23 novembro 2024
Economista do Ministério da Economia. Mestre em Economia e Doutor em Administração Pública pela UFBA. Autor de diversos trabalhos acadêmicos e científicos, dentre eles o livro Política, Economia e Questões Raciais publicado - A Conjuntura e os Pontos Fora da Curva, 2014 a 2016 (2017) e Dialogando com Celso Furtado - Ensaios Sobre a Questão da Mão de Obra, O Subdesenvolvimento e as Desigualdades Raciais na Formação Econômica do Brasil (2019). Foi Secretário Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e Diretor-presidente da Companhia de Processamento de Dados do Estado da Bahia (Prodeb), Subsecretário Municipal da Secretaria da Reparação de Salvador (Semur), Pesquisador Visitante do Departamento de Planejamento Urbano da Luskin Escola de Negócios Públicos da Universidade da Califó ;rnia em Los Angeles (UCLA), Professor Visitante do Mestrado em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Professor, Coordenador do Curso de Ciências Econômicas e de Pesquisa e Pós-Graduação do Instituto de Educação Superior Unyahna de Salvador.
A Deputada Tia Eron do PRB da Bahia faz parte de um dos campos políticos e religiosos mais conservadores do Brasil. O seu voto no Conselho de Ética da Câmara Federal pela cassação do Deputado Eduardo Cunha não alterará essa realidade, mesmo que fosse esse o seu desejo, o que, também, não nos parece ser o caso.
No entanto, a violência dos ataques machistas e racistas de que ela foi alvo por parte da imprensa e, principalmente, de representantes políticos e de movimentos sociais, revelou que muitos daqueles e daquelas que se apresentam como arautos da democracia e do republicanismo, também se portam como praticantes genuínos de várias formas de intolerância.
De piadas quanto ao tipo de cabelo e penteado usado pela Deputada, passando pela célebre frase “ela não me representa”, foram vários os impropérios que entre risos e ranger de dentes foram direcionados a parlamentar, através dos mais diversos meios de comunicação. Só faltaram dizer que Eron, não seria suficientemente mulher para reivindicar para si, tal papel, quando de seus discursos e posicionamentos públicos. Quanto a não ter a devida representatividade junto à comunidade negra, ela não conseguiu escapar.
O fato concreto é que, apesar de tudo isso, Tia Eron é, sim, uma mulher negra e tem todo o direito de reivindicar essa condição quando das suas posições públicas e políticas. Não obstante, todo o campo de militância do movimento negro mais à esquerda e progressista que ela, tem a obrigação pedagógica de criticá-la profundamente, mas, em nenhuma hipótese, pode tentar lhe retirar o direito à reivindicar a sua “negritude”, por mais equivocada e contraditória que sua prática política possa parecer à primeira vista. Se não for assim, a alternativa é desconsiderar, também, os milhões de negros e negras que agem e pensam como a Deputada que são usados na contabilidade que nos permite dizer que o Brasil é um país de maioria da população afrodescendente.
Criticar a postura política de pessoas como Tia Eron é uma obrigação para todos os negros e negras que possuam o devido pertencimento para fazer a disputa política qualificada em termos raciais quando a situação exige. Contudo, acompanhar de forma acrítica a enxurrada de manifestações machistas e racistas contra uma mulher negra como se o fato dela ser Mulher e Negra, no Brasil, não fosse um dos elementos catalisadores para a forma e o conteúdo da artilharia pesada que foi voltado para a sua pessoa, nos parece um grande equívoco para esse campo político.
Esse episódio nos fez lembrar algumas críticas sofridas por alguns representantes do movimento negro que foram saudar a Secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, quando de sua visita oficial a Salvador há alguns anos atrás. Chegamos a ouvir diretamente de um proeminente representante da esquerda baiana que “não entendia a atenção que o movimento negro dava à aquela mulher assassina” (sic). Ora, dado o viés ideológico do nosso interlocutor poder-se-ia até compreendê-lo em classificar a política de estado norte americana para algumas regiões do planeta como algo dessa natureza, mas, atribuir tamanha responsabilidade a alguém que cumpre tarefas de governo é, no mínimo, um grande exagero. Ademais, tal qual em toda e qualquer estrutura de poder institucionalmente estabelecida, as pessoas, por mais poderosas que possam ser, são apenas parte de uma grande engrenagem. Isso vale tanto para a Secretária de Estado do país mais poderoso do mundo quanto para uma Deputada eleita pelo PRB da Bahia.
A questão central desse debate é que todo e qualquer militante do movimento negro sabe que faz parte da estratégia histórica de brancos racistas ficarem sempre à espreita aguardando o mais leve “deslize” de negros e negras, notadamente aqueles e aqueles que detém algum tipo de recurso econômico ou de poder, para eles poderem atacar da forma mais eficiente possível, quando necessário. Saber diferenciar isso, de uma ação mais consequente do debate político conjuntural não é uma tarefa fácil e muitos críticos e críticas “bem-intencionadas” acabaram por comprar todo o pacote de acusações contra a deputada sem verificar o inteiro teor, ou a intencionalidade subliminar do conteúdo de alguns dos interlocutores. A ideologia e a doutrina político partidária não pode ser argumento para posições racistas e machistas contra ninguém.
Além disso, faz-se necessário que se diga que a militância “à direita” não é um privilégio para os não negros e muito menos monopólio para a espaço de manipulação de lideranças e de governos ditos de esquerda quando a conveniência de realização dos acordos políticos e eleitorais que via de regra impedem a presença de pessoas com o perfil étnico como o da Deputada Tia Eron, no círculo real de poder, pela via mais progressista do espectro político das inúmeras coalizões que vem sendo feita nos últimos governos no Brasil e na Bahia.
Causou-nos espécie, por exemplo, perceber que para os mais ferrenhos detratores da Deputada nada representava o fato de que sem os 10 votos pró Cunha anteriores aos dela já anunciados, sequer seu nome seria lembrado como alguém importante de todo esse processo. Mais interessante ainda foi nenhum baiano ou baiana apontar o dedo para o Deputado João Bacelar, ex-presidente do PR da Bahia, que, além de defensor aberto de Cunha, propôs um voto em separado como forma de transformar a possível cassação em uma branda suspensão do mandato por alguns dias. Não se ouviu um piu sobre isso cá pelas bandas da boa terra. Porque?
O caso do voto da Deputada Tia Eron é tão emblemático que mesmo após a sua manifestação pública e todo o seu competente discurso, ela continuou sendo hostilizada pelas redes sociais, chamada, no melhor das hipóteses, de uma grande oportunista que mudou o seu voto apenas pela pressão sofrida por parte da sociedade. Provavelmente foi isso mesmo que aconteceu, mas para todos aqueles que vivem da real politik, isso não tem a mínima importância e o fato é que Ela fez de uma dúzia de azedos limões de resto de feira, uma excelente limonada.