Foto: Pedro Ladeira/Folhapress
Paulo Guedes 13 de setembro de 2020 | 15:00

Teto não limita investimento público, dizem economistas

economia

A principal pergunta a que o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) queria responder ao encomendar a pesquisa sobre dívida pública aos economistas Marco Bonomo e Paulo Ribeiro —ambos do Insper— e Claudio Frischtak, presidente da Inter.B Consultoria, era se existia uma relação entre as regras fiscais e o investimento público no Brasil.

A conclusão do trabalho é que não há uma relação próxima entre as duas variáveis.

Não que o teto ou qualquer regra fiscal tenha limitado o investimento ou provocado o seu encolhimento.

Mas a própria dinâmica do gasto público, que seguiu crescente com as despesas obrigatórias, reduziu a capacidade de investir.

A razão para isso, segundo o estudo, é que as leis fiscais têm sido amplamente descumpridas para dar vazão ao aumento de gastos obrigatórios, principalmente com pessoal.

“Existe a falsa impressão de que as regras fiscais são as responsáveis pela queda do investimento público no Brasil. O estudo mostra que isso não é verdade”, diz Bonomo.

“O que tem reduzido nossa capacidade de investimento é justamente a falta de cumprimento das regras existentes, que leva à deterioração fiscal e limita o crescimento.”

Exercícios feitos pelos pesquisadores mostram que o espaço para investimentos públicos aumenta substancialmente quando as regras são cumpridas. Um exemplo são as unidades da Federação com boa avaliação anual do Tesouro Nacional por sua gestão fiscal, traduzida em indicadores como menor dívida em relação à arrecadação e maior capacidade de poupança.

Os estados que atingiram, em anos recentes, notas A e B (as mais altas) registraram níveis medianos de investimentos de, respectivamente, 5,37% e 5,83% de suas receitas. Esse indicador cai para 4,56% e 1,79% em unidades da Federação com notas C e D.

Os estados com notas C e D não recebem aval do governo para emitir dívida nova.

Segundo o estudo, essa regra e o teto do gasto são as únicas normas fiscais que têm se mostrado eficazes, respectivamente, em nível estadual e federal.

Já a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), também examinada pelos autores, vem sendo largamente descumprida. Vários estados não respeitam o limite de gastos com pessoal a 60% da receita. Segundo os autores, a situação tem piorado na esteira de decisões do Judiciário que permitem o descumprimento de regras.

Os economistas mostram que, se desde 2014 essa regra fosse cumprida por todos os estados, seu nível médio de investimentos como fatia do PIB (Produto Interno Bruto) em 2018 poderia ter sido de 0,91%, um nível baixo, mas bastante superior ao 0,55% do PIB alcançados na prática.

Com base nesse e em outros cálculos, assim como nas entrevistas feitas com gestores públicos de alguns estados, Bonomo, Ribeiro e Frischtak apresentam propostas de mudanças nas regras hoje vigentes no país.

Uma delas é um limite mais severo aos gastos dos estados com folha de pagamento, de 50% —em vez de 60%— das receitas. Para evitar que a regra seja descumprida, os autores sugerem medidas de ajustes obrigatórios quando um nível de 47,5% de comprometimento for atingido.

Iniciativas de correção acionadas automaticamente, os chamados gatilhos, são objeto de discussão em projetos de emendas constitucionais, tanto para estados quanto para a União, que tramitam na Câmara e no Senado. Mas a equipe econômica ainda não definiu qual texto pretende endossar.

Ex-secretária do Tesouro e economista-chefe do Santander, a economista Ana Paula Vescovi afirma que os gatilhos são prioridade para dar viabilidade à regra do teto de gastos, mais do que outras reformas, como a administrativa.

Embora alguns economistas defendam, como alternativa, retirar os investimentos públicos da limitação, Vescovi afirma que o cumprimento da regra é o que produz a confiança necessária para estimular investimentos do setor privado.

“O que realmente faz a economia progredir é o investimento privado”, afirma. “De nada adiantar flexibilizar a regra do teto, piorar a confiança na condução do ajuste fiscal e as condições financeiras. O resultado é inflação e juros mais altos, que contêm justamente o investimento.”

O descumprimento corriqueiro das regras, diz a ex-secretária, se deve à baixa percepção de ganhos coletivos com o equilíbrio das contas do governo.

“Contesta-se o termômetro, não o problema de fundo”, afirma ela.

A pesquisa dos economistas para o BID mostra que, se o teto de gastos tivesse sido adotado em 2010, o país teria evitado os déficits primários (que não incluem despesas com a dívida) que vêm registrando, sucessivamente, desde 2014.

“Fica claro que o principal gatilho da deterioração fiscal da última década foi o rápido crescimento dos gastos do governo”, diz trecho do estudo.

Para Vescovi, o controle do gasto estimula a “discussão política sobre o mérito da alocação” da verba pública, focalizando a solução de problemas concretos como a desigualdade social.

Folha de S.Paulo
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