Karla Borges

Economia

Professora de Direito Tributário, graduada em Administração de Empresas (UFBA) e Direito (FDJ) ,Pós-Graduada em Administração Tributária (UEFS), Direito Tributário, Direito Tributário Municipal (UFBA), Economia Tributária (George Washington University) e Especialista em Cadastro pelo Instituto de Estudios Fiscales de Madrid.

Ainda há ingênuos que possuem CNPJ

A ingenuidade reina no rol daqueles que pensam que o projeto de lei de terceirização foi proposto com o objetivo de regulamentar ou dar uma nova interpretação a atividade-fim das empresas. Não se pode olvidar que o PL 4330 é de 2004 e foi desarquivado esse ano pela Câmara dos Deputados, cuja composição é a mais conservadora desde 1964. Além disso, antigos projetos estão sendo desengavetados em razão dessa política monárquica que insiste em afetar os avanços sociais dos últimos tempos, ferindo de morte à Constituição Federal brasileira.

A resistência à abolição da escravatura pelos grandes latifundiários que à época defendiam à escravidão, visava preservá-los do prejuízo econômico pela falta de indenização advinda da liberdade a ser concedida. Capital e trabalho sempre caminharam associados e as conquistas sociais incomodaram muito pela imposição de limites ao capitalismo desenfreado. Não seria interessante que todo empresário brasileiro pudesse permitir que seu filho trabalhasse como terceirizado? Certamente teria oportunidade de ouvir as percepções sobre as diferenças entre ele e o empregado direto.

A terceirização, sem dúvida, estimula a exploração da força de trabalho em condições semelhantes à da escravidão com o objetivo de acabar com qualquer vínculo empregatício que redunde em direitos do trabalhador. Essa afirmação gravíssima pode ser comprovada através de dados e pesquisas que têm sido apresentados nas audiências públicas realizadas em diversos Estados sobre o projeto em tramitação, assim como o alto índice de acidentes e mortes envolvendo terceirizados se comparado aos demais trabalhadores.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) no último Relatório Mundial publicou que há um enorme vínculo entre a pobreza e o trabalho infantil. Já no Brasil existe um verdadeiro estímulo à exploração de crianças e adolescentes. Recentemente, o presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Lorival Ferreira dos Santos, numa entrevista confidenciou que começou a trabalhar cedo, aos 12 anos, para ajudar a família. “O mote era: é melhor trabalhar do que estar na rua”. Depois de 29 anos dedicados à Justiça do Trabalho, ele concluiu que a afirmativa deveria ser outra: “É melhor estudar, é melhor brincar. Uma criança sadia e que estudou, não será o criminoso de amanhã.”

Objetivamente, a terceirização aniquila o conceito de relação de trabalho previsto na Carta Magna e na CLT, reduz salários, fragiliza os vínculos, estimula a rotatividade, aumenta os acidentes e as doenças, potencializa a discriminação no ambiente profissional, favorece o assédio moral, além de fragmentar a organização sindical. Se os trabalhadores são contratados por uma empresa, mas prestam serviços à outra, como conceder melhores salários ou bônus aqueles que têm melhor desempenho se o seu empregador sequer conhece a sua produção por ser um mero intermediário de mão-de-obra? Não há lógica!

Infelizmente o meio empresarial ainda não percebeu a enorme conta que será paga por ele caso esse projeto de lei venha a obter êxito na forma como foi concebido. Não é à toa que boa parte dos magistrados e estudiosos o rechaçam e não teriam o menor problema em condenar a empresa contratante a arcar com as penalidades previstas em lei constatada a ilicitude da terceirização. O prejuízo poderá ser bem maior, mas a avidez por exorbitantes lucros e redução de custos às expensas do suor e sacrifício do pobre trabalhador brasileiro vedam os olhos dos empreendedores. Um representante da CUT, durante um dos debates sobre a terceirização exclamou: “Não nos esqueçamos que a grande maioria dos nossos parlamentares, assim como nossos ministros, possuem CNPJ. ”

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