23 novembro 2024
Economista do Ministério da Economia. Mestre em Economia e Doutor em Administração Pública pela UFBA. Autor de diversos trabalhos acadêmicos e científicos, dentre eles o livro Política, Economia e Questões Raciais publicado - A Conjuntura e os Pontos Fora da Curva, 2014 a 2016 (2017) e Dialogando com Celso Furtado - Ensaios Sobre a Questão da Mão de Obra, O Subdesenvolvimento e as Desigualdades Raciais na Formação Econômica do Brasil (2019). Foi Secretário Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e Diretor-presidente da Companhia de Processamento de Dados do Estado da Bahia (Prodeb), Subsecretário Municipal da Secretaria da Reparação de Salvador (Semur), Pesquisador Visitante do Departamento de Planejamento Urbano da Luskin Escola de Negócios Públicos da Universidade da Califó ;rnia em Los Angeles (UCLA), Professor Visitante do Mestrado em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Professor, Coordenador do Curso de Ciências Econômicas e de Pesquisa e Pós-Graduação do Instituto de Educação Superior Unyahna de Salvador.
Diferentemente do que se imaginava, o recesso parlamentar de meio de ano em vez de arrefecer a guerra estabelecida pelos lideres da Câmara e do Senado contra o poder executivo, aprofundou-a. A crise política se sobrepôs a todas as agendas dos governos, dos partidos e da sociedade e o nível de desconforto e sensação de instabilidade generalizada que partiu dos centros de poder político imediatamente a eleição de 2014, se espraiaram para as diversas camadas sociais.
Nem as pedras do pelourinho estão alheias a situação crítica que está passando o país e o debate sobre o que fazer já não é mais privilegio dos políticos ou da sociedade civil organizada. Os movimentos sociais e o povo em geral já começam a externalizar a ansiedade sobre um possível dia seguinte, a despeito de ninguém saber, ao certo, qual o desdobramento da atual conjuntura.
O que menos importa agora são diagnósticos, jogos de culpas e responsabilização. Ou o país retorna à sensação de estabilidade política e econômica, ou todos os ganhos que tivemos nessas duas áreas, mais os avanços institucionais e sociais pós ditadura militar passam a correr sérios riscos. Todos poderão sair perdendo: a sociedade, os seus dirigentes e, principalmente, toda uma geração nascida após o período de exceção e que experimentou a conquista da democracia e um inédito período de bem-estar social e garantia de direitos jamais vista no Brasil.
Essa convergência situacional foi o principal legado dos doze anos do governo do PT, sobre a base inicial das conquistas democráticas anteriores. No entanto, a sanha de muitos agentes políticos e sociais em retirar o PT e tudo que esse governo representa em termos das transformações ocorridas na sociedade é tamanha, que algumas questões estão sendo esquecidas. A mais importante delas é que para as classes menos abastadas, esses últimos anos foram emblemáticos no sentido de demonstrar, na prática, que uma nação não pode ser construída por muitos e apropriada por poucos e quem produz a riqueza que se origina do chão das fábricas, da terra e do dia a dia que suporta o funcionamento das cidades nas mais diversas posições de trabalho, são também, aqueles mais legitimados para participar de sua repartição material.
O avanço na garantia de direitos e nas políticas sociais estruturantes só foi possível porque passou a haver dentre os propositores e operadores das políticas, pessoas oriundas dos lugares para onde tais políticas deveriam ser prioritárias. Adicionalmente, a articulação empática e sinérgica de agentes políticos e atores sociais específicos concorreu para o florescimento da vontade política necessária para transformar a agenda histórica da centro-esquerda no Brasil em ações concretas capitaneadas pelos sucessivos governos eleitos democraticamente.
Muitos erros foram cometidos pelo caminho, inclusive e principalmente, sérios erros políticos. As questões ligadas a corrupção e os desajustes na gestão da economia e da política vem sendo explicitados e, diferentemente de outros momentos, apuradas e punidas como deve ser numa sociedade democrática de direito. A crise, em si, é uma dessas punições. Contudo, algo nos parece estar fora da maioria dos diagnósticos e apenas com a sua devida estruturação será possível uma saída da crise, com sustentabilidade: a paulatina conformação de acordos espúrios para atender o chamado “presidencialismo de coalizão”.
Com efeito, a ilusão de que determinados partidos, agentes políticos e atores sociais aderiram ao projeto político latu senso, e não somente aos espaços de poder strico senso, veio paulatinamente transformando governos de centro-esquerda e políticas progressistas, em reféns de um número cada vez maior de figuras alienígenas que, sequer compreendem, ou não acreditam, na centralidade daquilo que eles dizem estar a defender.
Adicionalmente, surgiu no seio da gestão superior dos governos o conceito de agentes políticos de perfil técnico de escolha pessoal dos mandatários. Pergunta-se: como podem os dirigentes da cúpula do aparelho de estado, nos três níveis de governo, serem admitidos como algo exógeno a um projeto que se estrutura a partir do exercício diário da operação de uma agenda que eles assumem, preliminarmente, poderem estar alienados ou subordinados a outra lógica que não seja a grande política?
Um arranjo dessa natureza só prospera em governos conservadores cujas mudanças sociais que se pretende fazer, ou não fazer, são marginais e não estruturais. O motivo é muito simples: nos governos conservadores não há profundas diferenças entre os seus objetivos estratégicos e os interesses medianos dos atores hegemônicos da sociedade; e esse não foi o caso do projeto político inaugurado no país em 2003.
Isso explica muito da crise, de sua profundidade e de sua evolução em menos de um ano da vitória eleitoral. Em momentos de vacas gordas e quando não há a necessidade de “atravessar desertos”, os governos tem fartura de parceiros e parcerias. Quando a vaca emagrece, o leite seca e as lutas saem dos palácios para as ruas, percebe-se a falta dos soldados, oficiais e generais que ficaram pelo caminho. Verifica-se, tardiamente, que a tecnocracia, nada mais é, do que a tecnocracia. Simples assim! Constata-se, por fim, que muitos daqueles que ladeavam os detentores da caneta nos momentos de muita tinta, se perfilam do lado oposto, juntos e misturados com inimigos dos mais ferozes, no momento que a tinta vira éter.
A guerra passa a ser de infantaria e o jogo fica à vera. O time titular precisa entrar em campo!