Elias de Oliveira Sampaio

Políticas Públicas

Economista do Ministério da Economia. Mestre em Economia e Doutor em Administração Pública pela UFBA. Autor de diversos trabalhos acadêmicos e científicos, dentre eles o livro Política, Economia e Questões Raciais publicado - A Conjuntura e os Pontos Fora da Curva, 2014 a 2016 (2017) e Dialogando com Celso Furtado - Ensaios Sobre a Questão da Mão de Obra, O Subdesenvolvimento e as Desigualdades Raciais na Formação Econômica do Brasil (2019). Foi Secretário Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e Diretor-presidente da Companhia de Processamento de Dados do Estado da Bahia (Prodeb), Subsecretário Municipal da Secretaria da Reparação de Salvador (Semur), Pesquisador Visitante do Departamento de Planejamento Urbano da Luskin Escola de Negócios Públicos da Universidade da Califó ;rnia em Los Angeles (UCLA), Professor Visitante do Mestrado em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Professor, Coordenador do Curso de Ciências Econômicas e de Pesquisa e Pós-Graduação do Instituto de Educação Superior Unyahna de Salvador.

29 de janeiro não é dia de festa no mar!

Amanhã, 29, a prefeitura de Salvador inaugurará a sua versão de qualificação do bairro do Rio Vermelho. Acho que não será um bom presente para a Rainha do Mar. Nasci no bairro há 48 anos. Fiz meu jardim de infância na Escola Oswaldo Cruz. Estudei 1º grau no Colégio Alfredo Magalhães que funcionava originalmente onde hoje é a churrascaria Fogo de Chão e que foi, por muito tempo, o cineteatro Maria Bethânia. O conclui na Escola Euricles de Matos. Assisti meu primeiro filme em tela grande no antigo cine Rio Vermelho. Era a primeira versão de “Jack o matador de gigantes”.

Morei e estudei a maior parte da minha vida na região. Na infância, entre o vale das pedrinhas, as praias de Amaralina e de “detrás da fábrica”, hoje chamada de praia do buracão. Fiz a faculdade na Católica da Federação e tinha que passar todos os dias pelo largo de Dinha, subindo a cardeal da silva vindo do polo de Camaçari. Já adulto, morei na rua Fonte do Boi, ainda na época da mansão e dos ensaios da Timbalada/Carlinhos Brawn. Em seguida me mudei para a Almirante Barroso, rua do antigo vagão, em pequeno apartamento todo voltado para o mar e de lá via a Igrejinha, a Igreja e a Colônia de Pescadores de onde sai o presente. Por todo o período que lá morei Eu era sempre o primeiro a “salvar Iemanjá”.

Fui um dos primeiros clientes do restaurante de Dinha do Acarajé e, nos últimos quinze anos estive presente em todas as versões da feijoada feita pela minha saudosa amiga, competentemente mantida, após a sua morte, por Tinho, Elaine e Cláudia, para reunir os amigos no dia de levar o presente à Rainha das Águas. Frequentei a Taverna do Francês e vi o Extudo gerar o Pós-Tudo que gerou o Buteco do França que gerou a Confraria. Também não perdi nenhum dos ensaios de Lazzo Matumbi no Portela Café. Hoje, mesmo morando um pouco mais distante, vejo da minha varanda, o quase ex-Hotel Pestana que vi “nascer” Le Meridién e, por trás dele, o azul inigualável do mar Iemanjá.

Vivi e vivo em todos os cantos do boêmio, charmoso e cultural bairro de Salvador. Para além de toda e qualquer responsabilidade como cidadão e ator político da cidade, amo o Rio Vermelho como o amava Jorge Amado, seu mais ilustre morador. Ele é uma das demonstrações mais inequívocas daquilo que Mílton Santos chamou de “Lugar” enquanto dimensão do cotidiano e da vivência das pessoas no espaço urbano: tem alma, tem personalidade e todo um sentido simbólico, pessoal e coletivo, por que ser humano vive e mora nele, antes de qualquer coisa.

Por isso, não temos dúvidas em afirmar que o que foi feito pelo governo da cidade sob o pretexto da requalificação do bairro, foi na verdade, uma profunda desqualificação! Retirou daquela região uma das suas principais características que era a espontaneidade das coisas acontecerem, se estabelecerem e se reestabelecerem, num processo contínuo que envolve a sua parte “nobre”, mas também, as suas zonas mais populares a exemplo da Vila Matos e a Chapada. De lambuja, trará uma externalidade muito negativa para todo o trânsito da região, visto que o modelo de intervenção reduz, necessariamente, a velocidade média do local para os veículos automotores.

Seguindo a lógica do ferro, do cimento e do vidro, que tem caracterizado suas intervenções, o governo municipal está querendo transformar vários de nossos Lugares em Não Lugares. Barra, Itapuã, Jardim de Alah e Rio Vermelho, são os exemplos mais proeminentes, mas, o mesmo pode ser dito dos casos da orla da cidade baixa e dos bairros do subúrbio ferroviário. Lá, a situação é ainda mais complexa porque para além da “requalificação” pode-se questionar o que tem sido feito em termos dos serviços públicos de saneamento, transporte, limpeza e iluminação, os quais, via de regra, são relegados a segundo plano nessas intervenções.

Portanto, não é razoável, sob qualquer ponto de vista, imaginar que um conceito que poderia ser utilizado pontualmente ou em combinação com história dos espaços locais, possa ser enfatizados em bairros como Rio Vermelho e Itapuã, exemplos inequívocos de um modelo de convivência urbana e cultual muito particulares. Perguntamos, para ilustrar, qual a agregação de valor urbanístico, paisagístico ou de qualquer ordem, para a cultura e vivência local, o falso mirante de ferro e concreto feito na praia da sereia de Itapuã e as horrorosas barracas de Placafor e Piatã? Ou, ainda mais grave, qual a verdadeira razão de se alterar toda o conceito das barracas do histórico mercado do peixe do Rio Vermelho?

Não existe uma explicação plausível para os moradores, frequentadores e “turistas” que vivem nesses, e desses, locais. A impressão que nos passa é de que além de uma total falta de conhecimento sobre o ethos desses lugares, concorrem outros interesses que tem motivado todas essas transformações, por parte de seus propositores e respectivos homologadores. O caso das barracas de vidro é extremamente emblemático: são feias, disfuncionais e não resguardam nenhuma relação com algo que sugira, sequer, fazer parte da paisagem real e imaginária de cidade de Salvador.

São verdadeiras representações de invertebrados gasosos cuja única função deva ser a melhor visualização das marcas de cerveja, para os quais, o espaço público da cidade está sendo vendido de forma cínica e a revelia de seus cidadãos, especialmente, nas festas populares. Infelizmente, a responsabilidade por tudo isso não é apenas dos “cerebroszinhos” do nível municipal de governo. Em igual ou maior grau de responsabilidade, estão os fidalgos e fidalgas gestores dos outros níveis de governo, bem como os opositores do prefeito no município que, tendo sob seus domínios responsabilidades concorrentes sobre essas transformações urbanas, são omissos ou permanecem equivocados na abordagem dessa problemática para a cidade.

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