Elias de Oliveira Sampaio

Políticas Públicas

Economista do Ministério da Economia. Mestre em Economia e Doutor em Administração Pública pela UFBA. Autor de diversos trabalhos acadêmicos e científicos, dentre eles o livro Política, Economia e Questões Raciais publicado - A Conjuntura e os Pontos Fora da Curva, 2014 a 2016 (2017) e Dialogando com Celso Furtado - Ensaios Sobre a Questão da Mão de Obra, O Subdesenvolvimento e as Desigualdades Raciais na Formação Econômica do Brasil (2019). Foi Secretário Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e Diretor-presidente da Companhia de Processamento de Dados do Estado da Bahia (Prodeb), Subsecretário Municipal da Secretaria da Reparação de Salvador (Semur), Pesquisador Visitante do Departamento de Planejamento Urbano da Luskin Escola de Negócios Públicos da Universidade da Califó ;rnia em Los Angeles (UCLA), Professor Visitante do Mestrado em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Professor, Coordenador do Curso de Ciências Econômicas e de Pesquisa e Pós-Graduação do Instituto de Educação Superior Unyahna de Salvador.

Atiraram a Primeira Pedra!

Não há como passar despercebido o ato de violência extrema sofriada por uma criança de apenas 11 anos, nesta semana, no Rio de Janeiro, única e exclusivamente, por estar devidamente vestida de branco, trajada como uma recente praticante da religião do Candomblé. O que nos preocupa é que esse fato poderia acontecer em qualquer um dos estados da federação onde a Religião dos Orixás, Inquices e Voduns é praticada, em maior ou menor escala, mas que na grande maioria dos casos sofrem as mais diversas formas de intolerância.

Sabemos que historicamente o Povo de Santo tem sentido na pele o racismo e a intolerância religiosa tanto por manifestações institucionais, quanto em manifestações de pessoas que na maioria das vezes, professando um outro credo, partem para todos os tipos de agressão e crimes, atentando contra o direito constitucional de credo e culto. Apesar da Carta Cidadã de 1988 e inúmeros outros dispositivos legais que proíbem atos dessa natureza, infelizmente, existe no Brasil líderes religiosos/políticos, de algumas denominações que se autoproclamam cristãs, mas que praticam crimes de racismo e intolerância religiosa pessoalmente e através da incitação de seus fiéis de forma direta ou publicamente através de poderosos meios de comunicação de massa, inclusive, concessões públicas o que é totalmente ilegal.

Por mais experiência que tenhamos no debate sobre essa questão, o que nos causa espécie em episódios como esse é que para além do crime, puro e simples, que deve ser punido com todo o rigor que a lei possa nos permitir, é que atentados como esse não ferem apenas as pessoas que são diretamente atingidas ou vítimas de verdadeiros atentados contra suas vidas. Muitos de nós ainda não se deram conta de que a tentativa de assassinato através de uma pedrada na cabeça daquela criança de apenas onze anos, é um atentado a todo o povo brasileiro, através de um ato de violência contra uma representação social que sintetiza um legado civilizatório que remonta histórias da sociedade humana que precede a era cristã!

Com a permissão dos Poetas Baianos, o povo negro e sua mais genuína Religião faz parte da alma do povo brasileiro, por mais que muitos a neguem, a reneguem e a violente. Não temos a ilusão, nem a ingenuidade, de imaginar que muito da passividade de parte significativa da população sobre atos dessa natureza, também são movidos pelo ódio, pelo racismo e pela intolerância, que ainda se mantém tacitamente em muito de nossas práticas cotidianas. No entanto, não podemos deixar de registrar com a maior ênfase possível é que a ação desses verdadeiros animais irracionais, além de crime, demonstra uma total ignorância perante a ciência, a história e um golpe frontal ao estado democrático de direito em que vivemos.

Não existe mais espaço político no Brasil para que não seja assumido da forma mais ampla possível que o papel dos negros trazidos de áfrica, em sua completude, inclusive a religiosa, foi determinante para nossa formação social, econômica e política. No caso especifico da religião dos Orixás, Inquices e Voduns, não há ninguém que possa questionar, de maneira intelectualmente honesta, o papel fundamental por ela exercido no que refere a verdadeira história do Povo Negro no Brasil.

O candomblé foi a primeira, e tem sido a mais longeva forma de resistência contra o racismo e todas as formas de intolerância, desde quando os africanos escravizados chegaram ao Brasil, se constituindo numa fonte inesgotável de conhecimento cujo conteúdo ainda não pode ser suplantado por nenhuma cátedra acadêmica conhecida até então. Da mesma forma, não há nenhuma organização negra – mesmo aquelas que se organizam em outras bases religiosas ou filosóficas – ou mesmo agentes políticos e públicos que discutem de forma séria a questão racial, que não deva a Religião dos Orixás as réguas e os compassos constitutivos de suas próprias lutas e argumentações pela promoção da igualdade e contra o racismo.

Não fossem os as lideranças religiosas das diversas Nações e os seus filhos, filhas de santo, frequentadores e simpatizantes de suas Casas, o marco zero da existência dos Negros no Brasil seria a condição de escravos e não de seres humanos que foram brutalmente escravizados, apesar de detentores de uma história e de uma cultura milenar, que muito nos orgulha, e que é parte integrante, insubstituível e profundamente importante do ethos da sociedade brasileira, quer queiram ou não, os racistas, os intolerantes, os burros e os criminosos de plantão.

Esse caso, como diversos outros que vem ocorrendo cada vez mais de forma acintosa no Brasil, e na Bahia em particular, só ilustra de maneira inequívoca, a importância que todo o trabalho feito nos últimos anos pelos movimentos sociais negros no que se refere a institucionalização de políticas de promoção da igualdade racial e de combate ao racismo e a intolerância religiosa. Tais iniciativas, a despeito de ainda insuficientes, vem sendo fundamentais para que situações como essa não passem desapercebidas quanto ao seu aspecto mais hediondo.

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