25 de agosto de 2020 | 15:39

Chefe da OEA tira brasileiro de comissão de direitos humanos e gera crise interna

brasil

O secretário-geral da OEA (Organização dos Estados Americanos), Luis Almagro, decidiu não renovar o mandato do brasileiro Paulo Abrão, secretário executivo da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), abrindo uma crise no órgão que se dedica ao monitoramento e à proteção de direitos humanos nas Américas.

A CIDH, órgão da OEA, mas que possui autonomia, divulgou uma nota de repúdio nesta terça-feira (25) afirmando que a independência da comissão foi ferida por Almagro, que não respeitou a decisão unânime de seus membros de reeleger Abrão para seguir no cargo.

O secretário-geral da OEA, por sua vez, justifica a decisão com base em um relatório que traz dezenas de denúncias trabalhistas contra o brasileiro.

Doutor em direito, ex-secretário-executivo do Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos do Mercosul e ex-presidente da Comissão da Anistia no Brasil, Abrão está no cargo da CIDH desde agosto de 2016. A renovação de seu mandato para o período de 2020 a 2024 foi decidida durante uma sessão do órgão que ocorreu no México nos dias 8 e 9 de janeiro.

Oito meses depois, em 15 de agosto —último dia da vigência do contrato do brasileiro—, Almagro comunicou à CIDH, sem consulta prévia, que se abstém de “avançar no processo de nomeação do secretário executivo”, o que na prática é uma negativa para que ele continue no cargo.

A CIDH afirma que até então o secretário-geral não tinha feito nenhum questionamento sobre o procedimento de renovação. Em uma nota divulgada nesta terça, o chefe da OEA diz que as denúncias trabalhistas contra Abrão constituiriam “possíveis violações de direitos” dos funcionários e que as queixas não teriam sido transmitidas a ele, o que constituiria uma falha nos processos.

Segundo Almagro, a “seriedade e a gravidade das reclamações” não permitem que o mandato seja renovado. Uma fonte anônima afirmou à agência de notícias AFP que foram mais de 60 denúncias de “assédio laboral” e de “manipulação de concursos e contratações” e que muitos funcionários acabaram saindo da CIDH por esse motivo. Essas queixas teriam sido apresentadas à ombudsperson da comissão, Neida Pérez, que as enviou a Almagro no dia 10 de agosto.

Em nota, a CIDH diz que está “profundamente surpresa” com o fato de a ombudsperson ter esperado até cinco dias antes do vencimento do contrato de Abrão para transmitir o relatório com situações relativas ao ano passado e que não está sendo respeitada a presunção da inocência e o direito ao devido processo —o que Almagro nega.

A comissão afirma também que acompanhou cada uma das situações denunciadas ao longo de 2019, implementando a maioria das sugestões de Pérez a respeito, e que no dia 14 de agosto enviou um relatório detalhado a Almagro informando as medidas tomadas. Disse, ainda, que dá prioridade ao bem-estar, à estabilidade e ao desenvolvimento profissional da equipe.

Segundo a AFP, a CIDH decidiu nesta segunda-feira deixar como interina no posto de Abrão a secretária-executiva adjunta do órgão, a colombiana Claudia Pulido.

Na época da votação pela continuidade de Abrão no cargo, a comissão elogiou o brasileiro, dizendo que ele conseguiu enfrentar a crise financeira vivida pela instituição e ampliou a capacidade de monitoramento e a presença na região.

Na nota desta terça, a comissão reiterou o apoio a Abrão e disse esperar que Almagro possibilite a renovação de seu contrato. Nas redes sociais, usuários de vários países defenderam o brasileiro e criticaram o que consideram uma interferência indevida de Almagro.

Criada pela OEA em 1959 e com sede em Washington, a CIDH é uma instituição do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos, junto com a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Em março deste ano, Almagro foi reeleito ao cargo de secretário-geral da OEA para o período 2020-2025, com 23 votos contra 10.

Na gestão do uruguaio, forte crítico do chavismo, a OEA deixou de ser um organismo facilitador do diálogo pelo fim de crises institucionais e pró-defesa de direitos humanos para ganhar contorno de instituição política, que adota uma linha clara de defesa da direita na América Latina.

De 2015 para cá, Almagro apoiou a criação do Grupo de Lima, a autoproclamada presidência do opositor Juan Guaidó e o discurso de países como Estados Unidos e Colômbia em favor de que, para a saída de Maduro do poder, “não se deve descartar nenhuma opção sobre a mesa, incluindo a militar”.

Folha
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