Foto: Pedro Ladeira/Folhapress
Enquadrados na Lei da Ficha Limpa, candidatos a prefeito de Pesqueira (PE) e Bom Jesus de Goiás (GO) entraram com ação no STF para conseguir assumir o mandato 01 de janeiro de 2021 | 19:40

Após TSE suspender casos, fichas-sujas recorrem ao Supremo para assumir cargo

brasil

Dois candidatos a prefeito enquadrados como “fichas-sujas” recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar assumir o cargo, depois que uma decisão do ministro Kassio Nunes Marques esvaziou a Lei da Ficha Limpa. Nunes Marques concedeu uma liminar reduzindo o período de inelegibilidade de políticos condenados por certos crimes. O entendimento vale apenas para candidatos que ainda estão com processo de registro de candidatura pendente de julgamento no TSE e no próprio Supremo.

A liminar de Nunes Marques, afrouxando a Lei da Ficha Limpa, provocou inicialmente uma corrida de políticos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que acionaram a Corte Eleitoral para conseguir ser diplomados e assumir o cargo.

O presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, no entanto, decidiu ao longo dos últimos dias suspender cinco casos de candidatos “fichas-sujas”, alegando que é preciso aguardar uma decisão definitiva do plenário do Supremo sobre a liminar de Nunes Marques. Na prática, Barroso manteve o impedimento das candidaturas. Em todas as decisões, o presidente do TSE ressaltou que o entendimento de Nunes Marques “não produz efeitos imediatos e automáticos”.

Agora, em um novo capítulo da controvérsia, os “fichas-sujas” acionaram o Supremo para conseguir assumir o mandato. A alegação deles é que a decisão de Barroso, que suspendeu os pedidos de diplomação protocolados no TSE, contraria o entendimento de Nunes Marques que encurtou o período de inelegibilidade de políticos condenados em certos crimes, como tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e crime contra o meio ambiente e a administração pública.

Ações

Depois de ver o caso suspenso pelo TSE, o prefeito eleito de Bom Jesus de Goiás, Adair Henriques (DEM) recorreu agora ao Supremo para assumir o cargo. Condenado por delito contra o patrimônio público em segunda instância, em 2009, ele obteve 50,62% dos votos válidos nas urnas. Teve o registro da candidatura autorizado pelo Tribunal Regional Eleitoral goiano, mas perdeu no TSE, onde um recurso está pendente de análise.

“A não diplomação do candidato eleito para o cargo de prefeito, levará o futuro presidente da Câmara Municipal a exercer a chefia do Executivo, apesar de não ter se candidatado e tampouco eleito para o posto”, afirma a advogada e ex-ministra do TSE Luciana Lóssio, defensora de Adair.

A decisão de Barroso determina que o presidente da Câmara Municipal assuma temporariamente a prefeitura até a definição sobre o tema. “A prudência impõe que a chefia da municipalidade seja realizada pelo candidato sufragado nas urnas, até novo pronunciamento do Supremo Tribunal Federal. É o comando do artigo 14 da Lei Maior, ao asseverar que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal”, diz a advogada.

Outro candidato que acionou o Supremo é Cacique Marquinhos (Republicanos), vitorioso na disputa pela prefeitura de Pesqueira, município de 67 mil habitantes no agreste pernambucano, com 51,60% dos votos válidos. Marquinhos, no entanto, foi enquadrado na Lei da Ficha Limpa por causa de uma condenação em 2015 pelo crime de incêndio. O registro da candidatura foi negado pelo TRE pernambucano, o que levou o caso ao tribunal superior.

“Não só eu, como os 51% da população de Pesqueira, que acreditaram no nosso projeto, somos injustiçados. A gente só tem a lamentar a decisão do presidente Barroso”, disse Marquinhos ao Estadão. “Não conseguimos fazer o rito de transição, escolher secretariado, fazer indicações que deveríamos, isso cria o caos na administração pública com essa indefinição, principalmente para os serviços essenciais, como saúde e educação.”

Relatoria

Até a publicação deste texto, ainda não haviam sido definidos os relatores das duas ações no Supremo. Em tese, cabe ao presidente do STF, Luiz Fux, analisar os casos urgentes que chegam ao tribunal durante o recesso, independentemente de quem seja definido o relator.

A torcida dos políticos, no entanto, é para que os pedidos de diplomação sejam sorteados para Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, que decidiram manter a rotina de trabalho em pleno recesso, esvaziando o poder de Fux. Gilmar já elogiou a decisão de Nunes Marques e é um feroz crítico da Lei da Ficha Limpa – há quatro anos, disse que a legislação é “mal feita” e “parece que foi feita por bêbados”.

Na decisão de apenas quatro páginas tomada às vésperas do recesso do Supremo, Nunes Marques considerou inconstitucional um trecho da Lei da Ficha Limpa que fazia com que pessoas condenadas por certos crimes – contra o meio ambiente e a administração pública, lavagem de dinheiro e organização criminosa, por exemplo – ficassem inelegíveis por mais oito anos, após o cumprimento das penas.

A decisão foi tomada em uma ação do PDT contra dispositivo da lei que antecipou o momento em que políticos devem ficar inelegíveis. Antes da lei, essa punição só começava a valer após o esgotamento de todos os recursos contra a sentença nesses crimes. Com a legislação, a punição começou imediatamente após a condenação em segunda instância e alcança todo o período que vai da condenação até oito anos depois do cumprimento da pena.

O esvaziamento da Lei da Ficha Limpa provocou fortes críticas de integrantes do STF e do TSE. Ministros ouvidos pelo Estadão avaliaram que o entendimento era “absurdo” porque flexibilizava “regras já confirmadas pelo próprio STF”. O presidente Jair Bolsonaro, por sua vez, já rebateu nas redes sociais as críticas disparadas contra o ministro.

“O que o Kassio votou – não vou defendê-lo, nem acusá-lo, ele passou a ser um ministro com total autonomia -, ele definiu na sua liminar em uma pequena parte da Lei da Ficha Limpa foi o início da contagem da inelegibilidade”, disse Bolsonaro na semana passada. “Ele pode estar errado, o pessoal decide lá.”

Estadão
Comentários