19 julho 2025
Há mais de três meses nos Estados Unidos, o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) mantém o discurso de “exílio político” enquanto articula sanções contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. A estadia, que completa quatro meses na próxima semana, tem recebido críticas de parlamentares do entorno do deputado que reclamam da falta de “resultados concretos” e reprovam o compartilhamento de viagens e eventos por sua esposa, Heloísa Bolsonaro, nas redes sociais, que inclui participação em rodeio e até uma viagem à Disney.
Eduardo e a família estão nos Estados Unidos desde fevereiro, mas a localização exata onde residem não foi informada. O filho do ex-presidente já expressou o desejo de permanecer mais tempo no país, considerando alternativas como pedido de asilo ou mudança para visto de trabalho. Ele inclusive admitiu que pode renunciar ao mandato. A avaliação dele, segundo aliados, é de que só poderá retornar ao Brasil se alcançar alguma sanção significativa contra o ministro do STF.
Durante esse período, Eduardo esteve na Casa Branca ao menos duas vezes. Em abril, publicou uma foto ao lado do comentarista Paulo Figueiredo Filho, descrevendo o momento como um “dia de trabalho” na sede do governo norte-americano.
A presença foi registrada também pelo ex-assessor de Donald Trump, Jason Miller, que escreveu: “Adivinha quem está de volta?”. No mesmo mês, Eduardo divulgou um trecho de entrevista ao estrategista Steve Bannon, ex-conselheiro de Trump e influente figura da direita no país. A maior parte das entrevistas, porém, tem sido dadas a veículos ou canais brasileiros.
Em maio, Eduardo divulgou encontro com Brian Mast, presidente do Comitê de Relações Exteriores da Câmara dos EUA, e com o deputado Cory Mills – que questionou publicamente o secretário de Estado, Marco Rubio, sobre possíveis sanções a Alexandre de Moraes. Nesta sexta-feira, 13, Eduardo publicou estar em Washington mais uma vez, mas não revelou o motivoA reportagem tentou contato com o deputado diversas vezes, mas não obteve resposta.
Em entrevista ao Canal AuriVerde Brasil, em abril, Eduardo disse que a mobilização do bolsonarismo nas ruas fortalece sua atuação nos EUA. “Dá um conforto para a autoridade aqui nos escutar melhor”, afirmou. No entanto, a adesão aos atos tem diminuído. Em 6 de abril, a manifestação reuniu 44,9 mil pessoas na Avenida Paulista, contra 185 mil em fevereiro de 2024. No Rio, atos em março atraíram apenas 18,3 mil.
Apesar das demonstrações de esforços para buscar sanções contra Moraes, parlamentares acreditam que, até o momento, Eduardo não conseguiu entregar resultados concretos. Sua conquista mais contundente foi o pronunciamento de Rubio, que em audiência na Câmara declarou que “há uma grande possibilidade” de Moraes ser alvo de sanções com base na Lei Magnitsky. A fala de Marco Rúbio, no entanto, foi classificada por parlamentares como “genérica”.
Para um deputado próximo ao filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a “empolgação excessiva” de Eduardo e aliados como Paulo Figueiredo é “superestimada”, já que o Brasil não é prioridade para os EUA. Além disso, a piada de Bolsonaro ao sugerir Moraes como seu vice em 2026 durante o julgamento foi vista como um “erro estratégico”, por enfraquecer o discurso de enfrentamento sustentado por Eduardo.
Rodeio, viagem à Disney e visita de familiares
A família de Eduardo Bolsonaro vive nos Estados Unidos com economias próprias, mas também contam com apoio financeiro de seu pai. O ex-presidente afirmou ter enviado R$ 2 milhões ao filho, parte de um montante de R$ 17 milhões recebidos por ele em 2023, provenientes de uma campanha de apoiadores. Eduardo reclamou da falta de apoio financeiro por parte do PL, e chegou a cogitar migrar para o PP.
“Lá fora, tudo é mais caro. Eu tenho dois netos, um de 4 e outro de um ano. Ele [Eduardo] está lá fora e eu não quero que ele passe dificuldades. É muito? É bastante dinheiro. Lá nos Estados Unidos pode ser nem tanto, dá uns US$ 350 mil, mas eu quero o bem-estar dele e graças a Deus eu tive como depositar esse dinheiro na conta dele”, afirmou Bolsonaro.
Apesar da narrativa, ele e a família também têm desfrutado de eventos e viagens pelo país durante a estadia. Em maio, ele e sua esposa participaram do campeonato mundial de rodeio da Professional Bull Riders (PBR), realizado no AT&T Stadium, em Arlington, com o senador Flávio Bolsonaro (PL), irmão de Eduardo. Na ocasião, Heloísa publicou fotos do evento. A publicação, no entanto, foi apagada posteriormente.
No início do mês, a família comemorou o aniversário de Heloísa na Disney, em Orlando, com a presença da mãe de Eduardo, Rogéria Bolsonaro. Heloísa compartilhou nas redes sociais que foi “um sonho” levar a sogra ao parque.
“Foi um verdadeiro privilégio e um sonho poder trazer minha sogra para passar uns dias conosco e na Disney”, escreveu. Ela chegou a compartilhar imagens da casa onde ficaram hospedados em Orlando e ironizou: “Invejosos dirão que é a mansão que estamos morando nos EUA”. Todas as publicações foram apagadas. A reportagem questionou o motivo da exclusão das imagens, mas não obteve retorno.
A fala fazia alusão a aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, em março, compartilharam nas redes sociais um vídeo de Heloísa no qual ela exibe o interior de uma casa de alto padrão em Orlando. A gravação, no entanto, foi usada de forma descontextualizada. Após o episódio, a esposa do deputado chegou a publicar imagens, dessa vez da vizinhança onde mora com a família.
“Fiz essas imagens hoje, caminhando pela rua. Não moramos em condomínio fechado e essa é minha vizinhança, num bairro de classe média, no subúrbio dos Estados Unidos”, escreveu.
Em um dos vídeos compartilhados em seu perfil no Instagram, Heloísa mostra a filha mais velha do casal andando de patins em uma rua de Arlington, no Texas, estado onde o deputado está morando.
A Silver Marten Trail, endereço onde as imagens foram gravadas, fica a poucos minutos da antiga sede de uma empresa da qual Eduardo foi sócio. Na região, o preço médio das residências varia entre US$ 600 mil e US$ 850 mil, podendo ultrapassar US$ 1 milhão, segundo a plataforma Zillow.
Entre os parlamentares, as publicações feitas pela esposa de Eduardo não reverberam bem. Um parlamentar comparou Heloísa à primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, segundo ele, a esposa de Eduardo seria a “Janja da direita”. Outro deputado afirmou até mesmo que o filho do ex-presidente e a família já tinham intenções de se mudar para os Estados Unidos e usaram a narrativa de perseguição como uma “desculpa perfeita”.
Para o deputado Mário Frias (PL), as viagens e a presença da família nos Estados Unidos são uma forma de Eduardo “enfrentar um momento difícil” durante sua estadia no país.
Heloísa costuma destacar nas publicações o que considera uma separação dolorosa da família, ao precisar viver temporariamente em outro país. Suas publicações nas redes sociais são majoritariamente voltadas aos cuidados com os filhos e à rotina doméstica no novo país.
A família, por ora, não tem previsão de retorno, mesmo com Eduardo sendo cotado como candidato nas eleições de 2026. Segundo aliados, a decisão de voltar dependerá também da disposição de Heloísa, que não demonstra interesse em retornar ao Brasil.
Candidatura à distância
Internamente, Eduardo é tratado como o candidato “favoritíssimo e consolidado” para disputar o Senado Federal. Ainda assim, seu nome é ventilado como possível candidato à Presidência da República, cenário que, afirmam, deverá ser definido por seu pai. O próprio Eduardo Bolsonaro criticou, na última semana, o que chamou de candidatura de “direita permitida” e se colocou como opção ao Planalto.
Aliados avaliam que, caso Eduardo dispute o Legislativo, ele poderia continuar morando nos Estados Unidos e conduzir a campanha à distância apostando na narrativa de “exílio político” para ampliar o apelo junto ao eleitorado bolsonarista.
O professor doutor em Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC Demétrio Toledo destaca que a atual situação do deputado não se enquadra num caso de exílio político.
“Um, porque não se trata de ditadura, de um estado de exceção, mas se trata de um estado democrático de direito em mais pleno e total funcionamento. Depois, não existe no estado democrático de direito o castigo à pena do exílio imposto. E o terceiro elemento é que não há nenhum risco, o Eduardo Bolsonaro, a [Carla] Zambelli, eles não correm nenhum risco no país. O que eles querem é evadir a lei”, concluiu.
Para ele, o cotidiano compartilhado por Heloísa remete mais ao chamado “American Way of Life” (estilo de vida americano), que se refere a uma vida situada em “uma boa casa em um subúrbio pacificado, onde as pessoas estão seguras e livres de criminalidade”.
Para permanecer legalmente no no país, o deputado pode solicitar a prorrogação do visto B1/B2, que autoriza estadias de até seis meses e pode ser estendido por mais seis. Outras alternativas seriam a mudança para um visto de trabalho ou o pedido de asilo, que, se aceito para análise, permite que o solicitante permaneça no país por vários anos até a decisão final.
O advogado de imigração Marcelo Godke avalia que Eduardo dispõe de múltiplas possibilidades migratórias, especialmente se tiver uma boa equipe jurídica. Para ele, as articulações políticas com congressistas norte-americanos não devem influenciar o processo, já que os pedidos são analisados por um corpo técnico independente, sem interferência direta do governo ou do Legislativo.
Adriana Victorino/Estadão