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O deputado estadual de Rondônia Jean Oliveira (MDB) 10 de julho de 2020 | 06:52

Deputado grileiro de Rondônia cogitou matar procurador, aponta PF

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O presidente da Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa de Rondônia, Jean Oliveira (MDB), integra uma quadrilha que tentou grilar 64,6 mil hectares dentro de uma unidade de conservação estadual, aponta investigação da Polícia Federal e do Ministério Público do Estado de Rondônia.

A área, equivalente à do município de Belo Horizonte, está dentro da Reserva Extrativista Rio Pacaás Novos, em Guajará-Mirim (RO), a 330 km de Porto Velho.

O objetivo era usá-la para gerar créditos de desmatamento. Depois, esses créditos seriam vendidos a proprietários rurais de Rondônia que desflorestaram ilegalmente suas reservas legais e precisam regularizar o seu passivo ambiental

A PF encontrou um anúncio no site OLX em que 34,6 mil hectares da área grilada eram oferecidos pelo valor de R$ 51,9 milhões como “área de compensação de reserva legal”. A polícia acredita que os demais 30 mil hectares já haviam sido comercializados a outros proprietários de imóveis rurais.

Além da prática de grilagem e de outros crimes, o relatório da PF, anexado a uma ação do Ministério Público de Rondônia obtida pela Folha, revela que o grupo cogitou matar o procurador do Estado Matheus Carvalho Dantas, responsável por emitir pareceres ambientais no âmbito na Procuradoria-Geral do Estado, por ter se recusado a avalizar a grilagem.

Em um dos áudios gravados, o pecuarista Alexsandro Aparecido Zarelli, apontado pela PF como o líder da quadrilha, sugere matar Dantas.

“Passar fogo?”, pergunta o deputado. “Mandar o Mateus pro inferno”, afirma Zarelli. “Vamos atacar ele, ué. Por que cê não falou”, diz Oliveira.

Com a ajuda do parlamentar, Zarelli buscava regularizar a área da Resex conhecida como Seringal Paraty, supostamente de posse da empresa E.A.R. Mezabarba & Martins.

Além de especular sobre o assassinato de Dantas, a quadrilha também discutiu a possibilidade de afastá-lo do caso ou de Oliveira apresentar um projeto de lei na Assembleia que legalizaria a grilagem do seringal.

Em paralelo, Zarelli e Oliveira também agiram para impedir o desmembramento do cartório de Alta Floresta D’Oeste (a 530 km de Porto Velho), ação que geraria uma propina de R$ 400 mil, segundo conversa gravada pela PF.

Em dezembro, a PF deflagrou a Operação Feldberg, com mandado de busca e apreensão contra Oliveira. Ele não foi preso por causa do foro especial e continua presidindo a Comissão de Meio Ambiente da assembleia.

Recentemente, Oliveira ganhou mais uma função: foi indicado titular da vaga da assembleia no Fórum Estadual de Mudanças Climáticas.

Para o Ministério Público, há “fortes indícios de corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, lavagem de dinheiro, falsificação de documento público e organização criminosa, entre outros [crimes]”.

Zarelli está em prisão domiciliar, segundo o Ministério Público. Os inquéritos policiais estão a cargo da PF

O deputado é filho do ex-presidente da Assembleia Legislativa de Rondônia Carlão de Oliveira, foragido da Justiça após ser condenado por desvio de recursos —resultado da Operação Dominó, deflagrada pela PF em 2006.

A intenção do grupo era usar o mecanismo conhecido como compensação de reserva legal, previsto no Código Florestal de 2012, que permite a venda de créditos gerados pela doação de terras em unidades de conservação, como a Rio Pacaás Novos, para regularizar desmatamento.

Pela legislação, uma propriedade rural no bioma amazônico deveria ter 80% de área preservada, mas na prática esse percentual tem sido pouco respeitado.

“Adquirir áreas em unidades de conservação é um excelente negócio. Todos saem beneficiados: o Estado se beneficia em regularizar uma área que tem a pendência indenizatória pela desocupação da unidade de conservação, e o detentor de imóvel legal regulariza compensando a reserva legal de sua propriedade”, afirma o Ministério Público de Rondônia, nos autos.

Corroborando o parecer desfavorável da Procuradoria do Estado, a investigação encontrou diversas fraudes na documentação do processo de reivindicação da propriedade do Seringal Paraty, como é chamada a área grilada dentro da reserva extrativista Rio Pacaás Novos.

Entre as irregularidades está a falsificação de uma procuração do seringueiro Raimundo Miranda Cunha para Eliana Mezabarba, mulher do empresário Daniel Mezabarba. O documento foi assinado em 2008, dois anos após a morte do seringueiro.

Com essa procuração, apontam as investigações, Eliana Mezabarba passou a tramitar a transferência da propriedade do Seringal de Cunha para a sua empresa. Já a relação com Zarelli, responsável pelas negociações na Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental, foi demonstrada por meio de diversas transferências bancárias, além de escutas.

Zarelli e Oliveira também tinham interesse em evitar o desmembramento do Único Serviço Notarial e de Registro de Alta Floresta d’Oeste. Esse desmembramento foi aprovado, via lei, em 2018 a pedido do Tribunal de Justiça de Rondônia, após detectar indícios de irregularidades.

O objetivo da quadrilha, que envolvia uma serventuária, era impedir a queda na receita do cartório. Em uma conversa por telefone com Zarelli gravada em 4 dezembro de 2018, o deputado fala: “Se ela [serventuária] der um dinheirim (sic), nós vai tentar resolver esse trem”.

Em outro trecho, o emedebista pergunta quanto seria a propina. Ao ouvir R$ 400 mil do empresário, ele se anima: “Eita porra! Eu vou resolver essa merda!”.

Análise de emails e de arquivos de computador mostram que Oliveira, de fato, preparava uma maneira de reverter o desmembramento via projeto de lei na assembleia, o qual, segundo a investigação, não chegou a ser apresentado.

Folha de S.Paulo
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