Lucas Faillace Castelo Branco

Direito

Lucas Faillace Castelo Branco é advogado, mestre em Direito (LLM) pela King’s College London (KCL), Universidade de Londres, e mestre em Contabilidade pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). É ainda especialista em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET) e em Direito empresarial (LLM) pela FGV-Rio. É diretor financeiro do Instituto dos Advogados da Bahia (IAB) e sócio de Castelo e Dourado Advogados.

O argumento da suspeita do governo

Um dos argumentos mais persuasivos em prol da liberdade de expressão é o da suspeita do governo. Segundo essa visão, o governo não deve interferir na livre discussão de ideias, eliminando as ideias falsas do debate público, porque ele tem interesse que certas ideias prevaleçam, notadamente as que o promovem e que não o prejudicam.

Exemplo típico dos efeitos nocivos dessa interferência ocorre nos governos autocráticos. Nestes, o governo controla tudo. Esse controle compreende não apenas a estrita vigilância das mídias tradicionais, mas também, na atualidade, o que se passa na internet.

A Rússia, no contexto da invasão da Ucrânia, tem dado demonstrações claras do porquê o governo não deve agir como censor, seja em nome da verdade, dos bons costumes, da tradição ou seja lá do que for.

Em um mundo permeado por informações contraditórias e conflitantes, o governo russo busca controlar as informações que circulam na internet para que as versões negativas da guerra não emerjam. Por isso, constrói sua própria narrativa, sem concorrência.

Isso envolve a escolha e o filtro da própria linguagem que é utilizada para descrever os acontecimentos, a exemplo de “operação militar especial” como eufemismo para guerra. Impondo seu discurso, Putin busca impingir na população uma maneira de perceber a realidade – a que lhe interessa.

É verdade, por outro lado, que a liberdade de expressão e informação têm seu preço. A quantidade de informação e de versões falsas que inundam nosso cotidiano dificulta a busca da verdade e exige maior capacidade de julgamento.

Se devemos ser céticos com relação ao governo como controlador de informações, devemos também ser céticos quanto às fontes hoje disponíveis, especialmente quando o que se veicula corrobora nossas expectativas. Nesses casos, relaxamos nossa capacidade crítica.

Por isso a pluralidade de fontes é fundamental, pois espera-se que o indivíduo seja capaz de chegar, por meio do confronto de versões, a uma conclusão segura acerca dos fatos. Dá trabalho, é claro.

Mais liberdade exige, portanto, mais responsabilidade. O ideal democrático, que pressupõe a liberdade de expressão, ancora-se na ideia de autonomia do indivíduo. O indivíduo é autônomo porque ele é capaz de governar a si mesmo.

Assim, um indivíduo adulto, em uma democracia, não necessita da tutela do governo (em última análise, de outras pessoas) para que este lhe determine o que fazer ou o que não fazer. No caso da liberdade de expressão, não precisa que o governo suprima alegadas informações falsas sob o pretenso risco de que as pessoas vão agir de acordo com elas. No máximo, admite-se que o judiciário faça um controle “a posteriori” quando outros direitos forem manifestamente violados pelo abuso da liberdade de expressão.

Cabe ao indivíduo, de posse de todas as informações existentes, decidir como agir e arcar com as consequências da escolha equivocada, sem paternalismos. Em uma democracia, o governo é que é suspeito; o cidadão, a autoridade para decidir por si próprio.

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