Foto: Maria Kalesnikava - Foto: Sergei Gapon/AFP
07 de setembro de 2020 | 10:02

Líder antiditadura é levada por mascarados na Belarus, diz oposição

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Uma das principais líderes do movimento contra a ditadura bielorrussa, Maria Kalesnikava foi levada a força por pessoas não identificadas na manhã desta segunda-feira (7) no centro de Minsk, afirmou em comunicado o conselho criado pela oposição para negociar novas eleições no país.

Kalesnikava, 38, foi uma das três mulheres à frente da candidatura de oposição ao ditador Aleksandr Lukachenko, na eleição presidencial de 9 de agosto —cujo resultado, considerado fraudado por entidades internacionais, deflagrou a onda de protestos que completa hoje 30 dias.

Ela ficou conhecida pelo símbolo de coração com as mãos, usado desde a campanha eleitoral e durante as manifestações.

Segundo testemunhas ouvidas por veículos bielorrussos e estrangeiros, por volta das 10h (horário local, 4h em Brasília) Kalesnikava caminhava pela avenida da Independência, uma das principais da capital, quando homens de roupas civis e máscaras a agarraram e empurraram para dentro de um micro-ônibus escuro, com a palavra “comunicação” ao lado.

Os pedestres disseram que o celular da líder da oposição voou de sua mão para a calçada, e foi recuperado por um dos homens. Desde então, ela não atende mais o telefone.

Segundo um porta-voz do conselho de coordenação, Kalesnikava estava sozinha no centro da cidade, a negócios. O conselho afirma também que dois outros membros, Anton Rodnenkov e Ivan Kravtsov, pararam de se comunicar e não estão localizáveis.

Segundo a agência russa RIA Novosti, o Ministério do Interior (responsável pela segurança) afirmou não ter informações sobre a detenção de representantes do conselho de coordenação nesta segunda. A polícia de Minsk disse que também não deteve a oposicionista.

Ex-chefe de campanha do candidato Viktor Babariko, preso pelo regime em junho, Kalesnikava, que é formada em artes e música e flautista, foi a única das integrantes da frente a ficar na Belarus após a eleição e a repressão policial.

A principal candidata oposicionista, Svetlana Tikhanovskaia, cujo marido também foi preso por Lukachenko, se exilou na Lituânia, e Veronika Tsepkalo deixou o país para se encontrar com o marido, que precisou fugir para não ser detido.

Da Lituânia, Tikhanovskaia afirmou que “os sequestros são uma tentativa de interromper o trabalho do conselho de coordenação e intimidar seus membros”.

“As autoridades estão erradas quando pensam que isso vai nos impedir. Quanto mais eles intimidam, mais gente sai. Vamos continuar a lutar, vamos buscar a libertação de todos os prisioneiros e a realização de novas eleições justas”, afirmou a ex-candidata.
Kalesnikava faz parte da liderança do conselho de transição. Nas últimas semanas, 3 dos 7 membros da cúpula do conselho foram presos pela ditadura: Lilia Vlasova, Sergei Dylevsky e Olga Kovalkova, que depois deixou o país sob ameaças. Um quarto, Pavel Latushko, também saiu da Belarus.

Em entrevista no final de agosto, ela foi questionada sobre o que faria se todos os membros do conselho fossem presos: “Agora, 9 milhões de bielorrussos estão nessa situação de poder ser preso a qualquer momento. Nossa vitória se deu por sermos cidadãos livres da Belarus e querermos uma nova vida. Eststarmos prontos para assumir responsabilidades e, passo a passo, assumir essa nova vida”.

Ela afirmou que não tinha ilusões sobre a possibilidade de se tornar um alvo da ditadura. “Mas lidamos com nosso medo e estamos seguindo em frente”.

Neste domingo, Kalesnikava havia participado das manifestações que levaram mais de 100 mil pessoas às ruas da capital e foram reprimidas com brutalidade.

Protestos e repressão ocorreram em várias outras cidades bielorrussas. A ditadura anunciou nesta segunda que 633 foram presos no país por participar dos protestos.

Desde o começo dos protestos, no dia 9 de agosto, ao menos 5 pessoas morreram e centenas ficaram feridas pela repressão de Lukachenko. Há registro de ao menos 450 casos de tortura, segundo relatório da ONU.

Cerca de 7.000 pessoas foram presas sob acusação de participar de evento ilegal (na Belarus, manifestações precisam ser autorizadas pelo governo).

Jornalistas também tem sido detidos, descredenciados e banidos do país, e veículos de comunicação tiveram sites bloqueados ou foram impedidos de circular.

No poder há 26 anos, desde que venceu a única eleição considerada livre e justa da Belarus após o fim da União Soviética, Lukachenko afirma que teve 80% dos votos em agosto.

Ele se recusou a receber membros do conselho de transição e a ditadura os está processando por formação de entidade ilegal.

Segundo o ditador, “países ocidentais” estão por trás das manifestações, para desestabilizá-lo. Para opositores, ele tenta transformar a insatisfação interna em uma questão internacional para obter apoio da Rússia e se manter no poder.

A Belarus tem importância geopolítica para o presidente russo, Vladimir Putin, pois está localizada entre o território russo e a União Europeia. O país tem também importância econômica para os russos, já que por ela passa boa parte do óleo e gás exportado para o ocidente.

Para Putin, os protestos contra Lukachenko podem ser uma oportunidade de forçar o ditador bielorrusso a aprofundar sua dependência do país vizinho, em troca de proteção.

O porta-voz da Comissão Europeia Peter Stano afirmou nesta segunda que a UE está ciente dos relatos de que Kalesnikava foi detida e está “estabelecendo os fatos”.

Segundo ele a “contínua repressão do regime bielorrusso contra manifestantes políticos é inaceitável” e todos os presos políticos devem ser soltos.

Não há previsão, porém, sobre quando serão impostas as sanções decididas pelos líderes dos 27 países membros da UE.

Segundo a agência Reuters, 31 nomes estão na lista de indivíduos que serão submetidos a sanções, mas ela não inclui, no momento, o nome do ditador Aleksandr Lukachenko.

Folha de S. Paulo
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