14 dezembro 2024
Líder da oposição na Venezuela, ainda que inabilitada pela Justiça aliada do regime chavista para concorrer a cargos públicos no país, María Corina Machado afirma que a posição adotada pelo Brasil diante da contestada reeleição do ditador Nicolás Maduro falhou.
Três meses após o pleito de 28 de julho, que inaugurou um amplo período de repressão contra os antichavistas, a ex-deputada diz que Maduro enganou e zombou do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), usando o tempo para manobras que o sustentassem no poder.
De local não revelado na Venezuela, ela falou ao jornal Folha de S.Paulo por videochamada e pediu ação da Justiça internacional. “Nós fizemos nossa parte, arriscamos tudo a um altíssimo custo pessoal”.
O regime disse que a sra. não está mais na Venezuela, o que a sra. desmentiu. Pensa em algum momento sair do país, como fez Edmundo González?
Todas as pessoas envolvidas nas eleições, neste momento, estão ou exiladas, ou asiladas, ou escondidas ou presas. Não sei se o mundo entende a magnitude da perseguição política que se desencadeou na Venezuela. No meu caso, Maduro me acusou de terrorismo e diz que sou foragida da Justiça. Dizem que sabotei o sistema eleitoral.
Tudo o que acontece na Venezuela acabam me culpando. Estou, como muitos venezuelanos, resguardada. Decidi continuar na Venezuela, dando apoio e acompanhando daqui a luta dos venezuelanos, mas não quero facilitar ao regime a possibilidade de me neutralizar.
A saída de González enfraqueceu a oposição? Ele explicou suas razões, mas o trabalho não se torna mais difícil com ele na Europa?
Não tenho nenhuma dúvida de que o que o regime buscava era isso, desmoralizar as pessoas, nos dividir, separar Edmundo e eu, e assim paralisar as ações da comunidade internacional para ver se conseguia virar a página. Ocorreu exatamente o contrário.
Foi uma operação tão grosseira e cruel, que envolveu vários países, incluindo o Brasil [o regime cercou a embaixada da Argentina, sob a guarda brasileira, horas antes do exílio de González], a ponto de gerar repúdio nacional e internacional. Eles fizeram Edmundo sentir que ou era o exílio ou era o [presídio de] Helicoide, o maior centro de tortura da América Latina, que fica aqui. Diante disso, ele sentiu que seria muito mais útil fora e, de fato, está fazendo um trabalho incrível. O tiro saiu pela culatra para o regime de Maduro.
Parece que as negociações do Brasil e da Colômbia com Caracas morreram. Não há abertura do regime para negociar com vocês e com esses países. Como vê esse tema?
Para que o regime tenha incentivos para negociar, precisa sentir que sua permanência no poder a cada dia é mais complicada. Hoje Maduro sente que pode silenciar todos os jornalistas, acabar com a dissidência, sequestrar crianças. Há 68 crianças e adolescentes presos.
Alguns foram submetidos a choques elétricos, obrigados a gravar vídeos dizendo que eu lhes dei dinheiro para sair às ruas para protestar. Ao ponto de que, na semana passada, no Conselho de Direitos Humanos da ONU, a missão de investigação qualificou como crimes contra a humanidade o que está acontecendo na Venezuela. Mas Maduro sente que pode fazer tudo isso, e o custo é zero. Ele sabe que nunca vai recuperar a legitimidade (…). E então pensa que pode seguir a sangue e fogo.
A comunidade internacional precisa tomar uma posição muito mais firme e muito mais dura frente a Nicolás Maduro.
Esperava mais de Lula? O Brasil se absteve em votação na ONU para renovar a missão de investigação na Venezuela.
Na etapa prévia à eleição, a posição de Lula foi muito importante em momentos críticos no qual o regime buscava fechar a via eleitoral. Após a eleição, tanto ele quanto Gustavo Petro [presidente da Colômbia], buscando manter uma interlocução, decidiram tomar uma posição, digamos, mais prudente.
Agora já passaram três meses e, evidentemente, o regime está enganando a todos, inclusive Lula e Petro, porque é evidente que Maduro usou este período para reprimir mais forte do que nunca. Nem sequer atendeu ao telefonema [de Lula] e busca zombar.
Veja esta manobra com o Brics, essa coisa patética. O Brasil foi muito bem [ao barrar Caracas]. Mas para mim é incompreensível a votação no Conselho de Direitos Humanos, porque no final, se há algo que eu sei que no Brasil se valoriza, é todo o sistema de direitos humanos.
Uma coisa é manter uma interlocução com Maduro, mas outra é ser indiferente à dor de uma sociedade. Chegou o momento de ter uma posição muito mais dura frente a Maduro.
Nem sequer se conseguiram os salvo-condutos dos meus companheiros que já estão há sete meses na embaixada da Argentina sob a proteção do Brasil. É uma chacota de Nicolás Maduro.
A diplomacia brasileira afirma que é preciso manter alguma linha de contato com o regime, já fechado para a maior parte do mundo.
Pois o silêncio também não serviu para isso. Essa posição de, digamos, neutralidade, não serviu. Claro que é importante que haja contato, e quem tem proposto desde o dia 1 uma negociação para a transição democrática somos nós. Deixamos muito claro que estamos dispostos a dar incentivos e garantias.
Agora, isso não significa que você tem que ter uma posição de indiferença ou de fraqueza, muito pelo contrário, a verdade é a verdade, e o regime tem que entender que toda negociação tem que partir do reconhecimento do 28 de julho.
Precisamos que a comunidade internacional se comprometa a fazer o que lhe corresponde. Nós fizemos nossa parte. Nós, venezuelanos, arriscamos tudo a um altíssimo custo pessoal.
O que sustenta Maduro no poder?
A Maduro resta a alta cúpula militar. O sistema instalado na Venezuela é absolutamente militar, com dois braços repressores: o armado, para o qual usam alguns setores dos militares, das polícias e dos paramilitares, os chamados coletivos, e um braço repressivo judicial, com esses tribunais de terrorismo. O terceiro pilar é o dinheiro que entra por meio de atividades ilícitas, como narcotráfico, contrabando de ouro e de outros minerais, tráfico humano, prostituição.
Há sinais de uma possível ruptura militar? Membros da oposição dizem que um levante seria a saída, mas o que se ouve é que seria inviável.
Esses são temas superdelicados, prefiro falar sobre fatos. Número um: os militares colaboraram para que a lei fosse cumprida no dia da eleição e nós, da oposição, tivéssemos acesso às nossas atas.
Número dois, vejamos o que está ocorrendo nos próprios grupos que compõem o regime: estão se acusando mutuamente, e eu acredito que esses são sinais de que a confrontação interna é enorme, entre outras coisas porque muitos já sabem que um processo de transição é irreversível. Ninguém pode dizer quanto falta, mas este regime nunca esteve tão fraco como hoje
Temos a data-chave de 10 de janeiro, com a posse presidencial. González diz que será empossado. Podemos ter um governo paralelo?
Não aceito que nos digam que temos que contemplar a possibilidade de que a soberania popular seja sacrificada. Se todos os venezuelanos que estamos aqui e os que estão fora, os países, presidentes, Parlamentos, cidadãos do mundo, fizermos o que nos corresponde fazer, então não restará outra opção a Maduro se não sentar para negociar. Temos que passar das declarações conjuntas para as ações conjuntas. A história vai nos julgar.
Mayara Paixão/Folhapress