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Wilson Witzel 06 de julho de 2020 | 06:50

Brechas em regra de impeachment favorecem governadores em processos nos estados

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Processos de impeachment de governadores, como os que ameaçam Wilson Witzel (PSC-RJ) e Wilson Lima (PSC-AM), não chegam a ser raros nas Assembleias Legislativas pelo país, mas tendem a naufragar com mais facilidade na comparação com os de presidente da República.

Historicamente, decisões judiciais e acordos políticos tornam mais reversíveis os processos abertos nos estados, o que explica a série de casos em que governadores conseguiram se salvar.

Desde a redemocratização, os presidentes Fernando Collor de Mello (1990-1992) e Dilma Rousseff (2011-2016) sucumbiram diante de processos contra eles. Embora vira e mexe o assunto surja nos estados, o desfecho em que o mandatário vá a julgamento por crime de responsabilidade é raro.

Como a Folha mostrou, o único caso de um processo de impeachment de governador concluído no país ocorreu em 1957, em Alagoas. A investida contra Muniz Falcão, cuja sessão decisiva marcada por um tiroteio entre deputados, chegou à fase final de julgamento, algo inédito.

Embora tenha sido afastado do cargo e substituído pelo vice, Falcão conseguiu se safar na última etapa do processo. Beneficiado também por medidas judiciais, ele retomou o posto e terminou o mandato. Ainda assim, seu caso é tido como emblemático por estudiosos do tema.

Witzel e Lima estão justamente na fase de tentar, por vias judiciais, ganhar tempo nas respectivas Assembleias, onde são investigados por crime de responsabilidade, mesmo elemento necessário ao impeachment presidencial. Nos dois âmbitos, o julgamento é mais político do que jurídico.

“A lei do impeachment, de 1950, foi formulada basicamente para presidente, não para governador e prefeito”, diz João Villaverde, que é doutorando em administração pública e governo pela FGV-SP e estudou, em sua tese de mestrado, a aplicação dessa lei.

“Existe um problema intrínseco ao texto: o julgamento no plano federal se dá em duas câmaras, a Câmara e o Senado, mas no local há apenas uma. Isso não ficou bem resolvido. Muitos governadores se utilizam do vácuo legal para contestar o processo porque há mais brechas para revertê-lo”, afirma.

Além da lei federal, as Assembleias se baseiam nas constituições estaduais. O papel do Senado, equivalente à segunda instância, é exercido por um tribunal misto composto por cinco deputados estaduais e cinco desembargadores do Tribunal de Justiça.

O Brasil vive uma “sanha do impeachment” desde Collor, na opinião de Villaverde, com a ideia de que o afastamento é sempre uma saída para qualquer tipo de crise. “A sociedade passou a achar que o custo [desse processo] baixou, que não é tão problemático assim, o que não é totalmente verdade.”

A pandemia do coronavírus, que obriga decisões rápidas e de emergência pelos governadores, contribui para o cenário. João Doria (PSDB-SP), Romeu Zema (Novo-MG), João Azevêdo (Cidadania-PB) e Carlos Moisés (PSL-SC) tiveram que lidar com ameaças da oposição envolvendo impeachment.

Já em 1951, ano seguinte à aprovação da lei do impeachment, o instrumento foi usado politicamente para dar um recado ao então governador do Rio Grande do Norte, José Varela. Seu afastamento foi aprovado a cinco dias do fim do mandato e acabou revertido pelo Judiciário.

Outros casos tiveram desfechos semelhantes. Em 1997, o então governador de Santa Catarina, Paulo Afonso Vieira (à época no PMDB), escapou depois que um relatório da Comissão Especial Processante a favor de seu afastamento foi rejeitado pelos parlamentares.

Entre a abertura do processo e a votação da comissão, Vieira conseguiu mudar o voto de quatro deputados a seu favor e foi beneficiado por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que impediu seu afastamento temporário do cargo.

Assim como no impeachment de Vieira, os processos contra governadores têm encontrado escape na arena política ou jurídica —ao contrário dos casos de Dilma e Collor.

Em 2018, Fernando Pimentel (PT-MG) e Luiz Fernando Pezão (MDB-RJ) viraram alvos de processos, que não terminaram a tempo do fim do mandato deles.

Marcos Rocha (PSL-RO) obteve o arquivamento do seu caso pela Assembleia em 2019. E Waldez Góes (PDT-AP), em 2015, conseguiu frear seu impeachment por meio de decisão judicial.

“Observo com muita preocupação a aplicação excessiva do impeachment”, diz a cientista política Talita Tanscheit, professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). “Deveria ser usado como instrumento de exceção, não ser normalizado?.”

As condições para o impeachment local diferem das envolvidas no caso federal, segundo os especialistas. Governadores, por exemplo, costumam deter maior controle sobre as Assembleias. Há ainda a possibilidade de negociar com um número menor de parlamentares do que o existente em Brasília.

A pressão popular, componente importante nas quedas de Collor e Dilma, nem sempre ganha intensidade nos estados. Processos abertos perto do fim do mandato, sem grandes efeitos práticos, ou que podem acabar empoderando um vice problemático também se tornam frágeis.

Folha de S.Paulo
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