Foto: Leah Millis/Reuters
Com olhos na eleição legislativa do ano que vem, oposição tenta colar no presidente democrata os efeitos da pandemia, em especial sobre a economia 26 de novembro de 2021 | 21:40

Republicanos culpam Biden por aumento de casos de covid-19 nos EUA

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Por mais de oito horas na quinta-feira, e mais algumas na manhã de sexta, o deputado republicano Kevin McCarthy falou sobre uma série de temas enquanto discursava no plenário da Câmara, em uma tentativa frustrada de atrapalhar a aprovação do pacote socioambiental de Joe Biden. Mas, entre suas mais audaciosas afirmações, estava a que colocava sobre o atual presidente a culpa do fracasso em colocar fim à pandemia.

McCarthy usou essa linha de ataque mesmo sabendo que integrantes de seu partido, o Republicano, passaram meses atacando as ordens para o uso de máscaras e bloqueando as iniciativas do governo federal para exigir a vacinação, e ciente de que a base de seu partido minou os esforços de imunização e está ao lado daqueles que recusam as doses. Unidades de terapia intensiva e necrotérios operam na capacidade máxima, na maioria por causa dos não vacinados, um grupo demográfico dominado por aqueles que, no ano passado, votaram em Donald Trump.

Em meados de setembro, 90% dos democratas adultos estavam vacinados, bem mais do que os 58% de republicanos. Mesmo assim, McCarthy, o líder republicano na Câmara, manteve sua narrativa:

“Eu avalio o presidente Biden por suas palavras; eu acreditei nele quando disse que controlaria a covid-19. Infelizmente, mais americanos morreram em 2021 do que no ano passado por causa da doença”, afirmou.

Diante do aumento de casos em algumas partes do país, os republicanos adotaram uma nova linha de ataque: o presidente não cumpriu uma promessa central de campanha, a de enfrentar melhor uma pandemia que seu antecessor menosprezou. Os democratas estão incrédulos, considerando que a estratégia se trata de mais uma tentativa de chamar a atenção com argumentos questionáveis.

O porta-voz da Casa Branca, Andrew Bates, respondeu de forma dura:

“Se a inflação e a covid-19 tivessem lobistas para ajudá-las a matar mais empregos nos EUA, Kevin McCarthy seria seu congressista favorito”, declarou. “Ele está ativamente minando a luta contra a covid-19, que está ajudando a elevar a inflação.”

Chris Taylor, porta-voz do Comitê de Campanha Democrata para o Congresso, chamou os deputados republicanos de “maiores promotores da covid-19”, de “dispensarem, de forma inconsequente, vacinas que podem salvar vidas”, e de promover a ivermectina, uma droga antiparasitária falsamente promovida como cura para a doença.

“Quando os republicanos abandonaram o povo americano no meio de uma crise global, os democratas ampliaram a distribuição das vacinas para esmagar a pandemia, reabriram escolas, pequenos negócios e entregaram um corte de impostos para a classe média.”

Partidarismo pandêmico

Mas estrategistas republicanos e analistas dizem que os democratas não deveriam ser tão rápidos na hora de rebater as críticas, mesmo quando muitas das mortes relacionadas à covid em 2021 ocorreram entre os que ignoraram os pedidos de Biden para se vacinar.

“O primeiro golpe de McCarthy contra Biden é um que fala sobre competência, a de que ele se vendeu para os eleitores como o cara que poderia fazer a diferença na luta contra a covid-19, mesmo quando muitos americanos estão morrendo”, disse Neil Newhouse, um analista de pesquisas republicano que consultou os eleitores sobre o tema. “A linha aqui é que os republicanos sempre estiveram mais preocupados com o impacto econômico da pandemia, e agora estamos vendo independentes e indecisos preocupados com outros temas, como cadeias de suprimentos, inflação, empregos, lojas fechadas e ter o necessário.”

Ele completou dizendo que “há um sentimento de que o governo Biden não está cumprindo suas promessas.

A onda de casos durante o feriado de Ação de Graças é a mais nova surpresa em uma pandemia que vai chegando ao seu segundo ano. A média móvel de 14 dias teve alta de quase 25%, com mais de 94 mil casos por dia, sendo que o Meio-Oeste é, mais uma vez, o foco das novas infecções.

Ao mesmo tempo, a eficácia das vacinas está sendo comprovada, de acordo com informações do Centro de Controle de Doenças e Prevenção (CDC). Pessoas não vacinadas têm até 5,8 vezes mais chances de se infectar do que os vacinados, e até 14 vezes mais chances de morrer.

E as linhas partidárias vistas nos índices de infecções e vacinações pouco mudaram. Os condados mais republicanos têm 2,78 vezes mais casos do que os mais democratas, uma leve queda em relação a mês passado, de acordo com o especialista em saúde ligado ao Partido Democrata Charles Gaba, usando dados da Universidade Johns Hopkins. A taxa de mortalidade também é quase seis vezes maior nas áreas de maioria republicana.

Ainda não está claro se a sequência da pandemia ou se as medidas para forçar a vacinação, adotadas para vencer a covid-19, estão provocando a queda nos índices de aprovação do presidente. A empresa de Newhouse, a Public Opinion Strategies, afirma que os números relacionados à forma como as pessoas veem a atuação do governo na pandemia está em torno de 51%, queda considerável em relação aos 69% vistos em abril, mas relativamente estáveis em relação a agosto, quando o índice era de 53%.

Mas nos subúrbios, onde a eleição de 2020 foi vencida, a aprovação do presidente despencou desde agosto, de 51% para 45%. Entre os homens brancos, a queda é ainda mais acentuada, de 58% em abril para 32% em outubro.

Enquanto isso, políticos republicanos seguem tentando barrar as medidas de obrigatoriedade de vacinação nas esferas local, estadual e federal. Em setembro, uma proposta do senador Roger Marshall, um obstetra, barrando o repasse de verbas federais para fazer cumprir a ordem presidencial exigindo a vacinação em empresas com mais de 100 funcionários não passou por um voto — todos os 50 republicanos na Casa a apoiaram.

Naquele mesmo mês, senadores republicanos apresentaram um outro projeto, agora para proibir que agências federais exigissem provas de vacinação. Marshall e outros 10 senadores escreveram uma carta, em novembro, para o líder da maioria, Chuck Schumer, afirmando que irão “se opor a todos os esforços para implementar” a obrigatoriedade da vacinação, usando para isso “todas as ferramentas à disposição, incluindo os votos em medidas de autorização de gastos”.

Enquanto atacava Biden por não parar o vírus, McCarthy ainda o criticou por pedir que as pessoas se vacinassem, incluindo os profissionais da saúde. Biden, disse o deputado, “demitiu trabalhadores que estavam trabalhando porque eles não quiseram cumprir suas medidas relacionadas à vacinação. Eram as mesmas pessoas consideradas heróicas um ano antes”.

Economia e covid-19

Além da ciência, o discurso carrega tons políticos: estrategistas republicanos acreditam que os índices de aprovação de Biden na economia, chave para os planos de seu partido nas eleições legislativas do ano que vem, não poderão melhorar até que os eleitores estejam satisfeitos com sua performance na pandemia.

David Winston, um analista republicano que assessora a liderança do partido na Câmara, afirmou que Biden está repetindo um erro cometido pelo ex-presidente Barack Obama (2009-2017) no começo de seu primeiro mandato, quando interpretou que sua eleição em 2008 foi um salvo conduto para avançar na proposta de um sistema de saúde universal quando, na verdade, era um sinal para que arrumasse a economia depois da recessão.

No caso de Biden, sua busca incessante por políticas ambiciosas relacionadas ao bem-estar social e às mudanças climáticas pode soar, para muitos eleitores, uma mudança em relação à sua maior preocupação: colocar fim à pandemia para que a vida econômica volte ao normal.

Na última eleição, Winston disse que “a economia é o principal tema, mas você não pode cuidar da economia até que resolva a covid-19. As pessoas confiaram nos republicanos para a economia, mas em Biden sobre a covid-19”.

Integrantes do governo dizem que o presidente fez um progresso significativo em direção ao fim da pandemia. Eles lembram que, em novembro do ano passado, 250 milhões de adultos ainda não estavam vacinados, e que, agora, são 50 milhões sem imunização. Nos primeiros dias do mandato, o governo lutava para conseguir vacinas para todos que as quisessem. Agora, há doses suficientes para todos os adultos e crianças, além das doses de reforço.

Além disso, o maior empregador dos EUA, o governo federal, já adotou a obrigatoriedade de vacinação em seus quadros, sem maiores problemas.

Estadão
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