Foto: Lalo de Almeida/Folhapress/Arquivo
Queimada em área desmatada no município de Humaitá, no sul do Amazonas 14 de agosto de 2022 | 10:21

Sob Bolsonaro, desmatamento atinge bolsões antes preservados na Amazônia e no cerrado

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O desmatamento no Brasil nos anos Bolsonaro não só cresceu em área, na comparação com os quatro anos anteriores ao seu governo, como atingiu locais até então pouco ou nada desmatados. Ampliou a fronteira de expansão agrícola para além do arco do desmatamento e penetrou mais na floresta, explodiu em cidades no cerrado em poucos anos e atingiu mais da metade dos municípios de todo o país.

É o que revelam algumas análises divulgadas recentemente e que ajudam a qualificar —além de quantificar— como se comportou o desmatamento nesse período. A primeira conclusão é que ele ficou mais espalhado pelo território, mais ousado e mais rápido.

Considerando apenas os três primeiros anos de governo, houve um aumento do número de municípios com alertas de desmatamento. Eram 1.734 (31,1%) em 2019 e saltaram para 2.889 (51,9%) em 2021, segundo análise do projeto MapBiomas Alerta em seu Relatório Anual do Desmatamento, lançado em meados de julho. De 2019 a 2021, aponta o relatório, 61,2% dos municípios brasileiros tiveram pelo menos um desmatamento detectado.

A área média de cada desmatamento cresceu, o que indica uma maior ousadia nas ações. Ficaram mais frequentes, por exemplo, os grandes desmatamentos —com mais de cem hectares (cerca de dez campos de futebol). Houve um aumento de 43,5% na quantidade desses alertas entre 2019 e 2021. Eles representavam 44,2% do total desmatado no país em 2019, passaram para 46,6% em 2020 e para 51,7% em 2021.

Além disso, a velocidade de desmatamento também aumentou. Passou de, em média, 139 hectares por hora em 2019 para 189 ha/h em 2021.

“Ampliou o número de municípios com desmatamento, a área média de cada desmatamento cresceu e a velocidade de cada desmatamento cresceu. Se a velocidade aumenta e a área aumenta, há uma sinalização de que tem impunidade em curso”, comenta o engenheiro florestal Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas. De fato, pelas análises do grupo, há indícios de ilegalidade em mais de 98% da área desmatada no período.

Mas talvez o que mais chame a atenção nesse período é que o desmatamento se expandiu por áreas onde até então não era um problema tão grave. Em 2021, pela primeira vez, o estado do Amazonas passou a ser o segundo mais desmatado da Amazônia Legal, superando Rondônia e Mato Grosso, ficando atrás apenas do Pará, segundo o sistema Prodes, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que traz os dados oficiais de desmatamento na Amazônia.

Em geral, nos últimos anos, o Amazonas sempre ocupava a quarta posição. Essa inversão provavelmente vai se manter em 2022 —tendência que aparece nos vários sistemas de monitoramento da região.

Um outro sistema de monitoramento do Inpe, o Deter, que traz alertas praticamente em tempo real a fim de orientar a fiscalização, já aponta isso. O consolidado de alertas registrados de agosto do ano passado a julho deste ano, concluído na sexta-feira (12), mostrou que mais uma vez o Amazonas ficou em segundo lugar, respondendo por uma fatia ainda maior de desmatamento.

De acordo com o Deter, o Amazonas respondeu por quase 27% (2.292 km2) do total desmatado nos últimos 12 meses (8.590 km2) na região. O Pará, em primeiro lugar, ficou com quase 36% (3.072 km2) dos alertas. Nos 12 meses anteriores (de agosto de 2020 a julho de 2021), essa proporção, também pelo Deter, tinha sido de 19,6% e 39,8%, respectivamente.

Esses dados ainda vão ser confirmados pelo Prodes, que é um sistema mais acurado e que fornece os números oficiais do desmatamento anual da Amazônia, mas indicam a tendência do que está acontecendo na região.

No consolidado do Deter dos últimos 12 meses, duas cidades do sul do Amazonas ficaram nas primeiras posições como as mais desmatadas da Amazônia Legal. Lábrea, em primeiro lugar, teve 571 km2 desmatados, e Apuí, em segundo, 566 km2. As duas cidades juntas representaram 13% do total de alertas de corte raso da região.

Isso preocupa os especialistas porque o Amazonas ainda tem grandes áreas de floresta preservada. E porque o avanço se insere em dois contextos de alta pressão: a discussão em torno da criação de um novo polo do agronegócio, com apoio do governo federal, para expansão da fronteira agrícola pela região que ganhou o nome de Amacro (por ser composta de partes de Amazonas, Acre e Rondônia); e o asfaltamento da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho.

“A Amacro se tornou um novo vetor de desmatamento na Amazônia, e o avanço que vemos desde o ano passado está 100% ligado à expectativa de asfaltamento da BR-319, do que vai acontecer lá, e da ocupação da área, com a criação de um novo polo do agronegócio. Lábrea, Apuí, Humaitá [as três no Amazonas] e Porto Velho são todos municípios que são parte dessa região e estão recebendo a pressão”, explica Azevedo.

“O sul do Amazonas nunca fez parte do arco do desmatamento. Até há alguns anos, o arco parava ali. Em parte por causa da proteção de um conjunto de unidades de conservação no Amazonas, na fronteira com Mato Grosso. O desmatamento deu uma volta nessa barreira de proteção e está abrindo um novo veio que vai para o coração da Amazônia.”

A análise do MapBiomas divulgada em julho indica salto de 29% no desmatamento da Amacro de 2020 para 2021. A região concentrou, no ano passado, 12,2% do total desmatado no país e 20,8% do que foi derrubado na Amazônia.

A BR-319 foi aberta nos anos 1970, pavimentada, mas, por falta de manutenção, o asfalto sucumbiu e até hoje a estrada, que é a única saída por terra de Manaus para o resto do país, é de difícil acesso.

A falta de infraestrutura acabou de certo modo protegendo a área, o maior bloco de vegetação intacta de toda a Amazônia. O oposto, no entanto, também é verdade. Vários estudos estimam que o asfaltamento pode resultar em uma alta taxa de desmatamento.

No fim de julho, o Ibama concedeu licença prévia para a obra, contrariando pareceres anteriores do próprio órgão que alertavam para a necessidade de uma série de pré-condicionantes.

“O que a literatura mostra é que, quando tem infraestrutura como estrada, há expectativa de valorização da terra, então é meio automático ter desmatamento já pensando em lucro futuro. Mas esse aumento no Amazonas que vimos no ano passado me assustou, assim como foi uma surpresa ver de novo isso neste ciclo agora”, afirma Claudio Almeida, chefe do departamento no Inpe que coordena o monitoramento do desmatamento.

“A frente está se expandindo. Havia um conjunto de municípios que dominavam o desmatamento e agora estão aparecendo novas áreas nesse processo.”

Outra região em que esse comportamento ficou evidente nos anos Bolsonaro é o Matopiba (área que engloba partes de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), no cerrado. O bioma, o segundo em área desmatada anualmente, também está na fronteira da expansão agrícola.

Desde 2019, algumas cidades da região saíram de taxas mínimas e observaram um crescimento de algumas centenas de vezes no desmatamento. Um dos casos que chama atenção é o de Aldeias Altas (MA), município de apenas 25 mil habitantes que passou de menos de 2 km2 desmatados de agosto de 2018 a julho de 2019 para quase 72 km2 de agosto de 2021 a julho de 2022, alta de 3.714%, de acordo com o Deter.

As cidades campeãs de desmatamento no cerrado no último ano —Formosa do Rio Preto (BA), São Desidério (BA) e Balsas (MA)— tiveram todas aumentos importantes desde 2019.

“A fronteira de desmatamento no Matopiba está se expandindo quase radialmente. Como tem conexão a partir de muitos lugares, fica mais fácil. Abriu-se a porteira para novos empreendimentos que se veem sem nenhum tipo de fiscalização”, explica a pesquisadora Ane Alencar, do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), que coordena o monitoramento do cerrado para o MapBiomas.

“O desmonte ambiental, as mudanças na legislação, o enfraquecimento dos órgãos de controle estão tendo um impacto importante na definição das fronteiras de expansão agrícola”, diz.

O relatório anual de desmatamento da iniciativa revelou que o Matopiba concentrou 23,6% do total desmatado no país em 2021 e 72,5% do que foi perdido no cerrado. Em comparação com 2020, houve aumento de 14% no desmatamento nessa região.

Giovana Girardi, Folhapress
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