Foto: Dida Sampaio/Arquivo/Estadão
Plenário da Câmara 24 de outubro de 2021 | 12:00

76% acreditam que servidor chega à chefia por indicação política, diz Datafolha

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Para 76% dos brasileiros, todos ou a maioria dos cargos de chefia nos órgãos públicos são ocupados por indicação política. Para 79%, a minoria ou nenhum deles trabalha muito para resolver os problemas da população.

É o que mostra pesquisa Datafolha encomendada pelo Movimento Pessoas à Frente, que reúne representantes dos setores público e privado e é financiado por três organizações do terceiro setor: Instituto República.org, Fundação Lemann e Instituto Humanize.

Na pesquisa, foram ouvidas 2.072 pessoas, de 9 a 20 de julho. A margem de erro é de dois pontos percentuais.

Os resultados também apontam que, na avaliação da população, pessoas que ocupam cargos de chefia no serviço público, sejam elas concursadas ou não, deveriam passar por processo seletivo e ter seu desempenho avaliado com base nos resultados para a população.

Segundo o Datafolha, 84% dos brasileiros veem a avaliação regular de lideranças do setor público como muito importante.

O levantamento também mostra que 88% colocam a experiência na área de atuação como um dos três requisitos mais importantes para escolha de quem ocupará esses cargos de chefia. O processo seletivo baseado em competências foi citado por 79% dos entrevistados —cada pessoa poderia escolher três opções. “Ter valores morais em que eu acredite” aparece em terceiro lugar, com 72%.

Weber Sutti, diretor da Fundação Lemann e integrante do Movimento Pessoas à Frente, afirma não ser contra indicações políticas, mas cita exemplos de países que adotam processos de seleção abertos a toda a população e que resultam em listas fechadas para seleção por parte dos políticos.

Chile, Reino Unido e Cingapura, por exemplo, adotam modelos em que há informações públicas sobre todos os cargos de liderança no governo, quais as competências necessárias para ocupá-lo e as metas de resultado.

Para ele, a indicação meramente política é ruim quando não leva em conta as competências necessárias para ocupar aquela posição, independentemente de a pessoa ser de dentro ou de fora do serviço público.

“O que a gente é contra, porque não tem dado bons resultados no Brasil, é a arbitrariedade. No Brasil, se você quiser saber quem são as 22 mil pessoas nomeadas em cargos de confiança, você não sabe. Não há um portal onde tem quais são as vagas, o que elas deveriam fazer, quais os resultados que deveriam entregar para a população e quem são essas 22 mil pessoas.”

Processos seletivos e avaliação de desempenho de chefias no setor público são práticas adotadas em diversos países. Também estão presentes em alguns estados e municípios no Brasil, como Minas, Rio Grande do Sul, Sergipe e Ceará, mas ainda não são políticas disseminadas e consolidadas no país.

Sutti afirma que a avaliação de desempenho é um processo que precisa ser implantado de cima para baixo. Ou seja, começando pelos resultados daqueles que estão no comando e que, muitas vezes, não possuem as capacidades para exercer aquela função.

A pesquisa mostra, por exemplo, que 67% da população avalia que todos ou a maioria dos servidores enfrentam problemas com chefes despreparados. Para 55%, a minoria ou nenhum servidor é avaliado com base no que entrega para a sociedade.

“A gente sempre tentou fazer avaliação de desempenho. Alguns governos fazem, mas sempre começando pela base da pirâmide. A experiência internacional demonstra que é um equívoco”, afirma Sutti.

“Se você quer gerar resultado para a população, deveria cobrar mais da parte de cima da pirâmide. Se a liderança não é cobrada, há uma grande desmotivação do servidor que é cobrado.”

Joice Toyota, diretora executiva da organização Vetor Brasil e integrante do Movimento Pessoas à Frente, afirma que os resultados da pesquisa desmontam a tese de que a população não compreende a importância dessas pautas para a melhora do serviço público.

“É meio básico ter seleção profissional para cargos de liderança no governo. Foi legal olhar os números e ver que a população também acha isso importante. E isso pode ajudar a empurrar pautas no Executivo e também no Legislativo, para mudar a forma como a gente gerencia o setor público”, afirma a diretora.

Ao lembrar que o Movimento reúne também representantes de servidores, Joice afirma que não dá para avançar nas discussões sobre o tema sem o apoio e a experiência de quem presta serviços à população.

O Movimento apresentou propostas, durante a tramitação da MP 1.042/2021, que tratava da gestão de cargos em comissão e de funções de confiança no Executivo Federal e foi transformada na Lei 14.204.

O processo de seleção baseada em competências não seria obrigatório, mas a autoridade teria de explicar a decisão de não fazê-lo e publicar o currículo do escolhido.

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vetou a realização de processo de pré-seleção de candidatos para algumas dessas vagas, com a justificativa de que esse trecho da lei invadiria a competência do Executivo para tratar da questão.

Weber Sutti também defende a regulamentação da Emenda Constitucional de 1998 que trata da possibilidade de demissão de servidores com base na avaliação de desempenho. Diz também que a proposta de reforma administrativa do governo que está no Congresso não resolve os problemas cruciais para melhorar os serviços à população.

“Estamos discutindo coisas que não mudam a realidade do serviço público. O foco deveria estar na regulamentação estrutural e completa da gestão de desempenho e desenvolvimento de uma política de lideranças. Isso mudaria a realidade do serviço público.”

Eduardo Cucolo/Folhapress
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