Foto: Morry Gash/Pool via Reuters
Donald Trump e Joe Biden 31 de outubro de 2020 | 11:00

Apuração tenta avançar nos EUA, mas se divide e amplia incerteza

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A ansiedade com o que vai acontecer no fim da votação americana, na terça (3), se espraia. O jornal Süddeutsche Zeitung, o principal de uma democracia que ainda funciona, a alemã, correu para ouvir de um dos autores de “Como as Democracias Morrem” (Zahar, 2018) a previsão de “crise e violência”.

O problema é o dia seguinte, manhã de quarta, que pode não trazer vencedor depois de “uma noite de mistério”. Nem tanto pelo número total de votos, mas pelas regras divergentes e fragmentadas que já permitiram a ascensão de dois presidentes com menos votos que os adversários, nos últimos cinco pleitos.

As câmeras estarão voltadas para a Pensilvânia, que deve ajudar a definir o Colégio Eleitoral, mas que por lei estadual só começa a contar os votos no próprio dia. Quando se projeta violência na quarta, é de Filadélfia, na Pensilvânia, que se está falando.

Sem um órgão eleitoral de nível nacional nos Estados Unidos, por muito tempo, 172 anos, é a Associated Press (imagem acima) que vem declarando o vitorioso, mais recentemente com alguma concorrência e parceria da televisão.

A agência de notícias, que é uma cooperativa de jornais, inclusive The New York Times e as grandes cadeias, tabula os votos e anuncia o resultado, com o derrotado aceitando em seguida.

Esse modelo, como todo o ritual eleitoral americano, não vinha funcionando mais, devido em parte ao número cada vez maior de eleitores que votam antecipadamente, com diferentes formas de contá-los, por estado.

Segundo a própria AP, em 1972 só 5% dos votos foram dados antes do dia da eleição. Em 2016, saltaram para 42,5%. E neste ano, pela primeira vez, num movimento acelerado pela pandemia, eles serão a maioria.

Um dos fatores usados para projetar o vencedor eram as pesquisas de boca de urna, feitas pela agência em consórcio com canais e jornais, mas elas fracassaram há quatro anos, por não retratarem os votos antecipados, e a agência decidiu abandoná-las.

Desenvolveu um outro levantamento, que procura abranger os eleitores que votam antes, e agora descreve a decisão como uma bênção, dado o impacto do coronavírus. Mas esta será a primeira eleição presidencial com o novo processo, quase um teste.

Com o agravante de que Donald Trump e outros republicanos têm questionado a legitimidade da votação por correio e até, em alguns casos, têm procurado dificultar a sua viabilização.

A Pensilvânia é um dos estados em que se acredita que os primeiros números a entrar na tabulação da AP sejam de votos dados no próprio dia 3, presencialmente, e favoreçam o presidente. Só depois, ao longo de vários dias, entrariam os votos antecipados, favorecendo Joe Biden, que poderiam então mudar o resultado.

No intervalo, é o que se teme, o presidente poderia pressionar pelo fim da contagem. Ou poderia haver episódios de violência na Filadélfia, servindo de deixa para a pressão dos veículos pró-Trump.

A AP se associou à Fox News para o novo levantamento, que substituiu as pesquisas de boca de urna, mas CNN e outros prosseguiram no consórcio, o que pode acabar acrescentando incerteza, com projeções conflitantes.

O NYT, por exemplo, volta neste ano a fazer as suas —ainda que, segundo o Instituto Poynter, o jornal tenha decidido abandonar o mostrador de agulha que tanto insistiu na vitória de Hillary Clinton, há quatro anos.

Folha de S. Paulo
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