Foto: Marcelo Casal Júnior/Agência Brasil
02 de julho de 2020 | 10:16

Máquina de spam da eleição, Yacows dribla Justiça para disparar WhatsApp

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Duas empresas responsáveis por envios de mensagem em massa via WhatsApp encontraram maneiras de vender pacotes de disparos automatizados mesmo após decisões da Justiça impedi-las. Uma delas, proibida desde abril, continua atendendo pelo telefone antigo e até mandou um catálogo de preços para a reportagem.

Yacows e SallApp foram processadas pelo WhatsApp, que obteve decisões liminares para afastá-las da estrutura do mensageiro. O serviço, no entanto, segue funcionando. Advogados consultados pelo UOL enxergam indícios de desobediência judicial.

A atuação dessas empresas ganhou destaque depois da revelação de que serviços de disparo em massa de mensagens via WhatsApp foram usados na campanha eleitoral de 2018.

Em outubro de 2018, às vésperas do segundo turno da eleição, a reportagem do UOL teve acesso a dados do serviço de disparo de mensagens em massa da Yacows e revelou que os sistemas foram usados pela campanha do então candidato Jair Bolsonaro (à época, no PSL) e também pela campanha de Fernando Haddad (candidato do PT, derrotado na disputa do segundo turno).

Uma série de reportagens investigativas decorrente do acesso aos dados desse sistema foi a vencedora da primeira edição do Grande Prêmio UOL de Conteúdo.

Antes também em outubro de 2018, reportagem da Folha havia revelado que o serviço foi contratado por apoiadores do presidente, de forma não oficial —motivo de questionamento da chapa presidencial Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão em processos na Justiça Eleitoral.

O esquema violaria a lei por envolver financiamento de empresários em doações não declaradas à campanha. O WhatsApp, por sua vez, se mexeu ao ver sua plataforma usada como campo aberto para distribuição de notícias falsas e levou algumas das “máquinas de spam” à Justiça.

A primeira decisão favorável veio em abril, quando a Yacows foi obrigada a parar de “desenvolver, distribuir, promover, operar, vender e ofertar serviços de envio de mensagens em massa pelo WhatsApp”.

A decisão também vale para a Kiplix, Deep Marketing e Maut, outras marcas da empresa. O envio de spam não é proibido no Brasil, por isso o WhatsApp acusou as empresas de usar sua identidade visual e nome sem autorização. Argumentou ainda que os disparos ferem seus termos de uso.

O juiz Eduardo Palma, da 2ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem do Tribunal de Justiça de São Paulo, acatou. A decisão foi contestada, mas a liminar não foi derrubada, portanto continua valendo.

Na terça-feira (23), a reportagem ligou para a Yacows usando o telefone que consta no site da empresa e constatou que ela continua atendendo clientes novos e antigos. “Agora é Message Flow”, explicou a atendente, identificada como Carolina, ao ser questionada sobre se o telefone pertencia à Yacows.

Após a reportagem negar ter uma conta aberta, ela logo ofereceu abrir uma nova e passou a explicar a oferta. “Os pacotes mínimos são de 5.000 créditos, R$ 0,12 por envio, o valor é de R$ 600. Trabalhamos com volume. Quanto maior a quantidade, menor o valor. Mensagem de texto eu cobro um crédito, mensagem com anexos, como vídeo, áudio ou imagem, cobro dois créditos”, afirmou.

Esta era a mesma forma de atuar da Yacows Em seguida, mandou um menu com diversos planos para o WhatsApp da reportagem —o mais caro, com 1 milhão de disparos, cobra R$ 0,062 por envio, totalizando R$ 62 mil.

Ela mencionou que o pagamento poderia ser via cartão de crédito ou por transferência bancária para uma empresa até então não mencionada, a Unifour Marketing. Questionada sobre o fato inusitado de que a reportagem ligou para uma empresa, descobriu que ela mudou de nome e faria o pagamento para uma terceira, a atendente disse que a Message Flow é o nome fantasia da Unifour, que comprou a Yacows.

Aberta 22 dias após a decisão judicial que proibiu a Yacows de atuar, a Unifour tem Andressa Campo Ferreira como como sócia-proprietária. Em contato com o UOL, a dona do negócio confirmou ser ex-funcionária da Yacows e repetiu a história de que a Unifour comprou a Yacows.

“A Message Flow comprou a Yacows, a Bulk Service, e hoje ela está no meu nome. Peguei a operação da Bulk para mim, porque já entendia, e decidi dar sequência nisso.” Bulk Services é o nome da plataforma criada pela Yacows para disparar mensagens em massa e compartilhada com outras três empresas também proibidas de atuar pela decisão de abril: Kiplix, Deep Marketing e Maut Desenvolvimento.

Não há documentos na Junta Comercial que mostrem que a transação foi feita. Questionada, Ferreira não explicou por que continua por que continua a oferecer os disparos em massa nem como uma empresa com capital social de R$ 5.000 consegue incorporar outra, com capital de R$ 100 mil.

O advogado da Yacows foi procurado, mas ainda não retornou aos contatos. Após ser perguntada sobre como mantinha a operação apesar de decisão judicial impedindo a operação, a empresária encerrou a conversa.

O site da Message Flow, também no nome de Ferreira e registrado menos de uma semana após a proibição judicial, é uma cópia deliberada da página da Bulk Message. Repetem-se nos dois, coisas como: Textos explicativos: “faça o upload da sua lista de contatos ou adquira uma lista segmentada e cria campanhas de marketing direito”

Atestados de competência, ainda que a Message Flow tenha pouco menos de dois meses de vida: “só que já executou mais de 700 mil campanhas pode garantir!”.

E até depoimentos de clientes satisfeitos com o serviço: “A Bulk/Message Flow é a ferramenta que nos permitiu ter uma interação mais eficaz com nossos clientes, uma vez que nos permite fazer relacionamento por meio das mensagens, aumentando assim a efetividade da comunicação”, relata Emanuel, um suposto franqueado da Blue Fit.

Folha de S.Paulo
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