Adriano Peixoto

Relações de Trabalho

Adriano de Lemos Alves Peixoto é PHD, administrador e psicólogo, mestre em Administração pela UFBA e Doutor em Psicologia pelo Instituto de Psicologia do Trabalho da Universidade de Sheffiel (Inglaterra). Atualmente é pesquisador de pós-doutorado associado ao Instituto de Psicologia da UFBA e escreve para o Política Livre às quintas-feiras.

A Psicologia e o Copiloto

O desastre com o avião da Germanwings, na semana passada, provocou intenso debate sobre as razões que estariam por trás da ação do copiloto acusado de ter deliberadamente conduzido a aeronave para o desastre, matando cento e cinquenta pessoas. Descartado o terrorismo, os olhares se voltaram rapidamente para as características individuais do copiloto, Andreas, que teve sua vida devassada nos mínimos detalhes. Rapidamente surgiram notícias dando conta de um histórico de depressão, do rompimento de um namoro e de problemas de visão que foram sendo insinuados como possíveis causas explicativas para a tragédia.

No campo psicológico a voz mais audível foi aquela que se levantou em defesa das pessoas com depressão, alertando contra o perigo de estigmatização por generalização. Afinal, a depressão não significa, necessariamente, um impulso suicida. Entretanto, acompanhando debate sobre o desastre cheguei à conclusão de que dois temas importantes na psicologia estavam sistematicamente ausentes dessa discussão: as consequências do stress associado ao trabalho que, sim, pode levar ao suicídio; e a validade das avaliações psicológicas nos processos seletivos como forma de identificação e prevenção de comportamentos violentos/agressivos no trabalho em ocupações de alto risco e stress, como a de pilotos e policiais.

O ponto de partida para se tentar entender a questão deve ser a resposta à seguinte pergunta: por que ele escolheu se matar no trabalho? Por que não pulou da ponte, não cortou os pulsos, não tomou chumbinho, ou não estourou os miolos na tranquilidade do seu lar ou em um terreno baldio qualquer de sua cidade? O suicídio não foi um ato impulsivo, ele foi pensado. Uma matéria no site da BBC esta semana informa que no laptop do copiloto existem várias pesquisas sobre o suicídio. O que ele quis declarar com seu ato?

Um segundo ponto de reflexão deve se debruçar sobre a questão da centralidade do trabalho na vida do copiloto. O que representava voar para ele? Que lugar isso ocupava em sua vida? A resposta a esta questão ajuda a colocar em perspectiva o impacto que o problema de visão, que o impediria de voar e que ele escondeu da empresa, teve em sua vida.

Uma terceira questão, esta diretamente relacionada ao ponto que levantei acima, diz respeito ao trabalho propriamente dito em uma empresa aérea de baixo custo, como insistentemente mencionado, mas muito pouco explorado na imprensa. Uma das características da operação deste tipo de companhia é o uso intensivo (stress) do equipamento e da tripulação como estratégia de redução de custos. Na irlandesa Ryanair, por exemplo, o tempo em solo da aeronave é de, no máximo, vinte minutos com a finalidade de maximizar o tempo em voo, o que aumenta o número de aterrissagens e decolagens feitas em um dia por uma mesma tripulação.

Essa intensificação do trabalho leva o avião a não parar nos fingers e ao embarque e desembarque serem feitos pelas duas portas ao mesmo tempo, pois é mais rápido. E não existem serviços de bordo, o que leva a uma redução do tamanho da tripulação que agora precisa desempenhar uma série de tarefas que normalmente não estão sob sua responsabilidade em empresas tradicionais. Assim, devemos refletir sobre os impactos emocionais (stress) que este tipo de trabalho tinha sobre o copiloto que já apresentava um histórico de problema mental.

Quando nós nos debruçamos sobre os fatores descritos acima, vemos que é bastante plausível que o trabalho tenha
oferecido ao contexto determinante para o agravamento de um eventual distúrbio que teve um trágico desfecho. A solução apresentada pelas empresas aéreas, duas pessoas na cabine, evita a porta trancada, mas não enfrenta o problema da organização do trabalho e seu impacto na saúde mental do trabalhador. Temos, assim, um paliativo e não uma solução! Assim, resta responder por que a avalição psicológica não foi capaz de detectar o distúrbio e prevenir o acidente. Bem, isso fica para semana que vem!

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