Foto: Caitlin Ochs/Reuters
Em meio à escassez de funcionários, companhias nos EUA avaliam orientações conflitantes 26 de dezembro de 2021 | 16:07

Tempo de isolamento de empregados com Covid é a nova dor de cabeça de patrões

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Os quatro restaurantes de Barbara Sibley em Nova York já tinham passado pela onda inicial de Covid-19 na cidade, o surto pré-vacinação no último inverno e o pico da variante delta no verão, quando de repente aconteceu: temendo um grande surto e enfrentando problemas de mão de obra depois que um de seus funcionários ficou doente de Covid-19, ela fechou temporariamente uma de suas casas.

Esse foi só o começo das preocupações de Sibley. Ela também teve de avaliar por quanto tempo o funcionário, que estava totalmente vacinado, deveria se isolar antes de retornar ao trabalho. E as mensagens dos especialistas em saúde pública não eram totalmente claras.

Nos primeiros dias da pandemia, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC na sigla em inglês) recomendou que a maioria das pessoas que testaram positivo para o coronavírus se isolassem durante 14 dias. Mais tarde, reduziu a recomendação de isolamento para dez dias.

Mas essas políticas se baseavam em dados de indivíduos não vacinados e foram implementadas antes da ampla disponibilidade de testes rápidos. Um número cada vez maior de profissionais de saúde e de políticas públicas hoje sugerem que as pessoas vacinadas podem encerrar o isolamento depois de cinco a sete dias, desde que não apresentem sintomas e tenham resultado negativo no teste.

Na quinta-feira (23), o CDC reduziu, em algumas circunstâncias, o número de dias recomendados de isolamento para os trabalhadores de saúde que testaram positivo, mas não abordou outras profissões.

“Cada especialista vem pedindo períodos de isolamento mais curtos, por isso é uma boa medida, mas é falta de visão não aplicar isso de modo geral: escolas, faculdades, esportes, teatros da Broadway, restaurantes, companhias aéreas”, disse Joseph Allen, professor-associado na Escola de Saúde Pública T.H. Chan na Universidade Harvard. “Todos estão enfrentando esse mesmo problema de ter de isolar as pessoas por períodos prolongados sem a opção de ‘testar para retornar’.”

O CDC disse na quinta que “continua avaliando as recomendações de isolamento e quarentena para a população em geral”, enquanto se informa sobre a variante ômicron do coronavírus, e que “irá informar o público conforme necessário”.

Em Nova York, a governadora Kathy Hochul disse na sexta que trabalhadores críticos totalmente vacinados poderão voltar cinco dias depois de testar positivo, desde que não tenham sintomas ou seus sintomas estejam melhorando, e não tenham febre durante 72 horas. Esses trabalhadores também precisarão usar máscaras, disse ela.

A ômicron intensificou a falta de trabalhadores em todos os setores, e o aumento de casos atrapalhou as viagens nos feriados de Natal, prejudicando milhares de clientes e salientando o preço econômico do isolamento dos empregados. Alguns economistas já estão avisando sobre o potencial efeito que os fechamentos podem ter sobre os gastos do consumidor.

Com o entendimento científico do coronavírus avançando mais rapidamente que as diretrizes de saúde pública, e com muito ainda a aprender sobre a variante ômicron, algumas empresas se sentem obrigadas a atuar como especialistas em saúde pública.

“Se eu fosse um empregador, não sairia das recomendações do CDC”, disse a doutora Megan Ranney, médica de emergência e reitora-adjunta na Escola de Saúde Pública da Universidade Brown. “Por isso precisamos que o CDC atualize suas recomendações, caso eles achem que a ciência as apoia.”

A exigência de períodos maiores de isolamento também poderá criar empecilhos para que as pessoas sejam testadas, segundo o doutor Ashish Jha, reitor da Escola de Saúde Pública de Brown. “Vai ter muita gente que, se tiver sintomas brandos, não vai se testar ou relatar, porque é realmente sério ficar parado por dez dias”, disse ele.

Em indústrias onde os empregados podem trabalhar remotamente, como a de tecnologia, as companhias parecem sentir pouca necessidade de agir mais depressa que o CDC. Mesmo empresas que precisam de grande número de trabalhadores no local, como Target, Kroger e DoorDash, dizem que continuam seguindo as recomendações da agência.

A Liga Nacional de Futebol (NFL) hoje permite que jogadores vacinados que testarem positivo voltem no dia seguinte, desde que testem duas vezes negativo. Ela também eliminou os testes semanais para jogadores vacinados que não apresentam sintomas, com seu diretor médico dizendo que a pandemia alcançou uma fase em que não é necessário que os jogadores vacinados não atuem, se estiverem se sentindo saudáveis.

Os pedidos para reduzir o período de isolamento poderão aumentar se as infecções aumentarem durante os feriados, como se espera. Os shows na Broadway já cancelaram apresentações durante o Natal. A clínica de cuidados urgentes CityMD, de propriedade privada, fechou temporariamente 19 locais em Nova York e Nova Jersey por falta de pessoal. Pelo menos uma dúzia de restaurantes em Nova York fecharam temporariamente por causa de testes positivos.

“Acho que muitas companhias estão prevendo grande disrupção no mês que vem e tentando implantar políticas já, porque sabem que grande número de seus empregados vão ser infectados”, disse Jha.

Os EUA poderão se orientar por mudanças de políticas no exterior. O Reino Unido disse na quarta-feira (22) que iria reduzir de dez para sete dias o período de isolamento de pessoas que apresentarem sintomas de Covid.

Depois que o governo britânico levantou quase todas as restrições da pandemia em julho, centenas de milhares de trabalhadores foram localizados pelo app de rastreamento do Serviço Nacional de Saúde e receberam ordem de se isolar porque tinham sido expostos ao coronavírus. As empresas se queixaram de falta de pessoal, e economistas disseram que esse rastreamento pode ter reduzido o crescimento econômico em julho.

Nos Estados Unidos, novas ferramentas para ajudar a administrar a pandemia estão a caminho.

A Agência de Alimentos e Drogas (FDA na sigla em inglês) autorizou esta semana dois medicamentos para tratar a Covid-19, dos laboratórios Pfizer e Merck. Esses tratamentos tiveram a capacidade comprovada de afastar a doença grave e o potencial de reduzir a transmissão do vírus, mas o suprimento das duas pílulas, especialmente a da Pfizer, será limitado nos próximos meses.

O presidente Joe Biden disse na terça-feira (21) que pretendia invocar a Lei de Produção de Defesa para comprar e distribuir 500 milhões de testes rápidos de antígeno, um instrumento crucial para detectar a transmissibilidade, embora esses testes não estejam disponíveis durante semanas ou mais.

Se a combinação das pílulas antivirais com os testes rápidos conseguir levar as pessoas de volta ao trabalho mais depressa, “é uma grande vantagem econômica”, disse o doutor Eric Topol, professor de medicina molecular na Scripps Research.

Mas alguns empregadores continuam agindo com cautela. Molly Moon Neitzel, dona de uma empresa de sorvete em Seattle, com pouco mais de cem funcionários, disse que adotou as diretrizes conservadoras de isolamento.

“Sou a favor de proteger as pessoas, em vez de fazê-las voltar a trabalhar já”, disse, acrescentando que se fosse verão e sua empresa estivesse mais atarefada poderia considerar um período de isolamento menor. “É o momento mais lento do ano para uma companhia de sorvete, por isso está a meu favor.”

Alguns especialistas em saúde pública temem que se o CDC encurtar suas diretrizes de isolamento os patrões pressionem os trabalhadores a voltar antes que estejam totalmente recuperados.

“O que eu não quero é que isso seja usado como desculpa para forçar as pessoas a voltar mesmo que não estejam bem”, disse Ranney, de Brown.

Mesmo com orientações mais claras, implementar as políticas pode ser delicado. Enquanto alguns especialistas sugerem regras de isolamento diferentes para empregados vacinados e não vacinados, algumas empresas ainda não têm um sistema para rastrear quais trabalhadores receberam a vacina. A questão de se o CDC vai modificar sua definição de totalmente vacinados para incluir as doses de reforço acrescenta uma camada de complexidade.

Não são apenas os empregados doentes que podem ter de continuar em casa: as companhias também estão discutindo se trabalhadores vacinados devem fazer quarentena caso tenham contato com alguém com Covid, o que as diretrizes do CDC não exigem.

Lauren Hirsch e Emma Goldberg / Folha de São Paulo
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