Elias de Oliveira Sampaio

Políticas Públicas

Economista do Ministério da Economia. Mestre em Economia e Doutor em Administração Pública pela UFBA. Autor de diversos trabalhos acadêmicos e científicos, dentre eles o livro Política, Economia e Questões Raciais publicado - A Conjuntura e os Pontos Fora da Curva, 2014 a 2016 (2017) e Dialogando com Celso Furtado - Ensaios Sobre a Questão da Mão de Obra, O Subdesenvolvimento e as Desigualdades Raciais na Formação Econômica do Brasil (2019). Foi Secretário Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e Diretor-presidente da Companhia de Processamento de Dados do Estado da Bahia (Prodeb), Subsecretário Municipal da Secretaria da Reparação de Salvador (Semur), Pesquisador Visitante do Departamento de Planejamento Urbano da Luskin Escola de Negócios Públicos da Universidade da Califó ;rnia em Los Angeles (UCLA), Professor Visitante do Mestrado em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Professor, Coordenador do Curso de Ciências Econômicas e de Pesquisa e Pós-Graduação do Instituto de Educação Superior Unyahna de Salvador.

Ex-ante e Ex-post

A abertura do processo de impeachment contra a presidenta Dilma, decidida pelo senado e o seu consequente afastamento do poder por até 180 dias é, sem sobre de dúvidas, as primeiras páginas do epílogo de uma história que  não remonta apenas os treze anos que o PT e seus aliados passaram no poder, mas sim, o fim de uma etapa muito importante da evolução de nossa sociedade desde a resistência à ditadura militar dos anos de 1960, o seu declínio a partir do final dos anos de 1970 e os 40 anos seguintes de nosso recente processo de redemocratização.

Engana-se quem pensa que derrotados foram apenas o PT, o governo, Lula, Dilma e demais partidos de esquerda. Foram derrotadas todas as forças políticas que tinham, nesses atores e instrumentos políticos, a síntese de tudo que se fez para a consolidação e sustentabilidade da jovem e espasmódica democracia brasileira, posto que a possibilidade de retorno de Dilma após o julgamento é praticamente nula. Somente os votos obtidos na sessão de admissibilidade foram mais do que suficiente para a deposição da Presidenta, caso fosse o julgamento final. Mesmo não sendo, conformando os votos dos partidos e as suas respectivas representações no ministério do presidente em exercício, soma-se exatamente os 2/3 dos votos necessários ao impeachment, mesmo descontando as ausências e os votos de partidos que não foram 100% a favor do relatório do Senador Antônio Anastasia. Portanto, a favor do retorno de  Dilma, do PT e dos aliados, só o acaso.

Por isso, é necessário que após essa batalha, os derrotados se voltem para concretude da realidade e a devida estruturação racional dos desafios que deverão ser enfrentados daqui para frente sob pena de não conseguirem, sequer, permanecerem preparados para tentar garantir vitórias futuras. Palavras de ordem e discursos, por mais robustos, verossímeis e importantes que sejam, possuem limites muito bem definidos quando são feitos longe das multidões nos espaços controlados por interesses  e afinidade ideológica. Até mesmo os mais crentes e aguerridos militantes são obrigados a enfrentar o imperativo da realidade quando instados a resolver os seus problemas do dia a dia, independente e apesar de suas escolhas políticas.

Dias estes que deverão ser muitos difíceis para aqueles que vieram até aqui fazendo o enfrentamento social, politico e institucional para evitar o desfecho inimaginável desses treze anos do Partido dos trabalhadores no poder no fatídico 12 de maio de 2016. O fato é que “os inimigos estão no poder” e o momento agora é de um refluxo conservador e reacionário, vide, em primeira mão, o retrato para a posteridade da “famiglia” Temer: homens brancos comprometidos com tudo o que há de mais retrógrado na política e na sociedade brasileira e/ou defensores, em primeira instância, dos interesses do capital paulista e do centro-sul do Brasil e suas interconexões internacionais.

Tal como os filmes de super-heróis norte-americanos, o principal objetivo desse governo não é o de transformar o mundo para a melhoria de todos, mas sim, salvar o seu próprio mundo para garantir que não haja mais nenhuma modificação no status quo. A agenda prioritária deste governo interino de Michel Temer é reconstruir o ambiente de negócios que volte a propiciar aos grandes detentores do capital uma readequação de suas expectativas em relação aos seus interesses econômicos e se, como externalidade positiva, trouxer alguma sensação de bem-estar material mais geral, a sua entrega aos patrocinadores das tramas que o levaram ao poder estará cem por cento calibrada de acordo com a sua visão de mundo e de seus apoiadores na sociedade.

Por outro lado, por mais duro que seja, é preciso admitir que diante de todos os desenhos políticos institucionais que foram feitos pelo governo do PT e de seus aliados em prol da garantia de direitos e de combate a todas as formas de intolerância e a garantia de representatividade das chamadas minorias à frente de importantes organismos do aparelho de estado deveria haver milhões de pessoas ao redor de Dilma e de seu staff no momento de sua saída do Palácio do Planalto, mesmo porque, são esses atores e agentes sociais e econômicos os que mais perderam com a derrocada do governo, do PT e do projeto político que eles representavam. Infelizmente não foi isso que pudemos perceber.

Significa dizer que a inexorável materialidade da história não é algo a ser desconsiderado. Boa parte da masculinidade branca desse governo interino, que está sendo tão fortemente criticada, era também parte importante e muito simbólica dos governos Lula e Dilma. Henrique Meireles, ministro da Fazenda e hoje homem forte de Temer, foi também o homem forte dos dois governos Lula, mesmo tendo sido eleito deputado federal pelo PSDB em 2002. Leonardo Picciani do PMDB do RJ, atual ministro dos esportes, foi uma das maiores apostas feitas pelo governo Dilma, inclusive à revelia do próprio Temer, para a coordenação política na câmara dos deputados no seu breve segundo governo.

Além de tudo isso, não podemos deixar de considerar que algumas das mais importantes lideranças femininas, detentoras de votos e mandatos do Partido dos Trabalhadores, foram sendo deixadas pelo caminho em nome de alianças, acordos, discursos e até mesmo de um certo fetiche em se dar satisfações a grande mídia; a mesma mídia que hoje está sendo tratada como golpista. Com efeito, é muito importante lembrar que a Deputada Federal e ex-governadora do Rio de janeiro Benedita da Silva foi obrigada a deixar o ministério de Lula, logo no primeiro governo devido a alguma desconformidade em relação a uma viagem a Argentina (sic) e a Ministra Matilde Ribeiro, depois de ter implantado e estar a frente do ministério da igualdade racial por cinco anos, foi retirada dele e do primeiro escalão no segundo governo Lula por uma conta mal explicada no cartão corporativo de menos de quinhentos reais. Isso mesmo: menos de R$ 500,00!

Os casos das Senadoras Heloísa Helena, Marina Silva e Marta Suplicy, nos parece ainda mais emblemáticos. Politicamente experientes, militantes históricas do PT e detentoras de votos e muito votos, foram sendo paulatinamente inviabilizadas dentro do partido. Ao avaliar friamente o porque da saída dessas três mulheres do campo de apoio ao governo e ao PT nos deparamos com a sensação de que em nome de uma suposta hegemonia política para se manter no poder, as escolhas políticas e os acordos feitos, nesses últimos treze anos, nada mais foram do que a conformação para garantir maiorias espúrias em colegiados e nas eleições, os quais, foram  minando e desfigurando o processo de alianças políticas que, em tese, deveria servir para dar sustentabilidade a um projeto político e não para fazer com o governo, os partidos de seu entono e seus apoiadores na sociedade  chegasse ao presente estado de coisas.

Todo esse conjunto da obra tem um significado histórico e político  muito importante porque demonstra que o tão falado empoderamento dos movimentos sociais, dos movimentos negros e de mulheres, em especial, apesar de ter sido exitoso na fase ex-ante do projeto político, mostrou não ter sido suficientemente consolidado, ex-post, no momento que ele se fazia mais necessário. Portanto, urge a reflexão, a autocrítica e o estabelecimento de uma agenda pró-ativa que seja focada na reconstrução das bases que fizeram com que um partido popular e de massas chegasse ao poder – e ali permanecesse por 13 anos – de uma das maiores democracias e economias do mundo.

Esse é o verdadeiro desafio e somente o sucesso dessa volta ao começo, a partir das lições aprendidas no exercício do poder, poderá fazer com que a utopia da esquerda brasileira retorne com força suficiente para o bom combate, saindo-se vitoriosa.

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