Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado/Arquivo
Plenário do Senado 20 de setembro de 2021 | 17:15

Governo acumula derrotas no Senado e aliados cobram mais empenho na articulação política

brasil

As sucessivas derrotas do presidente Jair Bolsonaro no Senado Federal colocaram em xeque a articulação política do governo na Casa. Mesmo com Ciro Nogueira (Progressistas-PI), senador licenciado, no comando da Casa Civil, a relação do Palácio do Planalto com os parlamentares é alvo de críticas até mesmo entre governistas, que avaliam uma certa negligência de ministros no diálogo com os senadores.

Aliado de Bolsonaro, o líder do PSD, senador Nelsinho Trad (MS), evidenciou a insatisfação com a falta de organização da base governista. “O que precisa ser otimizado e organizado é a interlocução da base aliada, a começar pela Casa Civil e pela Secretaria de Governo”, declarou, em recado direto aos ministros Ciro Nogueira e Flávia Arruda (Secretaria de Governo), a dupla responsável no Planalto pelo diálogo com o Congresso. Os ministros foram procurados pela reportagem, mas não quiseram se manifestar sobre as críticas.

O senador do Mato Grosso do Sul afirmou que conversou com o ministro da Casa Civil sobre as dificuldades. “Eu já passei especificamente para Ciro Nogueira, que precisa ter um estreitamento dessa interlocução até para poder facilitar a tarefa de reorganizar a base aliada”, disse Trad. De acordo com o senador, o ministro reconheceu as falhas. “Ele (Ciro) concordou e disse que vai promover essa melhor interlocução.”

Apesar da reclamação, Nelsinho Trad adotou um tom otimista e disse esperar uma melhora no diálogo: “O Ciro é um excelente interlocutor. Sabe fazer as gestões junto às lideranças de partidos. É um senador que tem tudo para arrumar isso e vai arrumar, tenho convicção”.

Nos bastidores, governistas atribuem as dificuldades no Senado a um possível interesse eleitoral do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Eleito com apoio do Palácio do Planalto, o senador mineiro tem se aproximado do PSD de Gilberto Kassab, que o quer como candidato da chamada “terceira via” em 2022.

Uma das principais demonstrações da falta de base do governo no Senado é na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, onde o governo tem minoria de quatro senadores contra um grupo de sete, chamado de “G7”, que tem imposto derrotas ao Planalto. Na última delas, a CPI aprovou a convocação da advogada Ana Cristina Valle, ex-mulher de Bolsonaro, apontada como envolvida no esquema de venda vacinas.

Opositores consideram que um eventual depoimento de Ana Cristina na comissão tem um potencial explosivo para desgastar Bolsonaro e até reforçar acusações contra o presidente e a prática de “rachadinha” quando ainda era deputado. A convocação da segunda ex-mulher de Bolsonaro e mãe do filho “04”, Jair Renan, se deu durante a sessão em que o empresário Marconny Albernaz de Faria, apontado como lobista da Precisa Medicamentos, admitiu ser amigo do rapaz e conhecer a advogada.

Parte do grupo dos governistas na CPI, o senador Luiz Carlos Heinze (Progressistas-RS) revela o sentimento de impotência ao tentar defender Bolsonaro na comissão. “Não adianta espernear”, afirmou. “Como tem empenho da base se tem quatro votos e eles têm sete?”

Mas as derrotas não estão restritas à CPI. Nas últimas semanas, projetos de interesse do Planalto têm sofrido resistências e alguns, inclusive, foram vetados pelos senadores. Na Câmara, onde o presidente é o deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), aliado de Bolsonaro, a base governista conseguiu aprovar projetos como a medida provisória que flexibilizava direitos trabalhistas, a reforma no imposto de renda e o texto que abre caminho para a privatização dos Correios.

Já no Senado, a MP trabalhista foi rejeitada por ampla margem de votos, foram 47 contrários e 27 favoráveis. Além disso, os projetos de lei que abrem caminho para privatizar os Correios e reformar o imposto de renda enfrentam críticas dos senadores.

A falta de diálogo deixa os próprios aliados confusos sobre a intenção do governo em relação às propostas. Em uma discussão sobre a reforma tributária, o líder do PSD percebeu que sua bancada não sabia qual era a preferência do governo sobre o tema.

“A gente foi discutir dentro do PSD a reforma tributária e elementos do colegiado não sabiam qual era a reforma que era preferencial do governo”, relatou Trad.

O senador Otto Alencar (PSD-BA), presidente da Comissão de Assuntos Econômicos, onde tramitam os projetos dos Correios e da reforma do imposto de renda, ressaltou as dificuldades que os textos têm para avançar.

Sobre a reforma do IR, Otto afirmou que “é uma matéria muito sensível a todos os brasileiros, mexe com a vida de todos, empresas, modifica imposto de pessoa jurídica, física, contribuições, imposto sobre lucros e dividendos, altera muita coisa, mantém subsídios e retira outros”.

O presidente da CAE chama a atenção para o fato de a reforma retirar subsídios do setor farmacêutico: “Um deles (tópicos da reforma do IR) nos parece muito inapropriado agora, que é retirar os subsídios do setor farmacêutico em um momento que o Brasil todo está nas farmácias comprando medicamentos para até as sequelas da covid-19”.

A mudança no Imposto de Renda não tem relator definido e Otto, a quem cabe essa escolha, afirmou que não tem pressa para fazer a indicação. Em relação aos Correios, o político do PSD disse que escolheu o senador Márcio Bittar (MDB-AC) para ser o relator e que o emedebista vai organizar audiências públicas para debater o tema.

Sabatina de Mendonça

Em outra derrota para o governo, Pacheco determinou, na semana passada, a devolução da MP que dificultava a remoção de conteúdos na internet. A exemplo de Lira, Pacheco foi eleito para comandar o Senado com o apoio de Bolsonaro, mas o parlamentar mineiro tem procurado ficar distante do presidente da República. Nesta segunda-feira, 20, Bolsonaro enviou ao Congresso um novo projeto de lei com o mesmo teor da MP barrada por Pacheco.

Se soma a esse cenário negativo a demora recorde – de mais de dois meses – em votar a indicação de André Mendonça para a vaga que está aberta no Supremo Tribunal Federal.

Num movimento incomum e que expõe a crise na articulação política do governo, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), se recusa a colocar na pauta a indicação de Mendonça, que foi indicado por Bolsonaro no dia 13 de julho. Sem a sabatina e a votação na CCJ, o processo não anda.

Apesar da demora, o presidente do Senado disse que vai trabalhar para que a sabatina seja realizada. “Vamos ter toda a atenção para essa indicação do ministro André Mendonça e às outras indicações pendentes para fazer um esforço concentrado o mais breve possível”, afirmou, semana passada, em entrevista coletiva.

Estadão Conteúdo
Comentários