Foto: Alan Santos/PR/Arquivo
Economia tem ameaça de queda no ano eleitoral, em cenário de juros mais altos e incertezas fiscais 24 de novembro de 2021 | 20:11

Risco de recessão com inflação persistente é obstáculo para Bolsonaro em 2022, dizem analistas

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O risco de recessão econômica em 2022, acompanhada por inflação persistente, surge como um dos principais obstáculos para o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na corrida eleitoral do próximo ano, avaliam analistas.

Segundo eles, períodos de crise, como o que se desenha para o ano que vem, dificultam as pretensões de governantes que buscam permanecer no poder ou que tentam construir sucessores —e não só no Brasil.

“É claro que o eleitor não decide seu voto exclusivamente pela economia, mas essa talvez seja a área em que ele consiga estabelecer, com mais facilidade, relações de causa e efeito com o governo federal”, afirma o pesquisador Jairo Nicolau, do centro de pesquisas CPDOC, da FGV (Fundação Getulio Vargas).

“É mais difícil para o eleitor responsabilizar o governo federal se o trânsito está ruim no Rio de Janeiro, por exemplo. Então, nesse sentido, a crise econômica é um obstáculo para o atual presidente.”

O cientista político Creomar de Souza, da Consultoria Dharma, vai na mesma linha. “A degradação do ambiente econômico é um grande desafio ao presidente Bolsonaro”, diz.

“O risco de que a eleição tenha um recorte mais econômico do que ideológico é a maior ameaça a um governo que se especializou em fazer campanha durante seu mandato”, completa.

Às vésperas de 2022, o Brasil ainda amarga os prejuízos gerados pela crise da Covid-19, que elevou o desemprego, diminuiu a renda de parte da população e turbinou a inflação.

Ao longo da pandemia, cadeias produtivas foram desarticuladas, o que restringiu a oferta de bens e serviços, aumentando os preços de insumos diversos no mercado internacional.

A escalada inflacionária no Brasil teve ingredientes adicionais. Entre eles, estão a alta do dólar em meio a tensões políticas, o que elevou os custos de produtos como os combustíveis, e a crise hídrica, responsável por encarecer as contas de luz.

O cenário de dificuldades para 2022 ganhou novos capítulos nas últimas semanas com as incertezas fiscais.

As dúvidas com o rumo das contas públicas cresceram após o governo federal colocar em xeque o teto de gastos para pagar o Auxílio Brasil, o substituto do Bolsa Família.

Diante desse cenário, projeções de analistas para o PIB (Produto Interno Bruto) passaram a encolher, e a hipótese de recessão no próximo ano —ou seja, queda da atividade econômica— ficou mais forte.

“O cenário é muito ruim para a economia em 2022”, define o diretor da Asa Investments, Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro Nacional.

“Esse quadro econômico seria desfavorável à reeleição de qualquer um”, completa.

A Asa projeta PIB estagnado (0%) em 2022, mas não descarta eventuais mudanças para baixo ou para cima, segundo Kawall.

De acordo com a instituição financeira, a economia brasileira deve amargar uma recessão técnica no primeiro semestre de 2022. Juros mais altos, inflação ainda pressionada e incertezas da corrida eleitoral sustentam a projeção.

Recessão técnica é o termo usado por economistas para descrever dois trimestres consecutivos de queda do PIB.

Segundo Kawall, a piora das condições macroeconômicas e os riscos fiscais também colocam em xeque, no próximo ano, a incipiente melhora do mercado de trabalho.

“A crise afetou muito o emprego menos qualificado, de baixa renda. Vamos ter um ano bastante difícil para o mercado de trabalho, do ponto de vista econômico e social.”

O Itaú Unibanco e o Credit Suisse estão na lista de instituições financeiras que projetam recessão para o ano de 2022. Os dois bancos passaram a prever contração de 0,5% no período.

A mediana do boletim Focus, do BC (Banco Central), que traz as projeções de analistas do mercado financeiro, ainda indica avanço de 0,7%, mas vem recuando nas últimas semanas. Ao final de janeiro de 2021, por exemplo, a alta prevista para 2022 era de 2,5%.

Para complicar, o mercado vê uma inflação mais forte do que a esperada inicialmente para o ano eleitoral. Pelo boletim Focus, a mediana para o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) subiu a 4,96%. A marca está bem próxima do teto da meta de inflação em 2022, de 5%.

“O cenário para o ano que vem está bastante complicado. Tem vários níveis de incertezas. A gente não está conseguindo aproveitar a oportunidade de crescimento na saída da pandemia”, analisa o economista-chefe da consultoria MB Associados, Sergio Vale.

A MB projeta estagnação do PIB (0%) em 2022 no cenário-base. Mas, diante das dificuldades, não descarta um resultado ainda pior, aponta Vale.

Segundo ele, a economia fragilizada em ano eleitoral joga contra Bolsonaro na disputa pela Presidência.

“Em 2022, ainda estaremos vendo resquícios da pandemia sobre a atividade econômica. O governo federal até conseguiu fazer a reforma da Previdência no primeiro ano de mandato [2019], mas a pandemia trouxe dificuldades a partir de 2020. O governo não soube responder”, analisa Vale.

Por causa dos riscos que assombram o país, a gestora de investimentos Rio Bravo passou a prever recessão para o PIB brasileiro de 2022.

A retração projetada é de 0,2%, diz o economista da instituição João Leal. Antes, a Rio Bravo estimava alta de 0,5%.

Leal sublinha que, historicamente, as incertezas relacionadas às eleições costumam empurrar a taxa de câmbio para cima, o que pressiona a inflação.

Para conter os preços, o BC é forçado a levar a taxa básica de juros, a Selic, a um nível mais alto. Atualmente, a taxa está em 7,75% ao ano.

Em 2022, a perspectiva é de Selic em 11,75%, projeta a Rio Bravo. A Asa enxerga uma taxa ainda maior, de 13%.

O avanço da Selic, lembra Leal, desafia o consumo das famílias e os investimentos das empresas, freando a economia. As incertezas políticas e os juros mais altos ajudam a explicar a projeção de recessão em 2022, aponta o analista.

“O cenário para 2022 é muito complicado. Temos vários pontos de incertezas. Isso não impacta só o mercado financeiro. Também afeta a economia real.”

Pela série histórica do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) iniciada em 1996, o PIB teve quatro anos de queda. A economia recuou em 2009 (-0,1%), 2015 (-3,5%), 2016 (-3,3%) e 2020 (-4,1%). em nenhum deles houve eleições presidenciais.

Leonardo Vieceli / Folha de São Paulo
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