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Antônio Menezes Filho vê com "preocupação" os embates entre o presidente da República e a Suprema Corte 08 de maio de 2022 | 09:24

Quando um Poder afronta ou desrespeita o outro, enfraquece as instituições e a democracia, diz novo presidente do IAB

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O novo presidente do Instituto de Advogados da Bahia (IAB-BA), Antônio Menezes Filho, avalia como “inoportuno e afrontoso” o indulto do presidente Jair Bolsonaro (PL) que livrou o deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) da pena de oito anos e nove meses de prisão imposta pelo do Supremo Tribunal Federal (STF).

Em entrevista a este Política Livre, o advogado, também ouvidor da Ordem dos Advogados do Brasil na Bahia (OAB-BA) e vice-presidente para a Região Nordeste da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (ABRAT), diz que “o perdão objetivou beneficiar um correligionário político e a afrontar a decisão do Supremo, que, em última análise, terá a palavra sobre a constitucionalidade ou não do decreto presidencial”.

“Há, entretanto, um consenso entre significativa parte dos juristas de que os efeitos do indulto presidencial não afetariam o acórdão no ponto em que suprime os direitos políticos do indultado. A discussão cingir-se-á à condenação sancionatória da prisão e sobre a multa aplicada, também discutível”, avalia.

Menezes Filho conta ver com “preocupação” os últimos embates protagonizados entre o presidente da República e a Suprema Corte.

Confira a entrevista na íntegra:

Política Livre: O senhor, como presidente do Instituto dos Advogados da Bahia, poderia falar qual o papel do IAB? O que diferencia o instituto da OAB?

Antônio Menezes Filho: O Instituto de Advogados da Bahia foi fundado em 15 de junho de 1897. Completará, portanto, no próximo dia 15 de junho, 125 anos, o que por si só, já evidencia a importância e a longevidade da instituição que promove a cultura jurídica e a cultura geral em nosso estado, aperfeiçoando o conhecimento do Direito entre advogados e acadêmicos, com edição de revistas, livros, seminários, promoção de debates permanentes sobre os assuntos jurídicos relevantes para a sociedade, evidenciando assim a distinção da OAB, que tem por escopo a seleção e fiscalização do exercício da advocacia, além de ser uma instituição da sociedade civil que dá sustentação ao Estado Democrático de Direito, defende a ética na política, examina a constitucionalidade das leis emanadas do Congresso Nacional e atos normativos dos Poderes Executivos, nas suas três esferas e do próprio Judiciário em todas as suas dimensões, dentre outras atribuições. O Instituto dos Advogados Brasileiros foi criado por Dom Pedro II, em 1843, e tinha como objetivo a criação da OAB, nos moldes franceses, o que só veio a acontecer na Segunda República, em 1930. Nasce por um decreto do presidente Getúlio Vargas. Uma curiosidade: o primeiro presidente do Instituto de Advogados Brasileiros foi um baiano, filho de mãe escrava e pai português, Francisco Jê Acaiaba de Montezuma, Visconde de Jequitinhonha [Francisco Gomes Brandão], formado pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. O IAB, em síntese, é uma espécie de pai da OAB e o seu presidente tem assento nas sessões do Conselho pleno da OAB, com direito a voz.

Como presidente de uma instituição que representa advogados, o que o senhor acha sobre o atendimento aos advogados nos tribunais? Nas últimas eleições da OAB-BA, por exemplo, as chapas de oposição à vencedora reclamavam de “desrespeito” a prerrogativas de advogados, alegavam que isso não havia melhorado nos últimos anos e, sim, piorado durante a pandemia.

As violações às prerrogativas das advogadas e dos advogados são violações ao Estado Democrático de Direito pois o advogado fala pelo cidadão que busca , no Judiciário, juntamente com as pessoas jurídicas e entes públicos e privados, a solução de conflitos jurídicos em todo o âmbito do convívio social e o Poder Judiciário tem por dever constitucional que dar uma resposta em tempo razoável. A prerrogativa dos advogados é um direito sagrado da cidadania, tanto que a nossa Constituição Federal, no seu artigo 133, dispõe que o advogado é indispensável à administração da Justiça, isto é, ele tem a responsabilidade em movimentar o Judiciário trazendo fatos e temas jurídicos que precisam de uma declaração de quem tem jurisdição para tanto no ordenamento jurídico, dele participa em nome da sociedade, acompanha o desenvolvimento dos processos, sem pertencer à sua estrutura organizacional. Toda a comunidade jurídica baiana sabe das dificuldades que é advogar hoje em dia e a pandemia agravou o quadro com sessões e audiências tele presenciais, que foram de grande utilidade na crise, mas se faz necessária uma retomada regular e plena dos serviços de atendimento a todos os interessados, sobretudo aos advogados e às advogadas, mandatários dos cidadãos. Procura-se obstar o acesso da advogada, do advogado, ao magistrado, o que é ilegal. O advogado precisa de condições para cumprir o princípio constitucional da celeridade e da duração razoável do processo, o que até hoje não se efetivou em nosso Estado. O Judiciário tem um grande déficit de magistrados e servidores, embora tenha havido o ingresso de quase cem magistrados na gestão anterior do Tribunal de Justiça, número insuficiente em razão do histórico de comarcas há anos sem juízes e do grande acervo das Varas e Juizados em todo o estado da Bahia, o que eleva e muito a sensação de impunidade e ineficiência do órgão responsável por solucionar os conflitos de interesses em nosso estado. Reconhecemos que há um grande esforço dos dirigentes atuais – e outros no passado – para a melhoria dos serviços no contencioso e nos cartórios extrajudiciais, mas os problemas do Judiciário são também os problemas dos demais poderes do Estado que devem se empenhar para a viabilização de novos concursos, criando e suprindo cargos e alocando verbas, apesar da carência geral. O tema das prerrogativas está sempre presente nas eleições da OAB, entidade de que fui dirigente por quase uma década nas gestões dos professores Thomas Bacellar e Saul Quadros Filho, e mesmo antes, quando era um jovem advogado. A crise funcional do Judiciário tem se agravado com o número crescente de demandas. Assim é que, procuraremos a Mesa Diretora do Tribunal de Justiça, o presidente da Assembleia Legislativa e o chefe do Executivo estadual para darmos a nossa contribuição com propostas e sugestões para a melhoria dos serviços forenses, respaldadas na experiência de quatro décadas vivenciando a advocacia.

Como o senhor, como presidente do IAB, avalia o embate protagonizado entre o presidente Jair Bolsonaro e o Supremo Tribunal Federal?

Vejo com preocupação as manifestações do chefe do Executivo federal relativamente às decisões do STF ao afirmar que não as cumpriria, além de publicar decreto de indulto em benefício de um correligionário condenado, embora sequer o acórdão da Corte Suprema tenha sido publicado, nem transitada em julgado a condenação do deputado [Daniel Silveira] em questão. É da essência das democracias ocidentais a busca da harmonia e independência entre os Poderes, não cabendo a um poder afrontar o outro, nem desrespeitá-lo, posto que tal fato enfraquece as instituições republicanas perante a Nação. A nossa democracia é nova em termos da trajetória histórica, pontilhada de golpes e retrocessos, desde a origem do sistema republicano, que atrasaram o necessário vigor institucional repositório da paz e da prosperidade. O Brasil tem uma vasta extensão de terras, tem um povo laborioso e ávido pelo progresso humano que só será alcançado com harmonia, união, solidariedade. O presidente [Jair Bolsonaro], ao longo do seu mandato, vem tensionando as relações com o Poder Judiciário, notadamente com o STF e com o TSE, tentando colocar-se como órgão revisor das decisões daquele, quando há um interesse político seu, e com desconfiança das urnas eletrônicas que o sufragaram como presidente, em relação a este Tribunal Superior Eleitoral. O confronto gera uma crise artificial e ilógica que em nada contribui para a coexistência pacífica entre os Poderes da República. A história julgará os atos dos que não se amoldam à Constituição Federal de 1988, que consolidou há mais de três décadas a democracia no Brasil.

Nitidamente, o perdão objetivou beneficiar um correligionário político e a afrontar à decisão do Supremo Tribunal Federal, que, em última análise, terá a palavra sobre a constitucionalidade ou não do decreto presidencial. Há, entretanto, um consenso entre significativa parte dos juristas que, os efeitos do indulto presidencial não afetaria o acórdão no ponto em que suprime os direitos políticos do indultado. A discussão cingir-se-á à condenação sancionatória da prisão e sobre a multa aplicada, também discutível. O indulto no Brasil, historicamente, sempre teve um sentido de colaboração com a Justiça na sua política penal de beneficiar coletivamente um grupo de presos em condições de ser reinserido na sociedade, dentro de uma política forense de desafogar os abarrotados presídios brasileiros. O art.84, inciso XII, da Constituição Federal de 1988, só trata do indulto e comutação de penas. A graça é individual e encontra previsão no CPP de 1941 e na Lei de Execução Penal, de 1984, instrumentos jurídicos anteriores à atual ordem constitucional. Caberá ao STF analisar se tais instrumentos foram recepcionados pela nova ordem constitucional. No espaço desta entrevista cabe dizer que o decreto foi inoportuno e afrontoso ao Poder Judiciário do país.

Falando agora de política local, há um impasse entre o presidente da Câmara Municipal de Salvador, Geraldo Júnior, e os vereadores da base da Prefeitura, que pedem na Justiça o cancelamento da antecipação da eleição da presidência da Casa vencida por ele à unanimidade. Como o senhor aprecia essa situação? Há ou não inconstitucionalidade na eleição?

Difícil dizer se houve inconstitucionalidade na reeleição do vereador Geraldo Júnior para a presidência da Mesa Executiva da Câmara Municipal de Salvador em terceiro mandato, pois, para lançar uma opinião segura seria necessário um conhecimento dos atos procedimentais e dos fatos que ensejaram a mudança no Regimento da Câmara permitindo mais uma reeleição, como questionado na Justiça. Dos 43 vereadores [39 presentes] o presidente eleito teve 35 votos. Uma maioria esmagadora que o elegeu, significando dizer que Geraldo Júnior teve votos dos edis dos partidos que apoiam e fazem oposição ao prefeito do município [Bruno Reis], o que é elogiável, preserva a autonomia do arlamento municipal. De se destacar também que a eleição foi presidida por eminente e festejado jurista, o procurador da Câmara, professor e experiente vereador, Edvaldo Brito.

O que o senhor acha das propostas do PT para revogar as reformas da Previdência e também Trabalhista. O senhor, como advogado trabalhista, concorda que estas reformas trouxeram prejuízos aos trabalhador?

A lei 13.467/2017 – popularmente chamada de Reforma Trabalhista – iniciou-se com a discussão de alguns poucos artigos que visavam fazer prevalecer o negociado sobre o legislado nas negociações coletivas levadas a efeito entre as entidades representativas da classe trabalhadora e da categoria econômica [empresariado]. Na Câmara Federal a proposta foi ampliada e a reforma, a final, aprovada também pelo Senado, modificou mais de duzentos artigos da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, instrumento normativo que regula as relações de trabalho no país. Os parlamentares reformistas prometiam, juntamente com o governo federal de então, gerar mais de seis milhões de empregos, o que, obviamente não aconteceu, posto que, temos hoje 12% de desempregados levando-se em conta as pessoas aptas ao trabalho, afora os autônomos, avulsos, invisíveis, que somam milhões de brasileiras e brasileiros. É preciso que se diga que lei não gera empregos e sim o desenvolvimento econômico e social de um país. A reforma foi precarizante e, à semelhança da Espanha, o Brasil terá que reformar, revisar ou revogar a legislação de 2017. A revogação pura e simples eu não creio que ocorra, mas a reforma ou revisão, sim, se houver mudança no cenário eleitoral de 2022. São muitos os exemplos no Direito Coletivo e no Direito Individual do Trabalho que necessitam reforma, além do que urge uma legislação de proteção social que cuide dos motoristas de aplicativos, como vem se debatendo em todo o mundo civilizado. Também será necessário, no Direito Coletivo, tratar a forma de financiamento dos sindicatos das categorias profissionais. A nossa Carta Política, no seu artigo 8, inciso III, atribui aos sindicatos a defesa dos interesses coletivos e individuais em questões judiciais ou extrajudiciais, além de assistência ao trabalhador sindicalizado, pelo que, necessário se torna a indicação de meios financeiros de sobrevivência dos entes sindicais, já que a contribuição sindical compulsória foi abolida. No campo do direito individual, apenas como exemplo – e são inúmeros – a questão do teletrabalho que cada vez se intensifica mais e a lei da reforma de 2017 suprimiu o pagamento de horas extras para quem desenvolva as suas atividades nessa modalidade, o que é flagrantemente prejudicial aos trabalhadores, além da urgente abolição do contrato intermitente, também precarizante. Quanto à reforma previdenciária, como em todos os países do mundo, ela sempre acontece para os ajustes orçamentários. Ocorre que, no Brasil, a reforma só atinge e aos beneficiários e pensionistas do regime geral da previdência, que abarca a grande maioria dos aposentados, que, ganham em média até dois salários mínimos, ficando sempre de fora os benefícios que, de fato, causam problemas nas contas da previdência levando-a ao déficit constante.

Mateus Soares
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