro de 2019 | 06:51

STF dá opositor de carne e osso a Bolsonaro, por Raul Monteiro*

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O Supremo Tribunal Federal (STF) manteve-se fiel à sua tradição de Corte política, apesar do contorno constitucional, ao decidir contra a prisão após a condenação em segunda instância na semana passada, permitindo que fosse solto o maior ícone político preso pela Lava Jato, primeira grande operação contra a corrupção já realizada no país. Fosse outro o clima no Brasil, em que a operação estivesse no auge, apoiada por um presidente digno de confiança que governasse com virtù em interação com as instituições, e os ministros certamente teriam agido como fizeram ante a primeira tentativa de libertar Lula em 2018, quando lhe negaram um habeas corpus.

A sucessão de ataques desferidos contra o próprio STF e outras instituições essenciais à democracia, como os veículos de comunicação, não deve, no entanto, ter sugerido outra alternativa a Vossas Excelências senão colocar na rua alguém que, exatamente como Lula, pudesse iniciar imediato enfrentamento a um presidente da República cujo autoritarismo é nato. Depois de, ainda na campanha, terem visto um dos filhos do presidente dizer que, para fechar o STF, eram necessários apenas um soldado e um cabo, seus membros assistiram a Corte ser retratada como uma hiena disposta a devorar o presidente, além de seu mesmo pimpolho defender o AI-5.

Um outro já dissera que era impossível promover as mudanças necessárias ao país sob um regime democrático. Puderam, ainda, apreciar a escalada autocrática do governo na decisão de suspender as assinaturas da Folha de S. Paulo, cortar-lhe a publicidade e ameaçar seus anunciantes privados, além de prometer a suspensão da renovação da concessão da Rede Globo e destinar o bolo publicitário a que teria direito devido à sua audiência a concorrentes de menos prestígio entre telespectadores mas subalternas a ele, como o SBT e a Record. Do mesmo espetáculo fez parte uma batida policial no escritório de um antigo aliado recém-convertido em adversário.

Esta semana, por acaso, o mesmo cidadão, antes amigo íntimo de Bolsonaro, viu sua empresa perder o filão milionário da corretagem dos seguros do DPVAT, órgão extinto por uma Medida Provisória baixada pelo governo sob o argumento “desinteressado” de que destinava-se a evitar fraudes e desvios. Não deve ter entrado no cômputo dos ilustres ministros certamente o vingativo desprezo do presidente pelo desastre ambiental do Nordeste ou os inúmeros ataques seus e de sua prolífica prole a alvos móveis e imóveis, reais e imaginários, a exemplo de países e seus presidentes, além de seus eleitores, como, em caso recente, a irmã Argentina.

Agora, pelo menos no que é suposto imaginar como uma saída pensada pelo STF, onde não há santos, aliás, Bolsonaro ganhou um opositor de carne e osso com que praticar sua modalidade favorita de governo, aquela que começa e termina com uma crise. Fosse lúcido o suficiente para entender que lhe deram um presente, ele não teria, por exemplo, atacado o vice-presidente Hamilton Mourão, como fez anteontem, repetindo o mesmo padrão, de forma inesperada. Lula já está na rua disposto a chamá-lo de miliciano e avacalhá-lo, ampliando a polarização de que ambos se alimentam e distraindo-o com relação a outros alvos, como o Supremo. Pobre do povo brasileiro!

* Artigo do editor Raul Monteiro publicado na edição de hoje da Tribuna.

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