Foto: Marlene Bergamo/Folhapress
Lula 13 de dezembro de 2019 | 06:44

‘Capa preta’, testemunha indicou emails e contratos para ação contra filho de Lula

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Um mês e meio após deixar a Presidência da República, Lula fez uma visita à sede do grupo empresarial de Jonas Suassuna, à época sócio do filho do ex-presidente, Fábio Luís.

Foi apresentado a funcionários e executivos do Grupo Gol, holding de Suassuna que reúne dez empresas das áreas editoriais e de tecnologia, sem relação com a empresa aérea de mesmo nome. Ao conhecer o diretor comercial Marco Aurélio Vitale, perguntou para o filho: “É esse o capa preta?”.

Lula se referia à desconfiança pelo fato de Vitale ter uma trajetória em órgãos de imprensa. Ele foi funcionário do Grupo Folha de 1992 a 2001 na área comercial, sem ligação com a Redação, e passou por outros veículos em funções semelhantes.

Mais de seis anos depois, foi Vitale quem ajudou os investigadores da Polícia Federal a levantar indícios contra o filho do presidente em negócio com as empresas de telefonia Oi e Vivo.

O ex-executivo de Suassuna foi testemunha-chave na apuração que culminou na Operação Mapa da Mina, deflagrada pela Lava Jato na última terça-feira (10).

O objetivo dela foi aprofundar as apurações sobre a suposta utilização de firmas de Lulinha e do empresário Jonas Suassuna para pagar despesas pessoais da família do ex-presidente, entre elas a compra do sítio de Atibaia (SP). A origem desses recursos, segundo a investigação, foram as companhias Oi e Vivo.

As relações comerciais entre essas empresas e as firmas ligadas a Lulinha são conhecidas dos investigadores ao menos desde 2016. Um relatório da Polícia Federal daquele ano apontou o repasse de R$ 132 milhões da Oi e R$ 40 milhões da Vivo para o Grupo Gol e para a Play TV (Gamecorp), também uma sociedade de Fábio Luís e Suassuna.

Por serem relações de companhias privadas, os agentes tinham dificuldades em identificar eventuais indícios de crime.

Foi Vitale quem indicou o possível “mapa da mina” ao apontar os contratos privados —inacessíveis aos agentes— que dariam cobertura para esses repasses. Mostrou também emails trocados entre executivos das empresas que indicavam que o resultado comercial para a Oi dos produtos feitos pelo Grupo Gol eram baixíssimos, comparados à contrapartida dada pela companhia telefônica.

O ex-executivo entrou no radar da PF após conceder uma entrevista à Folha em outubro de 2017, quando afirmou que as firmas de Suassuna eram usadas como fachada para o recebimento de recursos da Oi em favor da família do ex-presidente.

Com base em relatos de Vitale, a Folha localizou documentos que corroboravam boa parte das declarações que deu sobre contratos das empresas.

Convidado a ir a Curitiba pela PF, surpreendeu agentes ao chegar sem advogado e sem uma proposta de colaboração premiada. Apresentava-se apenas como uma testemunha. Ele afirma que não cometeu crimes enquanto dirigia empresas de Suassuna.

Entregou seu computador para que suas mensagens fossem analisadas e, ao longo de dois anos, foi duas vezes à capital paranaense. Também enviou para a força-tarefa dezenas de vídeos gravados em sua casa com temas que os agentes queriam esclarecer. Num deles, aparece um Buda de madeira de cerca de um metro de altura que tem em sua varanda.

Vitale disse que decidiu falar após ser chamado pela Receita Federal para explicar uma operação financeira em seu nome com uma empresa de Suassuna. Auditores fiscais passaram a perguntar sobre outras transações das firmas do ex-chefe e ele respondeu a todas. Foi quando, disse ele, decidiu expor os problemas que via na atuação do Grupo Gol. O caso que o levou ao Fisco foi arquivado.

Vitale decidiu escrever um livro sobre bastidores da empresa, além de detalhar os contratos suspeitos de que tinha conhecimento e cruzá-lo com informações reveladas pela Folha.

Chegou a ter acordo apalavrado com duas editoras, que recuaram do interesse. Decidiu, em 2018, imprimir a obra de forma independente, tendo sido recusado na primeira tentativa.

Folha de S.Paulo
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