Elias de Oliveira Sampaio

Políticas Públicas

Economista do Ministério da Economia. Mestre em Economia e Doutor em Administração Pública pela UFBA. Autor de diversos trabalhos acadêmicos e científicos, dentre eles o livro Política, Economia e Questões Raciais publicado - A Conjuntura e os Pontos Fora da Curva, 2014 a 2016 (2017) e Dialogando com Celso Furtado - Ensaios Sobre a Questão da Mão de Obra, O Subdesenvolvimento e as Desigualdades Raciais na Formação Econômica do Brasil (2019). Foi Secretário Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e Diretor-presidente da Companhia de Processamento de Dados do Estado da Bahia (Prodeb), Subsecretário Municipal da Secretaria da Reparação de Salvador (Semur), Pesquisador Visitante do Departamento de Planejamento Urbano da Luskin Escola de Negócios Públicos da Universidade da Califó ;rnia em Los Angeles (UCLA), Professor Visitante do Mestrado em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Professor, Coordenador do Curso de Ciências Econômicas e de Pesquisa e Pós-Graduação do Instituto de Educação Superior Unyahna de Salvador.

Impeachment ou Ritual de Passagem?

Nesta quarta-feira, 02 de dezembro, o Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, aceitou o pedido de impeachment da Presidenta Dilma. Finalmente, depois de meses de chantagem política explicita, todas as suas cartas foram colocadas na mesa e agora, por mais incrível que possa parecer, o poder de pressão que ele vinha mantendo junto ao governo e partidos aliados da Presidenta tende, necessariamente, a decrescer, independentemente da direção para onde o pedido se encaminhe.

Ao aceitar a abertura do processo, aquilo que representava seu principal ativo político para retaliar deixa de existir uma vez que, a partir da aceitação do pedido, existe todo um arranjo institucional e um regramento preestabelecido que deve ser seguido à risca sob pena, inclusive, de tornar nulo de direito todo o processo. Talvez ele tenha esquecido que diante da crise dos últimos meses, uma importante variável estrutural da política vem sendo testada, diariamente, e sendo aprovada com louvor: a força e a sustentabilidade das nossas instituições.

Poucos são os países que suportariam lidar com os problemas que vimos lidando a partir de 2013, sem que houvesse uma ruptura institucional ou mesmo a falência de determinados arranjos organizativos garantidores da estabilidade social. Salientamos com isso que a crise e a forma que vem sendo tratada institucionalmente está evoluindo do lugar de ser uma simples condição necessária a importantes e oportunas mudanças, para se consolidar como uma condição suficiente para o surgimento de novos paradigmas políticos, sem os quais, o Brasil nunca adentrará, de forma sustentável, no rol de países com capital social plenamente desenvolvido e instituições sólidas perenizadas.

Se partirmos dos ensinamentos do economista americano Douglas North, ganhador do Nobel de Economia de 1993, poderemos observar que a singularidade de todo esse processo pode se constituir num verdadeiro ritual de passagem para nossas instituições e o seu resultado final, em vez de representar um trauma, pode significar um importante avanço no que diz respeito ao aprimoramento de nossa jovem democracia. Para North, as instituições nada mais são do que as regras formais e informais de um dado jogo social, as quais determinam o que os respectivos jogadores podem e não podem fazer. Podem ser entendidas, também, como toda e qualquer maneira de constrangimento que possa moldar as relações humanas que são operadas prioritariamente através de organizações políticas, econômicas, sociais e educacionais.

Nesse contexto, um dos grandes legados dos governos brasileiros após a ditatura militar foi o crescente investimento para o amadurecimento de nossas instituições. Ao governo do PT, coube o desafio de associar esse investimento ao empoderamento das camadas mais populares da nossa sociedade no que diz respeito à participação política e garantia de direitos. Dessa forma, seriam dois, os principais resultados positivos que poderia surgir da agudização da crise, a partir de agora.

O primeiro deles é que se tudo continuar ocorrendo respeitando-se o regramento constitucional e os arranjos políticos institucionais existentes, a aceitação do pedido de impeachment e os seus desdobramentos servirão de exercício de campo para o treinamento da nossa sociedade no enfretamento da situação mais critica pela qual pode passar um sistema presidencialista que é a saída, por impeachment, de um presidente escolhido de forma legitima pelo voto e com ampla base política e partidária.

No caso especifico da Presidenta Dilma, essa situação demanda muita atenção porque não existe sequer consenso entre os juristas brasileiros se os termos do pedido aceito pelo presidente da câmara possuam os elementos jurídicos necessários a abertura do processo. Portanto, considerando os atores sociais que vem encabeçando essa trama, a evolução do pedido pode deixar explicito de uma vez por todas o caráter oportunista e golpista de parte da oposição derrotada nas eleições de 2014 que não se conformaram em verem frustradas suas intenções de voltar ao poder pela quarta vez consecutiva. Nesse cenário, o impedimento da Presidenta não prosperará.

Um segundo resultado extremamente positivo seriam as transformações simbólicas e qualitativas nas formas e nos conteúdos de operação do chamado presidencialismo de coalizão. Uma possível derrota da Presidenta da República significaria uma profunda disruptura no modelo de sistema e regime de governo que vem sendo operado no Brasil a partir de 1988. Nesse caso, o possível impeachment será um exemplo emblemático para história do país, a medida que paira sobre todo o processo questionamentos da própria legitimidade do pedido em sí e, ainda, por ser aceito por um presidente da câmara acusado formalmente de envolvimento em crimes gravíssimos, inclusive por organismos internacionais. Numa situação como essa, que um presidente da câmara prestes a perder o mandato, consega arregimentar 2/3 dos votos necessários do congresso nacional para derrubar um governo eleito democraticamente, remete a um roteiro de filmes nonsenses B do século passado, posto que o governo tem, em tese, uma das bases mais elásticas das últimas legislaturas.

É diante de tudo isso que vemos a necessidade de enfatizar que até o momento as instituições brasileiras têm se mostrado muito mais robustas e eficazes do que poderia imaginar a “vã filosofia” da elite dominante do país. Por isso, a pedra de toque da situação será a Política; e a pergunta fundamental para todos nós é qual será o verdadeiro nível de aprendizado que a sociedade como um todo, e a sociedade politica em especial, absorverão de todo esse processo?

Para o PT, seus aliados históricos e o governo, a expectativa da base social que vem lhes sustentando é de que tudo isso sirva como um ritual de passagem para um novo momento dessas agremiações, de seus dirigentes e de seus representantes governamentais para depurar todos os erros, que não foram poucos, diga-se de passagem; expurgar tudo aquilo de mais espúrio que se agregou quando do exercício do poder nos últimos doze anos em nível nacional e subnacional; e retomar, imediatamente, o conteúdo e o método progressista do fazer Política de seu projeto original, com os devidos ajustes de aprendizado desses doze anos no poder.

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