Foto: Fábio Rodrigues/Agência Brasil
O secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues 16 de setembro de 2020 | 22:01

Elogiado por técnica e dedicação, Waldery virou alvo no governo por gestão e comunicação

economia

A situação do secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, gerou comoção entre pares da equipe econômica. Pelos colegas, ele é visto como extremamente dedicado ao cargo, de elevada capacidade técnica e de rápido raciocínio matemático.

Entre seus pontos negativos, estariam problemas na gestão do time e falhas na comunicação.

Segundo relatos, entre as mostras de seu comprometimento estava passar noites lendo estudos e documentos antes de discuti-los no Congresso e chegar com olhos vermelhos às reuniões. Quando questionado, evitava falar quantas horas tinha trabalhado.

Workaholic, em diversos momentos estendeu esse comportamento à equipe para atender pedidos do ministro Paulo Guedes (Economia).

Acionava o time de madrugada e também em fins de semana, o que gerava desgaste entre subordinados. Muitas vezes, as reuniões que marca atrasam horas pelo volume de atribuições que tem.

Com isso, Waldery acumulou baixas na equipe. Esteves Colnago e Jeferson Bittencourt deixaram o time e foram trabalhar na assessoria especial de Guedes. Mansueto Almeida pediu demissão do Tesouro após embates e Caio Megale também saiu após um período.

Parte da culpa decorre, na visão de integrantes, das escolhas de Guedes para seu superministério. Ao montar a equipe, ele convidou Waldery para comandar a mais ampla das nove secretarias especiais.

O tamanho da responsabilidade do subordinado ficou comparada à do antigo ministro da Fazenda, mas sem a mesma estrutura (com equipe e autoridade reduzidas).

Sob seu guarda-chuva, ficaram o Tesouro Nacional, a Secretaria de Orçamento Federal, a Secretaria de Política Econômica e a Secretaria de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria.

Cada uma tem diferentes áreas e atribuições, como a elaboração do Orçamento, o contingenciamento de despesas, a administração da dívida pública, o atendimento à regra de ouro, a formulação de estudos e pareceres, a interação com bancos estatais e outros itens que formam um universo hercúleo de tarefas.

Seu cargo ainda exige responsabilidades que poucos na equipe econômica têm, como a gestão de fundos públicos e um dos três votos no CMN (Conselho Monetário Nacional, órgão responsável por decidir questões sobre moeda e crédito). Os outros dois são de Guedes e do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

Pela carga de trabalho e pela dedicação, Waldery é chamado de “carregador de piano”. Mesmo assim, ele recebe críticas. Entre elas, estaria o comportamento centralizador —justamente com receio das reações do restante do governo, ele demandava acompanhar os passos do time—, dificuldades na gestão e problemas crônicos de comunicação.

Nesse último item, um dos defeitos mencionados seria um excesso de cuidado para defender seu ponto de vista, principalmente perante Guedes. Parte disso decorreria do respeito de Waldery à hierarquia, o que alguns veem como herança de sua formação na escola militar.

Engenheiro pelo ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), mestre em economia pela Universidade de Michigan e doutor em economia pela UnB (Universidade de Brasília), Waldery se tornou pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) ao fazer um dos primeiros concursos da instituição, em 1996.

Depois, virou consultor de carreira do Senado. Foi cedido para integrar o ministério a convite de Guedes após ter participado, ainda durante a campanha eleitoral, de reuniões com o então futuro chefe.

Por ser um dos principais conhecedores das encruzilhadas orçamentárias, Waldery já foi escalado para explicar, inclusive no Palácio do Planalto, os entraves para diferentes planos bolados pelo governo.

Uma dessas ocasiões foi na discussão do plano Pró-Brasil, que destinaria recursos do Tesouro a um megaprograma de obras públicas.

Os empecilhos para a empreitada incluíam o teto de gastos —que impede o aumento das despesas acima da inflação do ano anterior—, o crescimento das despesas obrigatórias, o endividamento público, a necessidade de credibilidade perante investidores, a regra de ouro e o conflito com a agenda de Guedes.

Essas explicações são vistas pelos pares como verdadeiras aulas de orçamento público, mas os relatos dão conta que muitas vezes o conteúdo entrava por um ouvido e saía pelo outro em diferentes alas do governo.

Outro problema é o fato de Waldery ser prolixo e demasiadamente detalhista. Por querer ser didático, entrevistas com o secretário duram duas horas e meia. Reuniões internas são consideradas intermináveis.

Parte dos colegas enxerga a característica como algo anedótico, mas outros veem justamente o motivo de sua cabeça ter sido colocada a prêmio. Waldery era discreto e, pela própria rotina carregada, não concede muitas entrevistas. Mas quando fala, se prolonga.

Na última semana, ele tentou explicar a um jornalista do G1 a necessidade, em sua visão, do congelamento das aposentadorias por dois anos. A entrevista foi repercutida em outros jornais e gerou uma crítica do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que também reagiu a matéria do jornal Folha de S.Paulo sobre cortes em auxílio para idosos e pessoas com deficiência.

Em vídeo nas redes sociais, o presidente ameaçou com “cartão vermelho” integrantes da equipe econômica que defenderem medidas como o corte de benefícios de aposentados e deficientes.

Em meio à considerada falta de união e clareza do governo nas discussões sobre o futuro pós-Covid, a fala acabou virando alvo de Bolsonaro e de outros setores do Executivo interessados no enfraquecimento da equipe econômica e da agenda de contenção de gastos.

Conforme mostrou a Folha, depois do episódio Guedes aguardava um pedido de demissão de Waldery.

Mesmo considerando as críticas, membros da equipe dizem sentir pena do secretário por causa do tamanho da reprimenda que levou de Bolsonaro, considerada exagerada, e alguns citam também o fato de Guedes parecer não apoiar o subordinado, considerado um soldado.

O próprio conteúdo das declarações de Waldery reflete o espírito das propostas do chefe, que quer desindexar diferentes despesas do Orçamento da inflação.

Alguns, inclusive, veem na falta de respaldo do ministro ao subordinado similaridade com o ex-secretário da Receita Federal, Marcos Cintra. Ele foi demitido após defender um imposto nos moldes da CPMF, algo que era parte dos desejos de Guedes (e continua sendo).

Membros da equipe dizem que a entrevista pode até ter soado como um deslize de Waldery, já que o ministro e seu entorno ficaram irritados com a repercussão.

Mas diferentes integrantes afirmam que o ato não justificaria uma demissão e que a saída do secretário seria uma injustiça, além de uma perda técnica significativa para o ministério.

Procurado, Waldery não comentou.

Folhapress
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