Foto: Davi Lemos / Política Livre
Juíza auxiliar da Vice-Presidência do TST, Roberta Ferme Sivolella 16 de maio de 2022 | 08:28

Qualquer mudança na reforma trabalhista tem que ser precedida de diálogo, diz juíza do Trabalho

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A juíza auxiliar da Vice-presidência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Roberta Ferme Sivolella defende que seja feita uma análise econômica e social do direito, com a verificação dos impactos econômicos e sociais das decisões judiciais. A magistrada participou na sexta-feira (13) do painel “Justiça e Economia”, do XXIV Congresso Brasileiro da Magistratura, realizado no Centro de Convenções de Salvador.

Doutora em Direito (Uerj) e mestre em Direitos Sociais (Universidad de Castilla-La Mancha), Ferme ressalta a necessidade de diálogo interseccional para verificação desses impactos e preservação do “núcleo duro” da Constituição, além da democratização do direito. A juíza do trabalho também avalia que a pandemia exacerbou as vulnerabilidades nas relações de trabalho.

Isso, destaca, forçou o Judiciário a decidir em situações em que direitos fundamentais estavam contrapostos, como à saúde e ao emprego. A juíza também comentou sobre as propostas que surgem em período pré-eleitoral quanto à aprovação da Reforma Trabalhista. Ela considera impossível retorno a um cenário anterior à reforma, mas diz que somente com diálogo será possível chegar a uma solução satisfatória.

Confira principais trechos da entrevista:

Hoje se falou sobre a conciliação das decisões judiciais com o cuidado com a economia, uma vez que estas decisões podem causar grandes impactos econômicos, positiva ou negativamente. Então como conciliar a aplicação da Justiça com a manutenção do bem econômico e da justiça social?

Durante o Congresso, tivemos um pouco dessa resposta em cada uma das palestras, e eu acabei até de sintetizar essa questão aqui [durante a fala no painel Justiça e Economia]. Falou-se também nas palestras do ministro (Luiz) Fux e do ministro (Luis) Barroso em um diálogo do Poder Judiciário com todos os setores da sociedade para se obter uma real aferição de quais seriam esses impactos, dentro de uma perspectiva de análise econômica do Direito. Eu defendo que se faça uma análise econômica e social do direito, quer dizer: verificação dos impactos econômicos com esse diálogo interseccional, mas, ao mesmo tempo, preservando o núcleo duro da Constituição dentro da nossa democracia, da democratização do direito, para que se tenha um equilíbrio dentro dessa aplicação pelo Poder Judiciário.

Em um artigo escrito em 2020, o “Paradoxo do Novo Normal”, a senhora apontou que mazelas antes escondidas foram expostas durante a pandemia. Como observa o impacto também nesse contexto de cuidado, até mesmo na área do Direito do Trabalho, quando foram expostas as desigualdades de pessoas que permaneceram no conforto do “home office” enquanto outras perderam empregos? 

Esse artigo foi escrito em 2020, no auge da pandemia, mas vemos os efeitos até hoje, principalmente na área do Direito do Trabalho, onde a gente tem uma vulnerabilidade latente na relação de emprego. Durante a pandemia houve uma exacerbação dessas vulnerabilidades que se tornaram maiores, talvez até com um abismo maior dessa desigualdade, dentro do que a pandemia nos trouxe. O Judiciário se viu diante de um dilema muito grande em vários casos porque eram direitos fundamentais contrapostos em quase todas ações que pegamos durante a pandemia, o que o ministro Barroso definiu como casos de difícil solução porque, em qualquer solução que se dê, vai ter pelo menos que minimizar uma dessas questões fundamentais. Tínhamos o direito à saúde, a preservação do emprego, por exemplo, com a preservação da própria empresa – com empresas também quebrando no meio disso tudo em um cenário econômico de crise, mas o trabalhador também sem esses postos de trabalho. Vivemos ainda hoje o reflexo disso e talvez por esse diálogo interseccional que mencionei, o Poder Judiciário possa encontrar soluções alternativas, como o que vem acontecendo com a desjudicialização e os métodos alternativos de resolução de conflitos.

A Justiça do Trabalho é comumente vista muito mais favorável ao trabalhador do que à empresa. Como se fez para encontrar esse equilíbrio durante a pandemia? A senhora entende como injusta essa crítica?

Considero essa crítica injusta. Ruy Barbosa fala da igualdade material, quando tratamos os iguais como iguais e os desiguais como desiguais. Dentro de uma relação que é desigual por natureza, a legislação criou alguns mecanismos para tentar diminuir essa desigualdade em algum ponto e tentar fazer com que as partes fiquem no mesmo patamar dentro da relação material e dentro da relação processual. Parece-me que o olhar que se tem hoje em dia, até por conta dessas ferramentas não só da análise econômica mas as de Direito Digital e do compartilhamento de dados, é muito mais voltada para a repercussão social da decisão. Hoje em dia, também se analisam os impactos de uma decisão para a saúde da empresa, por exemplo, e isso é importante verificar, pois se acabam os empregos, prejudicamos, por via transversa, a parte mais vulnerável da relação.

Estamos em período pré-eleitoral e vemos, nos polos que são antagônicos nessa disputa, um que critica a reforma trabalhista e outro que quer avançar na flexibilização. Pois há um argumento que, havendo a flexibilização, haverá maior possibilidade de trabalho e que, retornando, mantêm-se direitos, mas perdem-se postos de trabalho. Como a senhora vê essas discussões sobre um retorno a um cenário anterior ou um avanço dessas reformas?

O retorno ao cenário anterior vejo como impossível porque a situação nossa não é mais igual à anterior, até por conta da pandemia. Me parece que qualquer coisa que seja feita – não sei te dizer um panorama que seja melhor ou pior – terá que ser precedida de um diálogo com a sociedade e com todos os setores que trabalham com isso, com a oitiva, por exemplo, do Poder Judiciário ou da comissão que estiver à frente dessa questão, seja para manter a legislação ou para alterar, e de outros setores da sociedade também. Me parece que aí vai se conseguir chegar em algum resultado satisfatório. Se isso for feito sem esse diálogo, não vejo como, em qualquer uma das duas soluções, conseguirmos atingir exatamente o que se quer, essa harmonia dos direitos sociais com o panorama econômico favorável para todo mundo.

Davi Lemos
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