23 novembro 2024
Economista do Ministério da Economia. Mestre em Economia e Doutor em Administração Pública pela UFBA. Autor de diversos trabalhos acadêmicos e científicos, dentre eles o livro Política, Economia e Questões Raciais publicado - A Conjuntura e os Pontos Fora da Curva, 2014 a 2016 (2017) e Dialogando com Celso Furtado - Ensaios Sobre a Questão da Mão de Obra, O Subdesenvolvimento e as Desigualdades Raciais na Formação Econômica do Brasil (2019). Foi Secretário Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e Diretor-presidente da Companhia de Processamento de Dados do Estado da Bahia (Prodeb), Subsecretário Municipal da Secretaria da Reparação de Salvador (Semur), Pesquisador Visitante do Departamento de Planejamento Urbano da Luskin Escola de Negócios Públicos da Universidade da Califó ;rnia em Los Angeles (UCLA), Professor Visitante do Mestrado em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Professor, Coordenador do Curso de Ciências Econômicas e de Pesquisa e Pós-Graduação do Instituto de Educação Superior Unyahna de Salvador.
Há 127 anos era chegado o fim da escravidão formal dos Negros no Brasil. Dentre as inúmeras consequências da herança do racismo e desse período de nossa história, está a naturalização, por parte significativa da sociedade, quando da ciência de mortes violentas de jovens negros, na sua maioria, por arma de fogo, nas mais diversas situações e, em alguns casos até, devido a letalidade da intervenção ou abordagens institucionais, quando de exercícios de ações preventivas ou repressivas nas comunidades mais pobres.
Para além de todos os dados que são compilados pela inteligência e a burocracia de todos os órgãos de segurança pública subnacionais, o governo federal, também tem apoiado e acompanhando, iniciativas da sociedade civil e organizações internacionais que também tratam desse tema. O Mapa da Violência, Editado pela Unesco e parceiros, desde o ano 2000, vem se constituindo, numa das mais importantes fontes de informações sobre o tema por possuir, metodologia e séries de dados estatísticos que além de tornarem mais robustas as dimensões quantitativas do debate, permite, de maneira muito importante, inferências qualitativas a eles subjacentes.
Na verdade, todos os trabalhos que seguem essa mesma linha de abordagem, apenas sistematizam a dura e muito conhecida realidade que parte da sociedade brasileira, o Povo Negro, em especial, testemunha, em todos os cantos do país, desde sempre. Essa pedagogia se iniciava muito cedo nas comunidades, através da orientação de um sem número de mulheres negras, mães de jovens negros, para que eles não saíssem de casa sem a sua carteira de identidade, nem inadequadamente vestido para os padrões de época – o recado era tácito, mas direto e desobedecê-lo poderia representar risco de morte ou de sofrer violências físicas e mentais, por uma sociedade fundamentalmente racista.
Com o crescimento e o fortalecimento das organizações do Movimento Negro, o enfrentamento dessas questões passou a ser feita a partir de ações direcionadas para a garantia de direitos e combate ao racismo, inclusive tendo como foco o combate ao extermínio da juventude negra, assim, houve uma radical mudança na agenda política e de políticas públicas. A violência e mortes contra a juventude negra teve que ser assumida, pelo governo federal mais assumidamente, como um problema de Estado e, por isso, passou a ser imperativo e urgente a implementação de ações que fossem eficazes para solucionar tal problema.
Ao assumir o problema e ao se propor a implementar uma política de estado, mesmo por via transversas, a ação do governo apontou para o cerne da questão: a dimensão quantitativa da violência e das mortes que atingem jovens negros é apenas uma parte de uma trama, maior e mais profunda, que indica um verdadeiro processo de genocídio não apenas dos jovens negros, mas dos negros brasileiros enquanto grupo étnico-racial. Afinal, a garantia de quaisquer grupos étnicos ou raciais de sua sobrevivência enquanto tal é a existência com qualidade de vida da sua juventude. Por isso, a despeito de serem muito oportunos e bem-vindos as CPI´s, os discursos e pronunciamentos dos diversos agentes políticos e atores sociais, não há como deixar de registrar que da mesma forma que o conteúdo desse debate não pode ser confundido apenas com os dados estatísticos, precisamos ter muita acuidade sobre a qualidade do investimento político e político-institucional que serão resultantes desse novo momento do tratamento dessa problemática.
Da mesma forma que só após a segunda guerra mundial não se pode mais falar em assassinatos e extermínios em massas, sem a devida adjetivação, como foi o genocidio do povo judeu pelos nazifacistas, não podemos pensar em descrever a atual situação de vulnerabilidade vital em que se encontra os negros e jovens negros em particular, sem apontar a existência do racismo e do racismo institucional a ela subjacente. A razão disso tudo é muito simples, racismo, racismo institucional e genocídio não são apenas palavras que descrevem fenômenos sociais. São acepções de categorias de análise transversais às dimensões sociais, econômicas e, principalmente, políticas. São conceitos fundamentais para o conhecimento da realidade dos complexos fenômenos sociais e instrumentos para implementação de políticas públicas e outras intervenções institucionais.
A rigor, a apresentação sistemática dos dados sobre a mortalidade da juventude negra é um nervo exposto para uma sociedade cuja a sensibilidade a dor – ou pelo menos a aparente sensação de dor, para alguns – aumenta proporcionalmente ao empoderamento ou a ampliação da garantia de direitos dos grupos mais vulneráveis da população, que vem ocorrendo no Brasil nos últimos anos, fruto de uma ação organizada, intensa e incansável dos movimentos sociais. Aqui na Bahia, por exemplo, podemos destacar o período 2007 – 2014 quando foi feito o maior arranjo institucional em prol do combate ao racismo, todas as formas de intolerância e pela igualdade articulado pelo movimento negro em interação com o poder público estadual.
Significa dizer que a criação da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial e o fortalecimento dos arranjos instrucionais de suporte a suas políticas, como o Estatuto da Igualdade Racial e de Combate a Intolerância Religiosa, equivale, em termos formais e locais, a uma releitura da nossa Carta Cidadã de 1988, no que diz respeito ao combate ao racismo e a garantia de direitos. O Estatuto Baiano, transformou o Estado da Bahia em única unidade da federação que possui um diploma legal que possui um microssistema jurídico que articula, as noções de racismo e racismo institucional enquanto categorias de análise para intervenção institucional, no âmbito das políticas públicas de combate ao racismo.
Além disso, ao associarmos esse microssistema, aos demais dispositivos do Estatuto, podemos verificar a sua dimensão estratégica e política para as reais possibilidade operativas das ações necessárias ao combate ao genocídio do povo negro e de nossa juventude negra em particular. Ou seja, se considerarmos o estado da arte dos arranjos institucionais para combater o racismo, o racismo institucional e o genocídio do povo negro brasileiro, os tempos de formulação de políticas, estabelecimento de “protocolos de intenções”, já se foram. Nos dias de hoje, a pedra fundamental para solucionar, concretamente, essas questões, está na gestão eficaz e efetiva da política e das políticas públicas e cuja consolidação e sustentabilidade institucional só serão possíveis a partir de ações concretas e articuladas dentro do aparelho do estado, seus respectivos órgãos de controle social e a sociedade civil como um todo.
Não é preciso reinventar a roda! O que precisamos agora é termos agentes políticos e públicos, gestores e lideranças com a devida capacidade para saber fazer o uso mais eficiente de seus instrumentos de poder para fazer valer esse novo paradigma.