23 novembro 2024
Economista do Ministério da Economia. Mestre em Economia e Doutor em Administração Pública pela UFBA. Autor de diversos trabalhos acadêmicos e científicos, dentre eles o livro Política, Economia e Questões Raciais publicado - A Conjuntura e os Pontos Fora da Curva, 2014 a 2016 (2017) e Dialogando com Celso Furtado - Ensaios Sobre a Questão da Mão de Obra, O Subdesenvolvimento e as Desigualdades Raciais na Formação Econômica do Brasil (2019). Foi Secretário Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e Diretor-presidente da Companhia de Processamento de Dados do Estado da Bahia (Prodeb), Subsecretário Municipal da Secretaria da Reparação de Salvador (Semur), Pesquisador Visitante do Departamento de Planejamento Urbano da Luskin Escola de Negócios Públicos da Universidade da Califó ;rnia em Los Angeles (UCLA), Professor Visitante do Mestrado em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Professor, Coordenador do Curso de Ciências Econômicas e de Pesquisa e Pós-Graduação do Instituto de Educação Superior Unyahna de Salvador.
O ano de 2016 é de eleições municipais e de revisão do Plano de Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU). O mais importante instrumento de políticas públicas para a cidade, não pode – e não deve – estar fora das disputas políticas e ideológicas entre os diversos atores sociais soteropolitanos, afinal, é no nível local do território que tudo acontece: “é no lugar que o Homem mora” – dizia o professor Mílton Santos.
A cidade é um lócus privilegiado da legitima disputa pelo poder e é só nela que a democracia e o desenvolvimento podem existir concretamente. Nesse aspecto, o Plano é uma das dimensões necessárias ao planejamento nacional (macro), regional (meso) e dos entes subnacionais. Sua concepção e seu processo de implementação não pode ser dissociado das questões e desafios mais amplos que afligem a sociedade. Por isso, ele não pode ser pensado no escopo das cidades, apenas.
É imperativo que os seus propositores, operadores, homologadores e monitoradores institucionais o compreendam como parte de um processo mais amplo, cuja eficácia e efetividade de suas orientações para as políticas públicas locais, não surjam e nem esgotem, nos limites dos municípios. É a incompreensão desse contexto, por parte da maioria dos governantes e dos atores sociais locais, que tem sido a mola propulsora da desorganização espacial e urbana de nossas cidades em termos socioambientais e de mobilidade humana, especialmente.
A força da grana orientada por interesses imobiliários quase sempre espúrios; a guerra sangrenta por votos das campanhas eleitorais municipais, sempre intercaladas por eleições estaduais e nacionais, de frágeis projetos de desenvolvimento e a total falta de preparo de boa parte dos gestores públicos responsáveis por áreas estratégicas para gestão do espaço urbano das cidades, tem tornado a discussão sobre o PDDU em algo muito menor do exige esse poderoso instrumento de planejamento.
O problema de mobilidade humana em Salvador é um exemplo significativo de tudo isso. Só nos últimos vinte anos, dez deles foram de espera por um metrô de superfície de ridículos 6 km de extensão. Metrôs, em qualquer lugar do planeta, exige um nível de planejamento urbano competentemente articulado entre todos os níveis de governo.
Isso explica, em grande parte, o fato da linha 1 do metrô só ter começado a ser inaugurada após a transferência de sua gestão para o governo do Estado. Obviamente que seria impossível para um governo de uma cidade pobre e extremamente complexa como Salvador, ter êxito na gestão de uma obra que exige grandes volumes de recursos e um nível de governança pública, que desse conta da sua implantação, mas, principalmente, da sua evolução em termos de linhas e integração com diferentes modais.
Por outro lado, estar sob a batuta do governo do Estado não garante que o seu processo de implantação, no longo prazo, se dê de forma exitosa sem ser criado um arranjo institucional apropriado por um motivo simples: todo o conjunto de soluções viárias da cidade, atuais e futuras, se darão no território municipal. Portanto, não custa lembrar que, no Brasil os governos estaduais são “inquilinos” dos governos municipais. Os estados subnacionais não tem territorialidade sobre o espaço urbano e muito menos governabilidade direta sobre o uso e ocupação do solo. Essa é apenas uma ilustração rápida para demonstrar a teia de relações de poder e a complexidade do que é tratar do planejamento urbano de cidades como Salvador. Não há possibilidade de se discutir o seu desenvolvimento, sem atentar para essa questão com muita acuidade. Infelizmente, não é isso que tem se observado.
De um lado, percebe-se com apreensão a intervenção agressiva por parte do governo municipal comandada por um genuíno integrante do grupo político responsável pela desorganização espacial, ambiental, econômica e, principalmente, de mobilidade humana da cidade nos últimos 50 anos. Por seu turno, a forma que os discordantes do Plano vem fazendo o enfrentamento político contra governo local carece de uma profunda e rápida reavaliação. Não nos parece razoável que o embate teime em ser operado nos limites das arenas de poder controladas pelo executivo municipal que com sua folgada maioria e o seu nível atual de popularidade, só servirá para legitimar as vitórias das votações que vierem ser feitas na câmara.
Na verdade, nos constrange identificar que os atores sociais e políticos mais diretamente envolvido nesse processo, ainda não se tocaram que os municípios brasileiros não detém, plenamente, o domínio e nem a gestão do espaço sob sua jurisdição. Com efeito, O ordenamento político-administrativo brasileiro não permite aos municípios, por exemplo, ter o monopólio sobre faixas litorâneas (terrenos de marinha e seus acrescidos), espelhos d´agua, ilhas marítimas e fluviais, fortificações, construções de valor histórico, recursos ambientais e naturais. Por isso, o governo federal possui todo um arranjo institucional voltado para a formulação, gestão e monitoramento de políticas específicas sobre cada uma desas áreas que são aderentes, sobrepostas e/ou complementares às politicas públicas subnacionais. O PDDU é o caso mais explícito disso.
Portanto, discutir o desenvolvimento urbano de Salvador é uma oportunidade paradigmática para colocar esse debate em termos mais apropriados. Ela é a cidade com o maior litoral, maior baia oceânica do Brasil e diversas ilhas; possui alguns dos sítios históricos mais antigos e bairros inteiros tombados até por organismos internacionais. O resumo disso tudo é que o afastamento das instâncias federais do debate sobre o planejamento urbano local é um erro de grande magnitude e não vislumbramos uma boa explicação para isso.
O fato é que essa omissão institucional e política não deveria impedir que os atores diretamente interessados num debate mais adequado para a cidade, em termos de planejamento urbano, aceitassem de bom grado, que o governo municipal continue sambando sozinho e sem a devida cadência, nos terreiros que não lhe dizem, necessariamente, respeito.