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Adriano Assis, presidente da Associação do Ministério Público do Estado da Bahia (Ampeb) 24 de outubro de 2021 | 09:54

“Se o MP não está protegido com autonomia e independência, principalmente daqueles que controlam momentaneamente o poder, há um grande risco à liberdade das pessoas”

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O presidente da Associação do Ministério Público do Estado da Bahia (Ampeb), Adriano Assis, diz que a rejeição da PEC 05, também chamada de “PEC da Vingança”, garantiu o principio constitucional de autonomia e independência do Ministério Público.

O promotor de Justiça salientou ainda que a rejeição da PEC, que teve 297 votos – 11 a menos para que fosse aprovada no plenário da Câmara dos Deputados – protege também a democracia, uma vez que não permite que esteja nas mãos de atores políticos que vivem sob a égide da disputa partidária o controle de órgãos como a Corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público.

“Toda alteração que for feita não pode fugir desse propósito que foi trazido pelos constituintes: deixar o Ministério Público distante do controle político e distante da própria luta político-partidária, que é o que permite que os grupos se alternem”, salientou o promotor de Justiça.

Adriano Assis ressalta ainda que o CNMP não é “aparelhado” por membros da carreira. Ele diz que esse discurso sobre aparelhamento e também sobre falta de mecanismos de controle de procuradores e promotores é usado principalmente por quem deseja ver o Ministério Público sob interferência externa.

Leia abaixo a entrevista:

Com a rejeição da chamada PEC da Vingança na Câmara, a autonomia do MP está salvaguardada ou senhor ainda vê riscos?

Primeiro, eu acho que é preciso falar que não foi um processo legislativo que tratou essa questão com a devida transparência, possibilitando um verdadeiro e real debate. Nas oito versões do relatório, sempre houve disposições que, de forma inusitada, tentaram interferir no trabalho do Ministério Público, especialmente na autonomia funcional, autonomia institucional e na independência do promotores e procuradores. As propostas previam a inédita Corregedoria Nacional do Ministério Público, que funciona no âmbito do CNMP, indicada pelo Congresso Nacional. Não existe nenhum órgão, nenhuma instituição no Brasil, que tenha uma corregedoria indicada por uma instituição externa. Então nós tínhamos essa ameaça sobre o Ministério Público. Isso colocava em risco o trabalho dos promotores e promotoras porque o corregedor nacional é a figura que faz a parte disciplinar e é necessário que haja uma segurança jurídica de que não haverá nenhuma interferência externa num trabalho tão delicado.

O senhor acha então que a autonomia do MP, repetindo a primeira, está salvaguardada ou ainda enxerga riscos?

É importante que as pessoas saibam, antes de responder a essa pergunta, que a autonomia do trabalho dos promotores e promotoras foi dada na Constituição de 1988, pois viemos de um período de ditadura militar. O Ministério Público é aquele órgão que leva ao Judiciário os processos criminais para que seja julgado quem vai ser condenado, quem vai ser preso, quem vai ser privado do seu direito. Se uma instituição como essa, e foi o que pensou o constituinte de 1988, não está protegida com autonomia e independência, principalmente daqueles que controlam momentaneamente o poder, há um grande risco à liberdade das pessoas. É por isso que a Constituição de 88 nos deu autonomia e independência. Respondendo à primeira parte da sua pergunta, preservarmos a Constituição; a autonomia e a independência estão protegidas. Toda alteração que for feita não pode fugir desse propósito que foi trazido pelos constituintes: deixar o Ministério Público distante do controle político e distante da própria luta político-partidária, que é o que permite que os grupos se alternem.

O senhor esteve em Brasília e viu de perto essa proposta de PEC ser barrada. Como então o senhor enxerga os mecanismos de pressão sobre os poderes da República?

É bem natural que, numa questão como essa, várias motivações terminem contribuindo para o posicionamento das lideranças, dos formadores de opinião, mas sobretudo o que nós pudemos notar lá foi que muitos parlamentares se sensibilizaram em relação a isso por desconhecimento do impacto prático de algumas dessas previsões que estavam em algumas das versões da PEC. Quando nós demonstramos aos parlamentares o impacto que isso trazia lá no trabalho dos promotores, houve essa sensibilização e acho que isso possibilitou a rejeição da PEC 05. Houve a percepção de que ela não contribuiria para o aprimoramento institucional e talvez levasse a uma fragilização da instituição no momento em que nós vemos, pela própria polarização política, um questionamento do papel de todas as instituições.

Muitos atores políticos falam em abusos do MP e entendem haver necessidade de controle. O próprio relator, o deputado Paulo Magalhães, e também outros deputados defenderam isso. O senhor enxerga esse tipo de abuso do MP?

Com certeza há abusos e, para os abusos, há os remédios. É preciso deixar claro, primeiro, que há um controle rigoroso hoje de todo o trabalho dos promotores e promotoras. Esse acompanhamento é online e permanente. O que o promotor faz às oito horas da manhã, às oito horas e um segundo, via sistema, as corregedorias locais dos Ministérios Públicos de todo o Brasil já sabem se o promotor fez algo, se fez dentro do prazo, se fez da maneira correta. O controle da Corregedoria Nacional é também muito efetivo. Esse discurso de que não há controle não é verdadeiro e nós inclusive apresentamos números de que até em relação à Corregedoria do CNJ, a do CNMP tem números mais expressivos, embora a do CNJ também tenha uma atuação muito presente. Esses números foram levados aos parlamentares e acredito que tenham contribuído para a rejeição da PEC.

Nos debates sobre a PEC, o relator Paulo Magalhães citou algumas vezes que o MP não é um poder da República – outros deputados também citaram isso. O senhor entende que isso foi um recado da classe política pra domar procuradores e promotores?

Na engrenagem institucional moderna, você tem claro aqueles três poderes tradicionais, mas, dada a complexidade do Estado, essa divisão tripartite das funções essenciais do Executivo, do Legislativo e do Judiciário não esgota a necessidade de haver o desenvolvimento de outras funções que são essenciais para que o Estado moderno e democrático funcione. E o Ministério Público tem o seu papel nessa engrenagem institucional moderna, como garantidor da ordem democrática e defensor da Ordem Jurídica e, pra isso, a gente precisa de autonomia e de independência e isso não se faz gerando risco de interferência externa, especialmente de um poder que trabalha na esfera da política partidária.

Nacionalmente, é visto um cenário de polarização entre petismo e bolsonarismo. Ambos com críticas à atuação do MP. Qual grupo o senhor enxerga como mais nocivo à manutenção de um MP independente?

Não é suficiente para compreender esse momento histórico, ainda mais no Brasil, que é um país que tem desigualdades sociais, desigualdade de visão sobre o país, a gente tentar reduzir isso. O Brasil é muito mais do que isso e você percebe no trato com o Congresso Nacional, que é onde toda essa diversidade está representada. Há pessoas que pensam diferente dentro até desses grupos a que você se referiu, pessoas com visões também muito diferentes inclusive em relação ao próprio Ministério Público. É dentro dessa diversidade que nós temos que encontrar aqueles consensos mínimos que nos façam caminhar como país. Não é fulano ou beltrano que vai resolver isso, vai se resolver isso é dentro de toda essa diversidade, quando encontrarmos esses consensos mínimos que nos permitam caminhar pra frente. Tem que ter consenso sobre diminuição da desigualdade, aplicação da lei para todos, segurança jurídica, segurança urbana, direitos sociais.

Mas o senhor entende que tanto o CNJ quanto o CNMP foram aparelhados pelas respectivas categorias?

Primeiro há uma composição heterogênea. Há representantes das carreiras e você tem representantes externos, indicados pelo Senado – aí falando pelo CNMP – indicados pela Câmara, pelo Supremo, pelo CNJ, dois indicados pela OAB. Isso faz com que essa visão corporativa ou corporativista seja atenuada ou até mesmo combatida. Por outro lado, quando a pessoa, mesmo sendo do Ministério Público, ela é nomeada para o CNMP, ou no Judiciário é nomeada para o CNJ, elas passam por um processo de seleção e são investidas numa alta função constitucional e isso exige delas responsabilidades que vão mais além dessa visão que por ser da instituição, ela sempre vai defender os colegas ou ela sempre vai defender os pontos de vista que são favoráveis à magistratura ou ao Ministério Público. Não é assim que acontece: a lógica ou a prática não é esta. Essa visão é passada muitas vezes pra justificar um discurso de que tem que haver uma interferência externa e, isso sim, é perigoso; esse preço é que nós achamos que não vale a pena pagar, que não será bom pra nós, para a democracia.

Davi Lemos
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