Foto: Nicholas Kamm/AFP
O secretário de Estado dos EUA , Mike Pompeo 20 de setembro de 2020 | 09:28

De forma unilateral, EUA restabelecem sanções da ONU contra o Irã

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Os EUA afirmaram, unilateralmente, que as sanções da ONU contra o Irã voltaram a vigorar a partir deste sábado (19) e prometeram represália a quem violar as medidas.

“Hoje, os EUA dão as boas-vindas à volta de praticamente todas as sanções da ONU adotadas anteriormente contra a República Islâmica do Irã”, disse, em comunicado, o secretário de Estado americano, Mike Pompeo.

Segundo ele, as medidas foram reinstauradas às 20h de Washington (21h em Brasília) deste sábado. O movimento dos EUA, no entanto, é visto como vazio já que o país não faz mais parte do acordo nuclear com o Irã. Um grupo de 13 países, dos 15 que integram o Conselho de Segurança da ONU, se opôs ao retorno das sanções. Nele estão aliados de longa data dos americanos.

Em carta conjunta enviada nesta sexta-feira (18) ao conselho, representantes da Alemanha, do Reino Unido e da França nas Nações Unidas afirmaram que o alívio das sanções seria mantido depois deste sábado.

“Trabalhamos incansavelmente para preservar o acordo nuclear e continuamos comprometidos em fazê-lo”, declararam na correspondência, vista pela agência de notícias Reuters.

O governo de Donald Trump, porém, prometeu consequências a qualquer Estado membro da ONU que não cumpra as sanções, apesar de ser um dos únicos países do mundo que acreditam que as medidas estão em vigor. A ameaça é significativa: Washington promete negar acesso ao sistema financeiro e ao mercado americano caso alguém as desobedeça.

“Se os Estados membros da ONU não cumprirem suas obrigações de aplicar essas sanções, os EUA estão dispostos a utilizar nossas autoridades nacionais para impor consequências por esses descumprimentos e assegurar que o Irã não se beneficie da atividade proibida pela ONU”, declarou Pompeo.

As medidas a serem adotadas em represália aos desobedientes devem ser anunciadas nos próximos dias.

O ministro das Relações Exteriores do Irã, Mohamed Javad Zarif, reagiu neste sábado às ameaças e afirmou, à rede pública de TV iraniana, que os americanos “sabem que é uma declaração falsa”.

Zarif disse ainda que a comunidade internacional deveria se opor ao uso das sanções por Washington para impor sua vontade.

“Os americanos, como regra, agem como um ‘bully’ [alguém que pratica bullying] e impõem sanções”, declarou Zarif à TV do país. “Eles [a comunidade internacional] vão enfrentar isso quando os EUA tomarem a mesma atitude com relação ao projeto Nord Stream, assim como em outras iniciativas, porque um ‘bully’ vai sempre agir assim se for permitido que o faça pela primeira vez.”

Apesar das tensões crescentes, o comandante da Guarda Revolucionária iraniana, Hossein Salami, disse ser um “blefe” qualquer possiblidade de um conflito militar.

“Nenhum poder, inclusive os EUA, tem condições de impor uma nova guerra à nação iraniana, então as pessoas não deveriam se preocupar com esses blefes exagerados do presidente americano”, afirmou Salami, segundo a agência de notícias estatal Isna.

O anúncio de Pompeo se baseia em movimento realizado pelos EUA no Conselho de Segurança, em 20 de agosto. Washington enviou uma queixa ao órgão da ONU, em que denunciava o Irã por quebrar o acordo nuclear.

Em resposta à renúncia dos EUA ao acordo de 2015 e à imposição de sanções unilaterais pelos americanos em uma tentativa de fazer o Irã negociar um novo trato, Teerã violou os limites centrais do pacto, incluindo seu estoque de urânio enriquecido.

Com base em resolução do conselho que estabelece o acordo nuclear, Washignton afirmou que essa violação desencadeou um processo de 30 dias para o restabelecimento de todas as sanções da ONU contra o Irã. Os EUA disseram que, ainda que tenham saído do acordo em 2018, a resolução o nomeia como participante.

De acordo com o processo para a restauração das restrições, se uma medida para estender o alívio das sanções não for adotada dentro de 30 dias, estas deveriam ser reimpostas. Nenhuma resolução do tipo foi apresentada para votação.

A Indonésia, que presidia o conselho em agosto, disse à época que “não estava em posição de tomar novas medidas” sobre a tentativa dos EUA de desencadear o retorno das sanções porque não havia consenso no grupo.

Um retorno dessas sanções significaria o fim de qualquer atividade de enriquecimento e reprocessamento nuclear pelo Irã, inclusive para pesquisa e desenvolvimento, além da proibição dos países de importarem qualquer produto que possa contribuir para essas atividades ou para a produção de sistemas de entrega de armas nucleares.

Também permaneceria em vigor o embargo de armas, imposto pelo Conselho de Segurança em 2007 e previsto para expirar em 18 de outubro, segundo o acordo nuclear de 2015.

A medida proíbe o Irã de desenvolver mísseis balísticos capazes de atirar armas nucleares, além de prever sanções contra uma dúzia de indivíduos e organizações. Caso continue válida, os países também são instados a inspecionar remessas de e para o Irã, podendo apreender qualquer carga proibida.

O acordo com o Irã foi assinado por EUA, ainda sob a gestão do democrata Barack Obama, Rússia, China, Alemanha, Reino Unido e França. Com exceção da Alemanha, todos os demais países são membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e possuem poder de veto.

A CRISE EUA-IRÃ
EUA e Irã vivem em crise diplomática desde o fim dos anos 1970, quando a Revolução Islâmica derrubou um governo apoiado pelos americanos.

Depois de abandonar o acordo nuclear de 2015, os EUA impuseram novas punições contra o país. O objetivo era estrangular a economia local. As restrições impedem que outros países comprem petróleo iraniano —cerca de 80% da economia depende do setor de óleo e gás.

A venda do Irã para o exterior caiu de 2,5 milhões de barris/dia em 2018 para 400 mil em maio de 2019.

Em resposta, o Irã voltou a avançar no enriquecimento de urânio, embora ainda em níveis distantes do necessário para se obter uma bomba, segundo os números divulgados.

Em janeiro, os EUA mataram o general Qassim Suleimani, principal comandante militar do Irã, em um ataque com drones. O Irã revidou com ataques a bases no Iraque e, acidentalmente, derrubou um avião de passageiros, com 176 a bordo.

Os ânimos militares se acalmaram depois disso, mas a tensão entre os dois países prossegue.

Folha
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