23 novembro 2024
Na semana passada, um importante político baiano recebeu um telefonema de um candidato ao governo da Bahia. Sentados ao pôr do Sol em suas respectivas varandas sobre cadeiras de designers famosos posicionadas estrategicamente para a cinematográfica vista da Baía de Todos os Santos, os dois trocaram longamente impressões sobre a sucessão estadual.
Vizinhos no luxuosíssimo bairro do Corredor da Vitória, onde moram em apartamentos regiamente decorados de valores inestimáveis para um simples assalariado, o senador Jaques Wagner (PT) e o candidato do PL a governador, João Roma, retomavam um amistoso bate-bola sobre as perspectivas que enxergam, cada um ao seu modo, sobre as eleições de 2 de outubro na Bahia.
Iniciado sete dias antes em Brasília, o bate-papo deu prosseguimento ao hábito construído por ambos de conversar abertamente sobre ‘coisas’ da Bahia, iniciado de forma quase casual desde abril, mas depois avalizado pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-SP), de quem Wagner se tornou um importante interlocutor com a oposição no Senado num momento crucial para o governo federal.
Naquele dia, no entanto, apesar de a brisa fresca e o horizonte avermelhado sugerirem mais do que um drink solitário, a conversa teve um tom mais seco. Com a franqueza que lhe é habitual, o senador petista finalmente jogou a toalha sobre a ideia que o PT baiano projetara de tentar associar o candidato do União Brasil a governador, ACM Neto, favorito à sucessão, segundo as pesquisas, à figura de Jair Bolsonaro (PL), patrono da candidatura de Roma e pai de Flávio.
O objetivo era transformar a eleição baiana num passeio para o até então desconhecido candidato petista Jerônimo Rodrigues por meio da reprodução da polarização entre o presidenciável Lula, campeão absoluto de intenções de votos no Estado, e o bolsonarismo, que enfrenta um dos maiores focos de resistência no país ao crescimento do presidente da República exatamente na Bahia.
Na avaliação de Wagner, a agilidade com que Neto posicionou-se, com antecedência razoável da eleição, contra o risco da vinculação de seu nome ao de Bolsonaro e a capacidade de renovar seu repertório de justificativas, inclusive, no horário eleitoral, para manter-se totalmente distante dele na campanha, acabaram minando uma das principais estratégias eleitorais pensadas pelo PT para derrotar o maior adversário no Estado.
Num primeiro momento, o senador petista chegou a achar que o acirramento da disputa entre o petismo e o bolsonarismo aconteceria na Bahia tal qual ocorre no país, beneficiando o seu candidato num embate clássico com Roma. Por esta avaliação, espremido entre os dois contendores apoiados pelos presidenciáveis mais competitivos, Neto desidrataria ao ponto de cair para um terceiro lugar na disputa.
Era um cenário perfeito. Puxado por Lula, Jerônimo saltaria do desconhecimento total pelo eleitorado para o último degrau às portas do Palácio de Ondina, seguido à distância por Roma, obrigado a se resignar com os votos que os bolsonaristas conseguiriam reunir para ele no Estado, um desfecho no qual a imaginação petista, infelizmente, não encontrou correspondência na realidade.
Hoje, apesar de permanecer assegurando a aliados cada vez mais desconfiados que o PT ganhará a eleição na Bahia, o senador admite que avaliou mal a resiliência do candidato do União Brasil, que, mesmo sem um nome à Presidência para chamar de seu, se mantém firme liderando as pesquisas, a despeito do cerco que lhe fazem o petismo, o governo do Estado e Roma.
Ainda por cima, Neto tem conseguido em muitos cantos do Estado se beneficiar claramente de um fenômeno incontrolável que obedece de forma exclusiva à vontade do eleitor – a aposta no voto casado para ele e Lula.
Na avaliação de Wagner, a culpa pela onda que ajuda a segurar Neto seria, em parte, da difícil condição em que se encontra o próprio presidenciável petista. Lula teria sido alertado por ele próprio e, depois pelo comando da campanha petista baiana, de que apenas difundir a mensagem de que seu candidato a governador da Bahia é Jerônimo era insuficiente para fortalecê-lo.
Na verdade, ele precisaria associar o apoio ao petista a um comportamento de ataque ao seu principal adversário com o objetivo de afastar completamente de Neto aquele seu eleitor que considera o candidato do União Brasil o melhor nome para governar a Bahia.
Durante muito tempo, a previsível resistência de Lula, no contexto de uma campanha presidencial disputadíssima, a um confronto desnecessário com Neto, exatamente para não assustar o eleitorado do candidato do União Brasil que não convém desprezar em sua cada vez mais dura batalha contra Bolsonaro, embalou uma especulação: a de que fora o verdadeiro motivo para que Wagner tivesse desistido, de última hora, de concorrer ao governo baiano.
A atualização do cenário projetado pelo PT, no entanto, está longe de ter dado ao senador petista a certeza de que pode abrir mão de manter um canal aberto com Roma. A 14 dias das eleições, pelo visto ele avalia que ainda há muito a ser articulado entre ambos.
No diálogo da semana passada, por exemplo, há quem diga que não faltaram alguns minutos para que comemorassem, entre risos, o fato de Neto ter se transformado no maior alvo de decisões contrárias da Justiça Eleitoral na campanha até agora. Aliás, não é segredo para ninguém que, por vias institucionais, o PT e Roma influíram muito na atual composição do Tribunal Regional Eleitoral.
Hoje, se alguém fizesse um cálculo meramente matemático sobre quem indicou quem para o TRE chegaria à conclusão de que o candidato do PL e o PT de Wagner, incluindo aí o governador Rui Costa (PT), têm, juntos, em tese, a maioria dos julgadores eleitorais.
Mas Wagner e seu parceiro da extrema-direita baiana também têm muito ainda a combinar sobre a participação de Jerônimo e de Roma no debate da TV Bahia, no próximo dia 27, o único ao qual Neto irá em toda a campanha. Para o confronto, já está acertado que os dois atuarão articulados para tentar desbancar o representante do União Brasil.
Na verdade, Roma, utilizando do conhecimento que diz possuir sobre a personalidade de Neto, por meio de quem surgiu na política baiana, pretende atacar o ex-aliado para deixar o campo livre para Jerônimo. Ele já disse a Wagner que, de cabeça fria, o candidato do União Brasil é o político de raciocínio mais rápido e o mais capaz que conheceu em sua vida.
Mas, irritado, também segundo seu relato ao senador, Neto ficaria mais vulnerável para ser destronado. Para cultivar a aliança com Roma, Wagner parte do pressuposto – e não esconde isso do interlocutor -, de que, com a perspectiva muito concreta de o candidato do PL desmilinguir-se nas próximas duas semanas, só lhe resta este momento para fincar as bases para um ‘novo futuro’.
Mas adverte que a reflexão de Roma precisa ser feita com rapidez, para o caso principalmente de Bolsonaro perder, como as pesquisas indicam. Na hipótese de Neto, para completar, ganhar o governo, o ‘novo futuro’ pode passar, para o bolsonarista de ocasião, integralmente pela sua capacidade de ter construído uma boa relação com Wagner, de quem se espera uma enorme influência num eventual governo Lula.