Foto: Dida Sampaio/Estadão
Paulo Guedes 02 de abril de 2020 | 08:57

Racha na Economia atrasa medidas e atrai críticas

economia

Depois de resistir ao máximo a medidas de combate aos estragos na economia provocados pelo novo coronavírus, a divisão da equipe econômica emperrou o pagamento do voucher de R$ 600 a informais e as compensações aos trabalhadores com redução de jornada e salário.

As divergências no time do ministro Paulo Guedes que levaram ao impasse na liberação de medidas cruciais chegaram ao Congresso e ao STF e foram lidas como erro da equipe econômica, o que acabou aguçando o desgaste com o Executivo.

A demora também deflagrou insatisfação com Guedes dentro do governo.

Ministros da Esplanada vêm sendo cobrados, por setores da economia, por mais urgência, sob a ameaça de demissões em série. O atraso na implementação dessas ações de socorro e combate ao desemprego ocorreu devido a uma discussão técnica sobre o descumprimento da regra de ouro, norma constitucional que impede o governo de se endividar para pagar despesas correntes.

Quando há previsão de descumprimento, o governo precisa pedir aval ao Congresso para não cometer crime de responsabilidade. Para este ano, a previsão de estouro dessa meta é de R$ 300 bilhões, já considerando os impactos do coronavírus.

Do total, cerca de R$ 182 bilhões já estavam comprometidos com despesas alheias à pandemia (considerado o período acumulado de 12 meses terminados em fevereiro).

Ou seja, o governo trabalhava com um espaço de R$ 120 bilhões para manejar medidas de emergência.

Inicialmente, a Economia pretendia pagar um voucher de R$ 200 a trabalhadores informais e pequenos empreendedores como forma de compensar a perda de receita durante a paralisação provocada pelo coronavírus. A medida passou no Congresso, mas o valor foi aumentado para R$ 600. O impacto fiscal saltou então para R$ 45 bilhões, segundo estimativa preliminar do Tesouro.

Com isso, deixou de existir a folga que o governo tinha para liberar recursos às empresas por meio de duas ações: reembolso ao funcionário que tiver redução de jornada e salário e uma desoneração da folha de pagamento —custos estimados de R$ 58 bilhões e R$ 34 bilhões, respectivamente.

O resultado é que, pelos cálculos dos técnicos, faltariam cerca de R$ 20 bilhões para encampar os programas.

Por isso, segundo assessores do governo, houve uma divisão na equipe econômica que resultou em um atraso na implementação dessas ações.

Uma ala fiscalista, de que fazem parte o secretário de Fazenda Waldery Rodrigues, e o secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida, defendeu que o Congresso precisaria aprovar a Proposta de Emenda à Constituição do chamado Orçamento de guerra. Ela libera o cumprimento de todas as normas fiscais, inclusive e a regra de ouro.

Outra ala, de que fazem parte os secretários mais jovens, como Bruno Bianco e os procuradores da Fazenda, argumentou que a autorização dada pelo ministro do Supremo Alexandre de Moraes para gastos também contemplaria a regra de ouro.

Por isso, insistiram para o envio de um projeto de lei ao Congresso que simplesmente corrigisse o valor informado anteriormente para o estouro na regra de ouro.

O ministro do STF Gilmar Mendes chegou a conversar com o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o avisou de que, na sua avaliação, não era necessária a aprovação de uma PEC e que a liminar de Moraes já assegurava a prosseguimento das medidas.

Depois de muita discussão, essa foi a vertente vencedora, fazendo com que as medidas provisórias cheguem ao Congresso até o fim desta quinta-feira (2).

Mesmo assim, técnicos da Economia continuam vendo como necessária uma PEC no futuro para dar mais segurança jurídica às decisões que estão sendo tomadas neste ano.

Para algumas lideranças políticas, quando Bolsonaro solicitou ao Supremo o salvo-conduto para os gastos, já se sabia do estouro da regra de ouro.

Portanto, para eles, o pedido deveria ter sido mais amplo. Avaliam como um erro da equipe econômica.

Também consideram que Guedes e parte de sua equipe não deveria se preocupar com a possibilidade de terminar este ano com o pior resultado fiscal da história, já que o mundo vive uma crise de saúde sem precedentes.

A tendência, depois do impasse em torno dos vales (vouchers) para informais e da chamada MP trabalhista, ainda segundo essas lideranças, é que Congresso e Legislativo conduzam a agenda da crise em conjunto para que as respostas surjam sem contar com o Executivo.

A demora levou a uma campanha nas redes sociais com a hashtag #PagaLogo, que teve início com parlamentares e grupos de esquerda, mas acabou endossada por autoridades, como Gilmar.

Ministros de tribunais superiores avaliaram como blefe de Guedes a exigência de uma PEC para a liberação do voucher. Para eles, o que existiria seria o receio de abrir o caixa e contrair dívidas. A situação desagradou até colegas de Esplanada, como o Marcelo Álvaro Antônio (Turismo).

Folha de S.Paulo
Comentários