Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
Banco Central 30 de dezembro de 2020 | 12:56

Mesmo com venda de dólares, BC mantém intacto “seguro contra crise”

economia

O Brasil entrará em 2021 com um “seguro contra crises” praticamente igual ao visto no fim do ano passado. Apesar de ter vendido dólares nos últimos meses ao mercado financeiro, para segurar a cotação da moeda americana, o Banco Central manteve o nível das reservas internacionais após os piores momentos da crise provocada pelo novo coronavírus. Depois de encerrar 2019 com reservas de US$ 356,88 bilhões, a instituição registrava montante até um pouco maior no início de dezembro: US$ 356,93 bilhões.

O nível das reservas foi mantido apesar de, no auge da crise, o BC ter feito operações de montantes consideráveis para conter o dólar. Apenas em março, a instituição despejou US$ 10,67 bilhões das reservas internacionais no mercado financeiro. Em abril, foram mais US$ 6,59 bilhões. De março a novembro, o montante total somou US$ 24,24 bilhões.

Os recursos serviram para que os investidores internacionais, preocupados com o andamento da pandemia, pudessem desfazer posições no Brasil e remeter recursos para fora. Na prática, com essas operações, o BC evitou que o dólar subisse ainda mais ante o real, o que poderia provocar um descontrole geral no mercado.

Embora o BC tenha “queimado” US$ 24,24 bilhões de março a novembro, o nível das reservas se manteve próximo do visto no fim do ano passado e pouco abaixo do registrado em fevereiro (US$ 362,46 bilhões), antes do acirramento da pandemia.

Isso é justificado pela composição das reservas. Atualmente, cerca de 90% das reservas internacionais do Brasil são formadas por títulos de outros países – como os Treasuries norte-americanos. Com a crise econômica provocada pelo novo coronavírus, houve valorização desses títulos ao longo dos meses. Na prática, as reservas internacionais do Brasil se sustentaram porque os Treasuries em sua carteira ganharam valor.

“O PU do Treasury subiu muito”, explica José Faria Júnior, diretor da Wagner Investimentos. O PU corresponde ao “preço unitário” e, na prática, representa o valor do título. O PU sempre tem relação inversa com a taxa do título. Assim, quando a taxa de juros do Treasury cai, o preço unitário sobe.

O que ocorreu na crise provocada pela covid-19 é que surgiu uma série de fatores que levaram à alta do PU dos Treasuries. Faria Júnior lembra que, com a crise, os juros básicos americanos recuaram, a inflação caiu e houve maior demanda, por parte dos investidores, por esses títulos, considerados um “porto seguro” em momentos de crise.

O resultado foi que o juro do Treasury de 10 anos – uma das principais referências deste mercado – caiu de 1,1543% no fim de fevereiro para 0,9114% em 15 de dezembro. Isso representa um recuo de 21,04% da taxa, com consequente avanço do PU.

Este movimento favoreceu as reservas brasileiras. No fim de fevereiro – antes do acirramento da pandemia – apenas a parcela de títulos das reservas internacionais contabilizava US$ 335,36 bilhões. No fim de abril, este montante era de US$ 309,48 bilhões, em função das vendas de dólares feitas pelo BC ao mercado. No fim de novembro, o montante de títulos já estava em US$ 317,02 bilhões, em função da valorização dos Treasuries em carteira.

“O ouro também contribuiu para a sustentação das reservas”, diz Faria Júnior. “O porcentual de ouro nas reservas brasileiras é pequeno, mas o metal também se valorizou durante a crise.”

De fato, os dados do BC mostram que, em fevereiro, o Brasil tinha o equivalente a US$ 3,43 bilhões de ouro nas reservas. Com a valorização do metal, em meio à busca dos investidores globais por ativos considerados seguros, o valor das reservas de ouro subiu para US$ 3,84 bilhões no fim de novembro.

Esses movimentos vistos ao longo do ano permitiram que o BC brasileiro, mesmo vendendo dólares ao mercado, mantivesse um “colchão de segurança” muito semelhante ao visto antes da pandemia do novo coronavírus.

Por outro lado, o economista Bruno Lavieri, da 4E Consultoria, afirma que o nível atual das reservas brasileiras pode ser considerado “um pouco inflado”, justamente porque a valorização do preço dos ativos é transitória. “O preço do Treasury vai cair”, alerta.

Ainda assim, conforme o economista, a situação das reservas não preocupa, porque o País segue como credor internacional – ou seja, seu nível de reservas está acima da dívida externa.

De fato, os dados mais recentes do BC mostram que, no fim de outubro, a dívida externa bruta somava US$ 307,44 bilhões. Na mesma época, as reservas estavam na casa dos US$ 354,55 bilhões – uma diferença de US$ 47,11 bilhões.

Mesmo quando as reservas atingiram US$ 339,32 bilhões, em abril deste ano, na esteira das atuações do BC no câmbio, o montante se manteve acima da dívida externa de US$ 321,47 bilhões. Em outras palavras, o País sempre se manteve credor em dólar.

“A venda de dólares é uma decisão do governo, que julgou que tinha reservas em excesso. Naturalmente, o BC não venderia mais, porque poderia fazer o Brasil voltar a ser devedor no câmbio”, avaliou Lavieri. “Se há um ponto positivo é essa posição de credor líquido”, acrescentou.

O economista afirma ainda que as atuações do BC no câmbio nos piores momentos da pandemia, por meio de leilões de venda de dólares, foram bem sucedidas. “Ainda que o dólar tenha subido, a função do BC não é impedir a alta, mas a volatilidade”, disse. Até o dia 16 de dezembro, o dólar acumulava alta de 27,28% ante o real em 2020.

Estadão
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