Karla Borges

Economia

Professora de Direito Tributário, graduada em Administração de Empresas (UFBA) e Direito (FDJ) ,Pós-Graduada em Administração Tributária (UEFS), Direito Tributário, Direito Tributário Municipal (UFBA), Economia Tributária (George Washington University) e Especialista em Cadastro pelo Instituto de Estudios Fiscales de Madrid.

A Peça da Denúncia

A denúncia apresentada ao Presidente da Câmara dos Deputados em face da Presidente da República requer que seja decretada a perda do seu cargo, bem como a sua inabilitação para o exercício de função pública pelo prazo de cinco anos por suposta prática de crime de responsabilidade. Na realidade, o processo objetiva tirar do poder a Chefe do Executivo eleita democraticamente pelo povo brasileiro.

Os fatos narrados referem-se à crise instalada no país e a eventuais irregularidades ocorridas na campanha de reeleição da presidente, motivo pelo qual teria ensejado o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a reabrir o julgamento das suas contas, assim como estimulado o Tribunal de Contas da União (TCU) a ensejar violações à Lei de Responsabilidade Fiscal. O ponto mais relevante apresentado diz respeito às “pedaladas” fiscais, embora tenha havido uma verdadeira dissertação pessoal sobre os últimos acontecimentos no Brasil, principalmente sobre a operação Lava Jato.

A discricionariedade é tão latente que à fl.09, os peticionantes atestam que “existe a tese de que nada haveria contra a Presidente da República”, no entanto alegam que não é possível falar em mera coincidência, ou falta de sorte. Fica patente que eles não apresentam nenhuma prova concreta, apenas meras suposições ou achismos, aduzindo que fatos anteriores ao exercício da presidência também seriam relevantes. Na fl.11, afirmam que “tudo indica ter a denunciada agido com dolo”. Suposições abstratas seriam suficientes para dar prosseguimento a um processo dessa natureza?

Não se trata de ideologia partidária ou corrente política, trata-se do direito positivo brasileiro que não pode ser ferido ou maculado por manifestações calorosas e apaixonadas daqueles que querem a todo custo destituir a presidente do exercício das suas funções. Existe um regramento constitucional que precisa ser respeitado. Os princípios do Estado Democrático de Direito devem ser exigidos e observados. Inclusive, parte da tipicidade do pedido já foi rejeitada por falta de amparo, mantendo a salvo apenas as “pedaladas” de 2015.

Ainda que tenha ocorrido a reeleição da Presidente da República para mandato subsequente, jamais poderia haver responsabilização por ato praticado no exercício da função em mandato anterior, pois assim reza a Constituição Federal (CF). Ademais, o impeachment, do ponto de vista jurídico, traduz-se em crime de responsabilidade por infração político-administrativa. O Legislativo não está autorizado a adotar critérios alheios aos presentes na ordem jurídica. Os pressupostos jurídicos previstos na CF são indispensáveis para sua concretização. Faz-se necessário provar que houve efetivamente crime de responsabilidade, ou seja, prática de conduta disposta na lei com existência de dolo em razão do exercício de função pública.

Seria preciso ficar comprovado o cometimento direto do ato para que houvesse a condenação com a perda do mandato. A mera antipatia ou insatisfação com a Presidente não são suficientes para tirá-la do poder, ainda que não se aprove a sua forma de governar. Houve crime doloso? “Pedalada” fiscal é uma ação administrativa praticada por todos os governos: federal, estaduais e municipais. Se num determinado mês houver mais gastos do que os recursos existentes, a instituição bancária realiza o pagamento e o governo paga os juros. Assim como, se os depósitos realizados pelo governo forem maiores do que os gastos, a instituição é quem paga juros ao governo. Nessa equação anual o governo federal foi credor em 2014.

Imperioso é fazer cumprir a Carta Magna, a lei vigente e os princípios norteadores de uma verdadeira República. Só haveria previsão para o impeachment, se a peça tivesse apresentado os requisitos exigidos no artigo 85 da Carta Maior que caracterizassem a prática efetiva de crime de responsabilidade. Os argumentos, embora criativos, são vagos e não específicos. Do ponto de vista legal, dificilmente essa ação terá êxito. Justiça se faz com coragem, mas mediante a obediência de princípios democráticos!

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