Adriano Peixoto

Relações de Trabalho

Adriano de Lemos Alves Peixoto é PHD, administrador e psicólogo, mestre em Administração pela UFBA e Doutor em Psicologia pelo Instituto de Psicologia do Trabalho da Universidade de Sheffiel (Inglaterra). Atualmente é pesquisador de pós-doutorado associado ao Instituto de Psicologia da UFBA e escreve para o Política Livre às quintas-feiras.

Memória Inflacionária

Se, caro leitor, você tem menos de trinta e cinco anos, certamente não viveu e não sabe avaliar adequadamente o que significa viver em um país marcado por um violento processo inflacionário.  Esses foram tempos interessantes….Você não viu os fiscais do Sarney fechando supermercados enquanto cantavam aos brados o hino nacional.  Não viu a polícia federal caçando boi no pasto para ser confiscado, porque não havia carne nas prateleiras dos supermercados. Mais ainda, você não comprou comida no chamado “mercado negro”, já que os inúmeros congelamentos de preço produziam escassez dos mais variados produtos.

Você também não viu onde o tiro certeiro de Collor acertou quando ele confiscou nosso dinheiro. Não viu o cruzeiro, cruzado, cruzado novo, cruzeiro, cruzeiro real, cruzeiro novo e todos os cortes de zero que a nossa moeda sofreu. Não sentiu no bolso os expurgos de caderneta de poupança, não pegou filas quilométricas, nas sextas feiras, para encher o tanque do carro antes do aumento do sábado (antes que os postos passassem a fechar aos sábados e domingos para que a gasolina fosse economizada)  e não grudou os cupons de abastecimento de gasolina no vidro. Ah, você também não pagou “empréstimos compulsórios” na compra de combustível e automóvel que nunca foram devolvidos pelo governo, e isso tudo para não falar no ágio e nas filas de espera para adquirir um carro.

No início do processo inflacionário convivemos durante vários anos com níveis baixos e moderados de inflação. Alguns economistas inclusive consideravam importante convivermos com alguma inflação como forma de estímulo a economia. E assim fomos até que, um dia, nos demos conta de que não havia como frear o movimento de aumento sistemático de preços na economia, mas já era tarde. A vaca já tinha ido para o brejo….

A inflação significou uma completa desorganização da atividade econômica e da vida social com seus impactos mais profundos nas pessoas mais cuja principal fonte de renda era o salário.  O processo inflacionário expressava um aumento contínuo e generalizado nos preços de bens e serviços.  A situação era tão grave que pagamentos feitos à prazo (como aqueles efetuados com cartão de crédito ou vales alimentações) só eram aceitos mediante a inclusão de um ágio, no valor do bem ou serviço, em montante que compensasse a desvalorização da moeda no prazo do recebimento, e não importava o tipo de produto que você estivesse comprando. Existiam inúmeras formas de indexação dos preços e inúmeras formas de pagamentos. Setores mais dinâmicos chegavam a ter variações diárias de preço que, atrelados ao dólar, mudavam diariamente.  E Pagamentos antecipados geravam descontos proporcionais aos dias antecipados.

O símbolo deste período eram as famigeradas maquinas etiquetadoras utilizadas nos supermercados que, a semelhança de armas, apontavam para o bolso dos consumidores. Toda tentaviva de congelamento ou controle de preços gerava desabastecimento, mais inflação e uma conta enorme a ser paga pela população. A maior vítima, como de costume, era o trabalhador assalariado uma vez que seu salário era completamente corroido pela inflação do mês. Mesmo quando reajustes automáticos de salários passaram a ser aplicados, os preços andaram sempre na frente. Aliás, para se pagar salários neste período bastava utilizar os rendimentos de aplicação financeira oriundos do overnight.

Pois é caro leitor, por coisas como estas é que precisamos celebrar, sim, a estabilidade de nossa moeda conquistada com o Real em 94. Porque precisamos escapar do populismo econômico, precisamos rever a história para que ela não se repita. Porque sessenta por cento da população de hoje não viveu essa situação é que precisamos manter acessa essa “memória inflacionária”, afinal são apenas vinte anos.

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