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O juiz federal Kássio Nunes, favorito a preencher a próxima vaga no STF 30 de setembro de 2020 | 21:45

Nomeado por Dilma para tribunal, novo favorito ao STF tem elos políticos e visão oposta à Lava Jato

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Um magistrado levemente conservador e que, nos últimos dois anos, ajustou seu discurso e se alinhou à visão do presidente Jair Bolsonaro em temas de comportamento.

Assim pessoas próximas ao juiz federal Kássio Nunes, 48, descrevem o favorito do chefe do Executivo a preencher a próxima vaga no STF (Supremo Tribunal Federal) no lugar do decano Celso de Mello.

A modulação no discurso, segundo interlocutores do magistrado, buscava pavimentar seu caminho ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), mas ele surpreendeu positivamente nas conversas e, então, seu nome passou a ser considerado para o Supremo.

Tido como um juiz bem relacionado politicamente, Kássio conta com o aval do ministro Gilmar Mendes e, chegando à corte, deve reforçar o movimento contrário à Operação Lava Jato.

Kássio é juiz do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) desde 2011 e chegou ao cargo nomeado pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT), graças à proximidade com caciques políticos do MDB e do PP, incluindo o senador Ciro Nogueira (PP-PI).

Preencheu vaga reservada aos advogados —o quinto constitucional. Recebeu o apoio do então presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Marcus Vinícius Furtado Coelho, e do atual governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), à época chefe da OAB local. Após a indicação da ordem, foi o mais votado em lista tríplice.

Até então desconhecido no mundo jurídico de Brasília, ele chamou a atenção dos integrantes mais antigos do tribunal federal, que o elogiam por sua atuação como magistrado. Colegas dizem que ele tem coragem suficiente para enfrentar a Lava Jato, sem ceder à pressão da opinião pública.

Antes do TRF-1, Kássio atuou como juiz do TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do Piauí, de 2008 a 2011. Neste período, participou do julgamento que aprovou as contas eleitorais de Ciro Nogueira na campanha ao Senado em 2010.

Na ocasião, a Procuradoria Eleitoral apontou irregularidades nas contas do parlamentar —informações não declaradas à Justiça Eleitoral sobre o uso de veículos pela campanha.

Interlocutores dizem que Kássio é bom no trato pessoal e pertence à ala garantista do direito, que privilegia a presunção de inocência dos investigados e se opõe ao grupo punitivista, no qual se enquadra a atuação da Lava Jato.

Em entrevistas como juiz federal, Kássio já deixou claro que tem visões opostas à Lava Jato. Para ele, a execução de pena após condenação de segunda instância, que levou o ex-presidente Lula (PT) à prisão, não é automática.

Como a jurisprudência do Supremo de determinar o cumprimento de pena após o fim do processo foi decidida por 6 a 5, a eventual nomeação de alguém contrário a essa tese (caso do ex-ministro Sergio Moro) poderia reverter o entendimento do tribunal a respeito.

Mudar esse entendimento para permitir o cumprimento de pena após decisão de segundo grau daria força novamente à operação. E desagradaria boa parte do mundo político, incluindo caciques do MDB e do PP alvos da Lava Jato.

Contraria também Bolsonaro, uma vez que a operação foi responsável por dar notabilidade a Moro, que se tornou seu adversário após pedir demissão do Ministério da Justiça com acusações contra o chefe do Executivo.

A visão de Kássio sobre o tema anima os caciques do MDB que o ajudaram a chegar ao TRF-1. Quando foi indicado, a então presidente Dilma Rousseff ainda tinha proximidade com seu vice, Michel Temer (MDB), que foi decisivo na escolha.

O ex-presidente José Sarney, o senador Renan Calheiros e o ex-senador Romero Jucá, todos do MDB, também deram apoio à indicação.

Além do centrão, o apoio a Kássio também parte de advogados reconhecidos em Brasília e que defendem os principais políticos do país.

Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido Kakay, defensor de parlamentares como Ciro Nogueira e Jucá nas investigações da Lava Jato, saiu em defesa do nome que desponta como favorito para o STF.

“Quando o doutor Kassio Nunes foi nomeado desembargador federal pela Dilma a notícia foi que ele era ‘um homem do Wellington Dias’, do PT do Piauí”, disse Kakay.

“Querem dizer que ele, nomeado ministro do Supremo pelo Bolsonaro, é uma nomeação do Ciro Nogueira, piauiense e do centrão. Ao invés de dar ao futuro ministro poderes de unir o PT e o centrão, é mais honesto ver o simples: ele está à altura do cargo de ministro do Supremo”.

Em decisão que beneficiou o governo, Kássio acolheu um parecer da AGU (Advocacia-Geral da União) para liberar o abate de jumentos para exportação. O juiz federal afirmou que o abate de jumentos segue os mesmos procedimentos de frigoríficos de bois, cabras e porcos e está amparado por normas legais.

Foi dele também a derrubada de liminar da primeira instância que havia suspendido licitação do STF para a contratação de bufê para o fornecimento de refeições, com menu que incluía lagosta. A compra gerou repercussão negativa, e a decisão de primeiro grau ajudou a desgastar a imagem da corte.

O magistrado tem mestrado na Universidade de Lisboa, onde faz doutorado. Especialistas na área, no entanto, afirmam que ele tem uma carreira acadêmica pouco expressiva.

No TRF-1, Kássio se destacou por transitar bem nas mais diferentes correntes internas da corte. É bem visto, por exemplo, tanto pelo juiz federal Néviton Guedes, que tem 55 anos e chegou ao tribunal em uma vaga destinada a membros do Ministério Público, quanto por Olindo Menezes, que é juiz há 38 anos, está no TRF-1 há 25 anos e é da chamada velha guarda da corte.

Folhapress
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