Foto: Pedro Ladeira/Folhapress
Daniel Silveira 01 de março de 2021 | 06:49

Prisão de deputado expõe ativismo do Judiciário e levanta debate sobre riscos de precedentes perigosos

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A prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) expôs a “jurisprudência da crise” criada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) para enfrentar a ofensiva bolsonarista contra as instituições.

A medida se soma a várias outras que são objeto de estudo por constitucionalistas e que provavelmente não seriam tomadas em um ambiente de normalidade.

Especialistas que acompanham a rotina do Supremo elogiam a atuação da corte na proteção dos ataques à democracia, mas alertam que o ativismo do Judiciário para conter o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e seus aliados também pode ter o efeito contrário.

Na visão de especialistas, a detenção de Silveira sob o argumento de que a publicação de um vídeo nas redes sociais com ataques ao Supremo caracteriza a flagrância do crime é um dos pontos recentes que pode criar precedente perigoso.

De acordo com a Constituição Federal, um parlamentar pode ser preso em caso de flagrante de crime inafiançável. Moraes justifica esse flagrante pelo fato de a conduta ter sido gravada e disponibilizada na internet pelo deputado federal.

As falas de Silveira foram consideradas pelo STF crimes contra a segurança nacional, por isso inafiançáveis, por conferirem ataques ao Estado democrático de direito, como a defesa do AI-5 editado pela ditadura militar. O enquadramento feito pelo ministro do Supremo, porém, provoca uma série de questionamentos.

Outro precedente recente e perigoso do Judiciário foi a abertura de um inquérito pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), também de ofício e com respaldo em decisão do STF sobre o inquérito das fake news.

O inquérito das fake news foi aberto em 2019 como uma resposta do Supremo às crescentes críticas e ataques sofridos nas redes sociais.

Desde o início, porém, a apuração foi contestada por juristas e políticos por ter sido instaurada de ofício por Dias Toffoli, então presidente do Supremo, ou seja, sem provocação da PGR (Procuradoria-Geral da República).

Somente em 2020, por 10 votos a 1, o STF decidiu pela legalidade do inquérito. São alvos dessa investigação deputados, empresários e blogueiros ligados ao presidente Bolsonaro, que sofreram medidas de busca e apreensão e quebras de sigilo.

?Em relação à abertura desse recente inquérito no STJ, o temor se deve ao fato de tribunais estaduais terem começado a cogitar nos bastidores lançar mão da mesma estratégia do Supremo.

Assim, a decisão do STF de abrir em 2019 uma investigação sem provocação da PGR, o que é incomum, pode acabar se tornando um instrumento de intimidação por parte do Judiciário. Essa também é a avaliação do procurador-geral da República, Augusto Aras.

Na última sessão do Conselho Superior do Ministério Público Federal, o chefe da PGR classificou a decisão do STJ como “extremamente grave e preocupante” e disse que não descarta acionar até a Corte Interamericana de Direitos Humanos para impedir a investigação.

Segundo o procurador-geral, o precedente aberto pelo STJ é perigoso e tribunais regionais podem adotar a mesma medida para apurar a conduta de promotores e procuradores.

Aras fez essa referência porque o STJ abriu a investigação justamente para apurar a conduta de procuradores da Lava Jato. Os integrantes da operação tiveram seus celulares hackeados e, mais tarde, os invasores foram presos pela Polícia Federal.

Em um dos diálogos apreendidos que estão sob a guarda da corporação, os investigadores revelam a intenção de investigar a “evolução patrimonial” de ministros do STJ sem autorização da Justiça e de maneira ilegal.

Há outras decisões citadas como exemplos de uma jurisprudência excepcional que o STF vem criando para conter Bolsonaro.

São mencionados como exemplo o veto à posse do delegado Alexandre Ramagem no comando da Polícia Federal, a liminar do ministro Luiz Fux delimitando as atribuições das Forças Armadas e a suspensão do decreto que zerava a alíquota sobre a importação de armas.

O professor e doutor em Direito Constitucional Ademar Borges, que estuda o comportamento do STF, afirma ter a impressão de que “a maior parte do STF concorda com a tese de que a democracia brasileira está em crise” e que é devido a isso que o Supremo vem tomando decisões pouco vistas antes.

“Esse diagnóstico impactou o comportamento decisório do STF no último ano? Sim, não há dúvida de que o Supremo tem adotado uma postura mais proativa no controle de atos do Executivo e do Legislativo com o claro objetivo de proteger a democracia”, diz.

Segundo ele, no meio acadêmico essa jurisprudência da crise do Supremo tem apoio na noção de “democracia militante”, termo que surgiu na Alemanha no período que antecedeu a ascensão do nazismo.

“O que se procura enfatizar por meio dessa noção é que a democracia e suas instituições devem estar devidamente preparadas para acionar certos mecanismos de defesa contra ameaças autoritárias.”

Ele pondera, no entanto, que o Supremo precisa adotar cautela nessa atuação mais proativa “para impedir que essas decisões sejam usadas em outros contextos com propósitos contrários à pretendida tutela da democracia”.

Folhapress
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