Foto: Gabriela Biló/Estadão
No endereço informado pelas empresas funciona um hotel na cidade de Luziânia, em Goiás 29 de julho de 2021 | 17:15

Transação de R$ 1 mi liga dono da Precisa a suspeito de subornar políticos

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Uma transação financeira de Francisco Maximiano, dono da Precisa Medicamentos – empresa contratada pelo governo de Jair Bolsonaro para fornecer a vacina indiana Covaxin – o vincula a um empresário suspeito de distribuir propinas a políticos. Um relatório financeiro do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), em posse da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, no Senado, registrou como atípico o pagamento de quase R$ 1 milhão da 6M Participações, controlada por Maximiano, a uma empresa ligada ao empresário Helder Rodrigues Zebral, ex-dono da churrascaria Porcão e condenado por improbidade administrativa.

Criada em 2012, a 6M Participações é registrada junto à Receita Federal como uma controladora de instituições não-financeiras. O capital social informado pela empresa ao Fisco foi de R$ 500. O relatório do Coaf, porém, registra uma movimentação de R$ 66,5 milhões da empresa, entre 1º de setembro do ano passado e 28 de fevereiro deste ano.

“Despertou nossa atenção o fato de a empresa ter transacionado valores expressivos com contrapartes que, aparentemente, não possuem vínculo com sua atividade e que estão localizadas em região distante do local de atuação”, afirmou o Conselho no documento.

A 6M recebeu, em 6 meses, R$ 33,3 milhões em crédito – a maior parte vinda de outras empresas de Maximiano. Em débito, a 6M gastou R$ 33,2 milhões. Uma dessas transações foi um pagamento de R$ 994 mil à Fênix Cobrança e Assessoria Financeira, empresa criada no segundo semestre do ano passado pelo irmão de Helder Zebral e cujo capital social é de R$ 30 mil.

Em meio à pandemia da covid-19, Nilvan Rodrigues Zebral abriu três empresas financeiras. Em um intervalo de uma semana, ele abriu a Fênix Cobrança, a Resende Cobrança e Assessoria Financeira e a Invest Factoring Fomento Mercantil, todas com sede em Luziânia, interior de Goiás.

A Fênix Cobrança não foi a única empresa de Luziânia que fez negócios com Maximiano. A JP Cobrança e Assessoria Financeira, localizada na mesma rua da Fênix, também caiu nos registros da CPI da Covid por ter negociado, não com a 6M, mas com a Precisa Medicamentos.

A reportagem ligou para Nilvan Zebral e perguntou qual serviço a Fênix prestou para a 6M Participações. O irmão de Helder Zebral disse que o melhor seria falar com seus advogados e, em seguida, afirmou que sua mãe estava telefonando e desligou.

Quem respondeu à reportagem sobre o negócio entre a Fênix e Max foi Helder Zebral. Por telefone, o empresário declarou que o dono da Precisa foi à empresa de seu irmão pedir um empréstimo e que só esteve com ele uma única vez. Segundo Helder Zebral, o pagamento da 6M seria em devolução ao empréstimo. O ex-dono da churrascaria negou ter relação com vacinas, com o Ministério da Saúde e com Max.

“Não foi porque teve problema no ministério que vou matar o cara. Se os donos da empresa avaliarem que ele tem crédito e pode pagar, não tem problema”, comentou. “Ele deu garantia real, que é um apartamento em São Paulo. Se ele não paga, perde o apartamento. O cara é bom cliente”.

Embora tenha apresentado detalhes da transação e falado sobre os negócios da empresa na primeira pessoa, Helder diz estar fora das empresas do grupo. “Vi o Max uma vez na minha vida. Não temos nada a ver com a empresa dele. Ele estava precisando de dinheiro e fizemos uma operação de empréstimo”, declarou.

Empresas registradas no mesmo endereço de um hotel

A reportagem esteve em Luziânia na manhã de quarta-feira, 28, e não encontrou as sedes das empresas de Nilvan nem da JP Cobrança. A rua onde ficariam as sedes da Fênix e da JP Cobrança tem casebres e comércios pequenos.

A Invest Factoring e a Resende Cobrança informaram a mesma sede ao Fisco, e uma delas indicou, inclusive, uma sala comercial. Ambas as empresas são registradas no mesmo endereço de um hotel de Nilvan Zebral.

Um vizinho disse à reportagem que o quarteirão era “todo dele”. Em contato por telefone, por intermédio de um vizinho, Nilvan Zebral disse que não havia nenhuma empresa financeira instalada ali. “Só se alguém usou meu endereço”.

Tomada de empréstimo semelhante levou à cassação de governador

Uma suposta tomada de empréstimo semelhante foi citada na investigação que levou à cassação do ex-governador do Tocantins Marcelo Miranda (MDB), em 2018, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Segundo o Ministério Público Eleitoral, o empresário Douglas Marcelo Alencar Schimitt, que atuava na campanha do emedebista, “captou R$ 1.505.937,20 por meio de cheques emitidos pela empresa Geopetros Geovani Petroleo e endossados por uma Factoring pertencente aos filhos de Helder Zebral”.

A investigação registrou que o valor foi depositado em conta de um “laranja”, um estudante e estagiário de uma empresa informal do empresário que atuava na campanha de Marcelo Miranda. Do total, R$ 500 mil teriam sido “sacados em dinheiro e o restante foi depositado em outras contas-correntes”, segundo o Ministério Público Eleitoral.

Douglas Marcelo Alencar Schimitt alegou que o valor captado era um empréstimo. A investigação considerou a justificativa “inverossímil”.

Ex-dono da Churrascaria Porcão, em Brasília, Zebral teve algumas de suas ligações com políticos desnudadas no âmbito das investigações contra o bicheiro Carlinhos Cachoeira, na Operação Monte Carlo. Um grampo da Polícia Federal, de abril de 2011, flagrou o bicheiro dizendo que Zebral era sócio do então governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB) em um avião Cessna de R$ 4 milhões. Na época, Zebral e Perillo negaram a sociedade.

Helder Zebral foi condenado por improbidade administrativa em 2014, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e em julho deste ano pelo Tribunal de Justiça de Goiás. Em ambos os processos, a Justiça apontou que houve um direcionamento para que o Instituto de Tecnologia Aplicada à Informação (ITEAI), controlado pelo empresário, vencesse licitações para compra de material de informática em Encruzilhada do Sul (RS) e em Novo Gama (GO).

Ao condenar Helder Rodrigues Zebral, o desembargador federal do TRF-4, Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, afirmou que o ITEAI havia celebrado contratos com cerca de 220 municípios. Os acordos teriam sido fechados no começo dos anos 2000.

A investigação apontou fraude na contratação de um programa de informática para a educação (Programa Despertar) entre a Prefeitura do município e o ITEAI, mediante dispensa de licitação. De acordo com o processo de Encruzilhada do Sul, houve desvio de recursos públicos federais do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) na compra de “computadores obsoletos, com programas piratas e um único software, com preços superfaturados”.

O desembargador registrou que a investigação apreendeu na sede do ITEAI 3 cheques de um banco em Goiás, “emitidos alguns meses antes da assinatura do contrato e que possuíam como beneficiários a anotação ‘Encruzilhada do Sul/RS’”.

“Também chama a atenção no referido controle a emissão de um cheque do ITEAI no expressivo valor de R$ 600 mil em favor do requerido Helder, diretor-presidente do instituto”, afirmou o desembargador.

D’Azevedo Aurvalle apontou “fortes indícios” de que “vários dos cheques” foram sacados “diretamente por prefeitos ou assessores diretos de municípios que haviam contratado” o ITEAI.

“Os elementos de prova permitem inferir que o instituto iniciou um verdadeiro “aliciamento” de municípios com vistas à contratação do referido projeto, muitas vezes mediante propina aos administradores municipais, tanto que os contratos com as mais diversas prefeituras são absolutamente idênticos”, anotou.

Procurado, o advogado de Francisco Maximiano não se manifestou.

A reportagem também pediu explicações adicionais a advogados da família Zebral sobre o suposto empréstimo ter sido feito via empresa de cobrança, sobre as empresas não funcionarem nos locais informados e sobre o processo anterior de Helder Zebral no qual também é citada uma operação de crédito. Não houve retorno.

A reportagem ligou para uma das sócias da JP Cobrança e Assessoria Financeira na noite de quarta-feira, 28. Ela não respondeu aos questionamentos e desligou o telefone.

Estadão Conteúdo
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