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Augusto Aras 09 de abril de 2021 | 07:02

Flexibilização de regra libera procuradores na chefia de faculdades e gera embates no Ministério Público

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Um veto que impedia membros do Ministério Público de ocuparem a diretoria em instituições de ensino tem sido flexibilizado depois que decisões do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) passaram a autorizar que, em alguns casos, procuradores possam trabalhar nesses postos.

Essa situação, porém, tem provocado críticas de membros do próprio Ministério Público, que veem nelas um precedente perigoso.

Uma resolução de 2011 do CNMP, que é o órgão externo que controla e fiscaliza o Ministério Público, afirma que procuradores e promotores podem exercer docência ou coordenação de cursos, mas que “cargo ou função de direção nas entidades de ensino não é considerado exercício de magistério, sendo vedado aos membros do Ministério Público”.

A partir disso, procuradores que pretendiam virar diretores de faculdades passaram a argumentar que suas atribuições não são administrativas, mas meramente acadêmicas —o que tornaria o acúmulo de cargos possível.

Eles também têm dito que a carga horária nas faculdades não atrapalha as tarefas deles em suas respectivas Procuradorias. Equiparam suas carreiras à dos magistrados que tiveram autorizações do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para atuar em diretorias de faculdades.

Esse entendimento tem causado polêmica. Ex-conselheiro do CNMP, o advogado Almino Afonso Fernandes afirma que “a rigor, é um total equívoco entender que a função de diretor de uma faculdade de ensino tem caráter acadêmico, e não de direção”.

“Acadêmico, neste caso, pressupõe docência, e não gestão. Por isso, o precedente, mesmo que aplicado a um caso concreto, é deletério”, diz ele.

Uma decisão que tem sido usada como precedente é de 2015, sobre um procurador de Justiça que se tornou diretor-adjunto da faculdade de direito da PUC-SP.

Na ocasião, o entendimento do CNMP foi o de que “uma interpretação teleológica” do regimento da universidade permitia entender que suas funções “possuem evidente natureza pedagógica e científica, estando, assim, em consonância com o permissivo regulamentar”.

No mês passado, uma nova decisão do CNMP foi tomada em um processo turbulento que gerou acusações internas e envolveu o ex-procurador-geral de Justiça Gianpaolo Smanio, que esteve à frente do Ministério Público de São Paulo de 2016 e 2020.

Smanio ainda é procurador de Justiça. Logo depois de deixar a chefia do MP-SP, virou diretor da faculdade de direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Ele tem dito que, apesar do cargo de diretor, sua atividade é de mera coordenação acadêmica.

No entanto, essa argumentação vem sendo questionada desde agosto do ano passado por três procuradores e por um procurador aposentado com base no regimento da faculdade de direito do Mackenzie, que diz que o diretor tem atribuição de “administrar e dirigir a Faculdade de Direito”.

Além disso, compete ao diretor, segundo o regimento, tarefas como “representar a Faculdade de Direito dentro e fora da universidade” e “providenciar a abertura de concursos da carreira docente”.

“A data de hoje pode representar um marco na regulação da atividade de exercício de magistério por membros do Ministério Público”, disse o procurador aposentado Angelo Stacchini, em sustentação oral no CNMP no último dia 9 de março.

Ele também questionou a carga horária que Smanio tem que cumprir como diretor. “A se admitir isso, estamos admitindo, com todo respeito, que o Ministério Público passe a ser atividade secundária de trabalho e a atividade de direção de faculdade seja a principal.”

Os procuradores que questionavam o ingresso dele no Mackenzie juntaram no pedido ao CNMP documentos de uma seleção de professores assinada por Smanio, como prova de que ele faz atos administrativos.

Além de Stacchini, o pedido foi assinado pelos procuradores Fabio Pineschi, José Manoel Castanho e Vivian Silveira. Eles acabaram derrotados pelo plenário, que não viu argumentos para acatar o pedido contrário à atividade paralela de Smanio.

Em sua defesa, Smanio disse que a universidade prevê como seus órgãos administrativos somente a reitoria, a chancelaria e a pró-reitoria.

O CNMP votou a favor do entendimento do relator Oswaldo D’Albuquerque, para quem a atividade de magistério “não se restringe à prática de ‘ministrar aulas’” e abrange “todas as atividades pedagógicas relacionadas com o ato de ensinar, podendo ser estendida para as atividades de coordenação e direção escolar/universitária”.

Para ele, a contratação de professores foi feita pelo reitor da universidade e coube a Smanio “apenas acompanhar o processo seletivo, até mesmo porque tais docentes irão integrar uma equipe sob a sua coordenação pedagógica”.

Também disse que não havia prejuízo às atividades dele no Ministério Público de São Paulo, porque o atual procurador-geral de Justiça, Mário Sarrubbo, seu sucessor, atestou que o trabalho de Smanio na universidade não era prejudicial à sua atividade como procurador.

Na mesma sessão, o CNMP também decidiu que havia justa causa para abrir um procedimento disciplinar contra os procuradores que entraram com processo contra a ida de Smanio para o Mackenzie, porque eles haviam levantado questionamentos em suas manifestações sobre decisões de dois conselheiros —em sua defesa, eles argumentam que não houve desrespeito nem tentativa de lançar suspeitas.

Ao virar diretor de uma faculdade privada, o ex-procurador-geral de Justiça seguiu um caminho diferente de seus antecessores ao deixarem o cargo: tradicionalmente, eles ingressavam em uma secretaria do Governo de São Paulo.

A defesa dos procuradores de Justiça e do procurador aposentado que entraram com pedido de providências contra Smanio foi procurada, mas não quis se manifestar.

A Universidade Presbiteriana Mackenzie foi questionada sobre carga horária, atribuições e salário de Smanio, mas não se manifestou. Em nota, Smanio disse que desenvolve atividades “estritamente acadêmicas (aulas, coordenação pedagógica e pesquisa), nos termos do que estabelece a Resolução 73/2011 do CNMP, em horário distinto de sua atuação no Ministério Público e compatível com ela”.

Especialistas consultados pela Folha sobre a contratação de procuradores como diretores divergem.

Almino Fernandes, ex-conselheiro, diz “dentre as atribuições do Ministério Público insere-se a de fiscalização às instituições de ensino” e “é incompatível o exercício simultâneo das atividades de fiscal e fiscalizado”.

Já Carlos Roberto Marques, professor de Direito Administrativo da Universidade Candido Mendes, diz que “o fato de ser chamado diretor por si só não exclui a possibilidade de um membro do Ministério Público ocupar [uma diretoria] se as atribuições correspondentes a esse cargo de diretor forem estritamente acadêmicas”.

O professor Luiz Magno Pinto Bastos Jr., membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), acha que essa é “uma situação limítrofe” e que o CNMP tem feito distinção sobre o que é um cargo administrativo ou não quando observa se a pessoa ordena despesas.

“No fundo, o que fizeram para distinguir e para caracterizar a exceção é essa distinção, que não é tanto do nomen iuris (denominação legal), mas da função de gestão administrativa da faculdade, no sentido de ordenar, contratar e executar atos de gestão administrativa e de decidir a gestão organizacional da instituição”, diz ele.

Procurado sobre o assunto, o CNMP diz em nota que tem “farta jurisprudência” que “entende que a vedação à acumulação de funções de membro do MP e de direção de faculdade se restringe à ordenação de despesas e/ou atividades similares a de natureza de gestão empresarial”. Esse, diz o órgão, não seria o caso do ex-procurador-geral de Justiça de SP.

“Há várias situações de acumulação lícita de direção de faculdade ou de pro-reitoria por promotores e magistrados, já apreciados pelo CNMP, CNJ e TCU [Tribunal de Contas da União]”.

José Marques/Folhapress
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