Foto: Divulgação/Arquivo
Mauro Menezes* 06 de julho de 2020 | 09:30

O ex-ministro da Justiça Sergio Moro deve ser impedido de exercer a advocacia?, por Mauro Menezes*

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O ingresso do ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sergio Moro nos quadros da OAB deve ser apreciado de modo objetivo, o que implica a presunção de inexistência de impedimento para sua inscrição.

Demonstrados os requisitos formais e materiais do art. 8º da lei 8.906/94 (Estatuto da OAB), não poderá haver óbice para que exerça a advocacia, salvo mediante a instauração de procedimento interno, previsto no parágrafo 3º do mesmo artigo, para avaliar arguição de inidoneidade moral. Havendo semelhante impugnação, Moro deverá gozar das garantias do devido processo legal, oportunidade em que poderá sustentar que sua vida pregressa não apresenta conduta incompatível com o exercício da advocacia, cuja ocorrência igualmente o inabilitaria ao recebimento da carteira de advogado, segundo o Regulamento Geral do Estatuto da OAB (art. 20).

Embora haja fundados questionamentos sobre violações éticas e legais cometidas por Moro quando ocupou a magistratura e a função de ministro de Estado, contra ele não se deve alimentar estigma de natureza pessoal, alheio ao exame de fatos concretos, sob pena de se reproduzirem desvios atribuídos ao próprio ex-juiz.

Atos e decisões judiciais costumam desagradar partes e advogados, razão pela qual a mera insatisfação com o desempenho judiciário pretérito não constitui substrato para a negativa de inscrição. No entanto, a eventual comprovação de atentado a prerrogativas de advogados pode ser tida como elemento impeditivo para a inscrição na OAB. E, nesse sentido, estima-se uma possível controvérsia perante o conselho seccional em que Moro solicitar admissão.

Mas, caso ultrapasse tais possíveis impugnações e venha a efetivamente atuar como advogado, Moro terá que observar pressupostos e encarar experiências bastante distintas dos hábitos que ostentava em seus tempos de juiz e de ministro do governo Bolsonaro. Além de ser exigido que se expresse em português escorreito, perceberá que os erros profissionais custam caro e não são superados por meras escusas. Moro então poderá dimensionar a efemeridade da glória e a falácia do heroísmo na profissão jurídica, pois a cada conquista se apresenta um novo desafio.

O ex-juiz entenderá que a diligente e aguerrida defesa técnica não pode ser menosprezada e que a verdadeira excelência é o cliente, ou seja, o jurisdicionado, que merece respeito, e não escárnio. Talvez o Moro advogado aprenda a melhor prestigiar a Justiça do que na época em que era magistrado e transpunha fronteiras legais e institucionais sem a menor cerimônia. Quem sabe, enfim, ele constate o papel imprescindível da advocacia na administração da Justiça. E até mesmo passe a valorizar a imparcialidade judicial.

Da sua vivência como autoridade do Poder Executivo, o Moro advogado, para se manter nos limites da ética, terá que abdicar de tentações que o façam negociar estranhas compensações ou compromissos. Perceberá também que o profissional da advocacia não pode hesitar em empreender o cabível contraditório, esteja onde estiver. E que diante do vilipêndio a uma instituição judiciária, o verdadeiro tribuno deve redarguir em alto e bom som, pois a dignidade da Justiça é a sua própria dignidade, como ensinava Calamandrei.

Seja como for, decerto a OAB não imporá pré-julgamento a Moro. Recepcioná-lo na atividade advocatícia transmitirá a lição, um tanto tardia, de que adversários devem ser respeitados, jamais perseguidos. E ensinará que, por mais que haja convicções ou grandes propósitos, os fins não justificam os meios.

* Mauro Menezes é advogado, ex-presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República (2016-2018, governos Dilma e Temer) e mestre em Direito Público pela UFPE. Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo.

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