Elias de Oliveira Sampaio

Políticas Públicas

Economista do Ministério da Economia. Mestre em Economia e Doutor em Administração Pública pela UFBA. Autor de diversos trabalhos acadêmicos e científicos, dentre eles o livro Política, Economia e Questões Raciais publicado - A Conjuntura e os Pontos Fora da Curva, 2014 a 2016 (2017) e Dialogando com Celso Furtado - Ensaios Sobre a Questão da Mão de Obra, O Subdesenvolvimento e as Desigualdades Raciais na Formação Econômica do Brasil (2019). Foi Secretário Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e Diretor-presidente da Companhia de Processamento de Dados do Estado da Bahia (Prodeb), Subsecretário Municipal da Secretaria da Reparação de Salvador (Semur), Pesquisador Visitante do Departamento de Planejamento Urbano da Luskin Escola de Negócios Públicos da Universidade da Califó ;rnia em Los Angeles (UCLA), Professor Visitante do Mestrado em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Professor, Coordenador do Curso de Ciências Econômicas e de Pesquisa e Pós-Graduação do Instituto de Educação Superior Unyahna de Salvador.

Brazilian Boys

Desde o inicio da nova república até hoje a política macroeconômica brasileira já foi dirigida por 16 ministros. Em média tivemos um novo ministro responsável pela área a cada dois anos de governo nos últimos trinta anos, especialmente, nos governos de Sarney, Collor e Itamar. Na gestão do curioso Itamar, contudo, é estabelecido um ponto de inflexão nessa trajetória. Mesmo depois dos primeiros cambaleantes quatro meses de governo, ele nomeia Fernando Henrique Cardoso para chefiar o ministério da fazenda. Surge o plano real e o modelo de estabilização monetária de mais sucesso que país já teve nas últimas décadas.

Dois fatos cabem destaque nesse período. O primeiro deles é que a grande tarefa de FHC à frente da pasta foi coordenar uma grande equipe formada por alguns dos mais importantes economistas da época, especialistas em economia brasileira, que vinham “burilando” as questões relacionadas a inflação e o desenvolvimento desde a década de 1970, participando dos mais profundos debates sobre a nossa macroeconomia nos centros de estudos nacionais de ensino e pesquisa.

A política macroeconômica estabelecida pelo plano real não foi fruto de uma solução de prateleira importada, ou mérito de um iluminado escolhido por Deus. Ao contrário, após os sucessivos fracassos teóricos e operacionais dos planos de estabilização anteriores, principalmente o cruzado de Sarney e confisco de Collor, o Brasil experimentou uma inovação técnica no campo econômico, convergente com uma perspectiva do projeto político subjacente a noção de social-democracia tupiniquim vinda das bandas de São Paulo.

O segundo aspecto a ser destacado é que a partir do plano real, a manutenção do modelo de política macroeconômica passa a ser a condição necessária para a escolha do agente político responsável pela sua condução e não o contrário, como visto anteriormente. Não por coincidência, os dois ministros que sucederam FHC, Rubens Ricúpero e Ciro Gomes, foram simples pilotos de um grande avião ultra-automatizado, seguidores intransigentes de um mapa de voo ideologicamente hermético.

A partir da presidência de FHC, a longevidade dos ministros da fazenda torna-se uma espécie de indicador de estabilidade macroeconômica e, por extensão, da macropolítica. A despeito das enormes guerras que foram travadas entre governo e a oposição, liderada pelo Partido dos Trabalhadores e de centro-esquerda, o plano real foi o principal instrumento para a manutenção do projeto político (1995/2002), mas, engana-se quem imagina que a fonte de força da manutenção daquele status quo fora emanada apenas do ministério da fazenda do mais longevo (oito anos) dirigente da pasta, até então: Pedro Sampaio Malan.

O sucesso do “Malanismo” se deu pelo simples fato de existir aderência, consistência e alinhamento entre as políticas macroeconômicas e um cardápio de intervenção, político-institucional estabelecido pelo governo. Havia uma profunda convergência ideológica entre as tarefas a serem desempenhadas pelos operadores técnicos (políticos) e políticos (técnicos) do aparelho de estado e suas respectivas sustentações correlatas na sociedade civil e na sociedade política.

Do lado oposto desse espectro socioeconômico e político, essa foi a mesma lógica que se estabeleceu no país a partir do governo Lula e do primeiro mandato da Presidenta Dilma. Tanto Antonio Palocci que exerceu esse papel nos primeiros três anos do Governo Lula, operando, inclusive, um profundo ajuste macroeconômico; quanto Guido Mantega que liderou o ministério da fazenda por nove anos, possuíam além das ferramentas de natureza técnica – naturais a um ex-prefeito de uma das mais importantes e ricas cidades do país (Palocci) e um dos mais lidos autores de economia política brasileria dos últimos quarenta anos no Brasil (Mantega) – o total pertencimento ao conteúdo institucional e ideológico que sustentava o genuíno projeto político do governo e dos partidos de centro-esquerda que lhes davam sustentação, em particular, o PT. Percebe-se, nos últimos meses, ares de mudanças nesse contexto.

Diferentemente do que vem sendo acusada a longeva gestão Guido Mantega, no que se refere aos efeitos da chamada mudança na matriz econômica como principal causa para o presente momento de crise, cabe-nos registrar – a despeito da concretude dos problemas atuais da economia – que foi apenas devido as mudanças implementadas no modelo macroeconômico e de políticas setoriais de desenvolvimento a partir de 2003, que o Brasil experimentou doze anos consecutivos de crescimento moderado da economia e estabilidade da moeda, em um ambiente de democracia e de fortalecimento institucional. Por isso, os ajustes necessários à saída da presente crise econômica e política não podem servir de motivação para um distanciamento, maior que o necessário, dos reais objetivos que fizeram que muitos brasileiros elegessem por quatro vezes consecutivas um projeto político de base popular e democrática. Não custa lembrar: banhar as crianças é sempre necessário; jogá-las fora junto com a água do banho, jamais!

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