Foto: Guadalupe Pardo/Reuters
O ex-presidente do Peru Ollanta Humala e sua mulher, Nadine Heredia 15 de abril de 2025 | 23:00

Peru concede salvo-conduto e mulher de ex-presidente do país poderá vir, asilada, ao Brasil

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A mulher do ex-presidente do Peru Ollanta Humala, Nadine Heredia, pediu asilo ao Brasil nesta terça (15), dia em que foi condenada por corrupção em seu país.

Ela entrou na embaixada do Brasil em Lima e aguardava um salvo conduto do governo do Peru para poder viajar. Ele já foi concedido e, com isso, a ex-primeira-dama pode deixar o país.

O presidente Lula decidiu conceder o asilo.

O governo brasileiro já comunicou ao Peru que ela está na embaixada.

Os dois governos estavam em “permanente comunicação sobre a situação”, segundo informe da chancelaria peruana ao qual a coluna teve acesso. “O pedido de asilo está estabelecido pela Convenção sobre Asilo Diplomático de 1954, da qual o Peru e o Brasil são parte”, diz o mesmo informe.

A ex-primeira-dama e o marido foram condenados a 15 anos de prisão por lavagem de dinheiro no caso de aportes ilegais da empreiteira brasileira Odebrecht e da Venezuela para suas campanhas de 2011 e 2006, respectivamente.

O ex-presidente decidiu cumprir a pena de prisão. E pediu que sua mulher tentasse o asilo no Brasil.

Nadine resistia, mas Ollanta Humala argumentou que ela não havia sequer obtido autorização para viajar ao Brasil e tratar de um câncer enquanto respondia ao processo. Presa, correria o risco de nunca mais sair do cárcere.

O casal tem três filhos, e ele fez um apelo para que ela então tentasse ficar livre, segundo relatos de interlocutores de ambos.

A sentença encerra mais de três anos de audiências contra o ex-líder de centro-esquerda que governou o Peru de 2011 a 2016. Humala, 62, aguardou a sentença final em liberdade.

O ex-presidente cumprirá sua pena em uma base policial construída especialmente para abrigar os líderes presos do país.

Sua prisão entrará em vigor imediatamente, ainda que o tribunal continue a ler a sentença completa nos próximos dias. A defesa de Humala afirmou que vai recorrer da decisão.

O presidente, em mensagem enviada por seus advogados à coluna, afirma que é inocente e que a Justiça peruana usou provas que foram anuladas no Brasil pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

“É inacreditável uma decisão desta natureza sem que ninguém prove se o alegado dinheiro existiu, se foi entregue e muito menos se houve um ato de conversão” diz ele.

“É uma arma de guerra legal, para acabar conosco até que não possamos mais lutar. Já tentaram destruir a mim e à minha família inúmeras vezes. Querem nos forçar ao ostracismo político e que acabemos manchados porque ousamos fazer um dos melhores governos dos últimos 40 anos no Peru.

Sou o último presidente da República do Peru a terminar seu mandato de cinco anos antes que a institucionalidade do país se deteriorasse dessa forma”, segue.

“No Brasil, o processo Lava Jato foi anulado porque ficou demonstrado que os documentos apresentados pela empresa, bem como os depoimentos de funcionários da empresa, não eram confiáveis, nem foram obtidos legalmente. Os funcionários da empresa chegaram a afirmar que depuseram sob tortura psicológica, e aqui houve uma desconsideração absoluta dessa situação, considerando que essas informações são válidas e têm todo o rigor probatório. Isto é um abuso de poder”, diz Humala.

“Há muito tempo, o ex-presidente Lula, por quem tenho profundo respeito, disse que nunca pensou que colocar um prato de comida na mesa de uma pessoa com fome pudesse significar prisão. E isso ecoa na minha cabeça há muitos anos. Presidentes que amaram e lutaram pelo seu povo podem ser condenados como se fossem criminosos, justificando processos criminais conduzidos da forma como vimos hoje?”, afirma ainda o ex-presidente em mensagem escrita depois da sentença.

A Odebrecht, cujo escândalo de subornos e corrupção teve consequências em vários países da América Latina, reconheceu em 2016 que pagou dezenas de milhões de dólares em propinas e doações eleitorais ilegais no Peru desde o início do século 21.

“Não foi provado que entrou dinheiro da Venezuela em 2006, e nunca se corroborou que entrou dinheiro da Odebrecht em 2011”, afirmou o advogado de Humala, Wilfredo Pedraza.

O escritório Massud, Sarcedo e Andrade atuou na defesa do ex-presidente peruano levando à Justiça daquele país os argumentos que, no Brasil, serviram para inocentar réus da Operação Lava Jato: o de que provas haviam sido obtidas de forma ilícita e de que não há, no caso, delitos antecedentes ao da lavagem de dinheiro.

“Como advogado que trabalhou na obtenção de documentos, provas e declarações de nulidade para eles aqui no Brasil, posso afirmar que o fundamento da decisão ignorou a evidente ilicitude de várias provas e muitas que delas derivaram, tal como ocorrido aqui em casos semelhantes da Lava Jato”, afirma o advogado Leonardo Massud.

Segundo ele, a Corte de Primeira Instância “demonstrou ainda mais a brutalidade da decisão, emitindo ordem imediata de prisão a quem ainda deve ser presumidamente considerado inocente e que sempre cumpriu com todos os chamados processuais”. Massud afirma que os advogados peruanos que acompanham o caso vão apelar da decisão e contestar a prisão preventiva de Ollanta e Nadine em instância superior.

O advogado brasileiro Marco Aurélio de Carvalho também se incorporou à defesa de Humala

“As condenações do ex-presidente per.uano e de sua esposa carecem de provas e foram lastreadas por uma única delação que já é inclusive objeto de dúvidas e polêmicas no próprio Peru”, afirma ele.

“Há paralelos indiscutíveis entre o caso de Ollanta Humala e os de Lula no Brasil. Delegações peruanas estiveram no Brasil para mostrar semelhanças no processo, e nós confirmamos que de fato os procedimentos são rigorosamente iguais. Os promotores e os juízes de lá, infelizmente, adotaram os mesmos métodos ilegais do ex-juiz Sergio Moro e dos promotores da Operação Lava Jato. Estas atuações ilícitas, como as que ensejaram a anulação das condenações de Lula pelo Supremo Tribunal Federal, serão anuladas pela justiça peruana. Ollanta Humala é inocente”, segue.

O Ministério Público acusou o ex-presidente peruano de lavagem de ativos por ocultar o recebimento de US$ 3 milhões da Odebrecht para a campanha de 2011 que o levou à Presidência.

Nadine Heredia, esposa de Humala, também foi acusada por ser cofundadora da legenda Partido Nacionalista. Ela não compareceu ao julgamento, argumentando motivos de saúde.

A juíza Nayko Coronado emitiu ordem de captura contra a ex-primeira-dama, e no início da tarde policiais cercavam sua casa para cumprir a determinação, mas seu paradeiro até então era desconhecido.

Segundo a acusação, na campanha derrotada de 2006, o casal teria desviado quase US$ 200 mil enviados pelo então presidente da Venezuela, Hugo Chávez, por meio de uma empresa do país.

O Ministério Público havia pedido 20 anos de prisão para Humala e 26 anos para Heredia —ambos também foram acusados de ocultação de fundos por “compras de imóveis com dinheiro da Odebrecht”.

O casal nega ter recebido dinheiro de Chávez ou de qualquer empresa brasileira.

No caso da Venezuela, segundo a Promotoria, o dinheiro foi enviado “pelo falecido ex-presidente Hugo Chávez por transferências bancárias com a empresa de investimentos Kayzamak”.

Humala é o segundo de quatro ex-presidentes envolvidos no esquema de corrupção da Odebrecht no Peru. Segundo o Ministério Público, o escândalo também envolveu Alan García (2006-2011), que se suicidou em 2019 antes de ser detido; Pedro Pablo Kuczynski (2016-2018), ainda sob investigação, e Alejandro Toledo (2001-2006). Toledo foi condenado em 2024 a mais de 20 anos de prisão por receber subornos milionários em troca da concessão de obras em seu governo.

Mônica Bergamo/Folhapress
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