Foto: Paula Fróes/GOVBA/Arquivo
Comércio de crédito de CO2 pode faturar US$ 150 bilhões por ano no mundo, e o Brasil é um dos que mais se beneficiam – mas é preciso zerar o desmatamento ilegal e regulamentar a atividade 14 de dezembro de 2021 | 07:11

Mercado de carbono atrai produtores rurais e empresas, mas ainda espera regulação para deslanchar

economia

“Eu ia a bancos e as pessoas davam risada na minha cara”, conta o médico e empresário Ricardo Stoppe, de 53 anos, sobre sua experiência de tentar vender crédito de carbono em 2011. Dez anos depois, ele já comercializou cerca de R$ 100 milhões do produto e a intenção é faturar muito mais nos próximos anos. Se inicialmente Stoppe dedicou 150 mil hectares na Amazônia para comercializar crédito de carbono, agora são 500 mil hectares próprios e 1,5 milhão de hectares em parcerias com outros produtores.

“O mundo vai precisar de crédito de carbono para compensar as emissões, ainda mais agora, depois da COP-26 (Conferência das Nações Unidas Sobre as Mudanças Climáticas de 2021). E hoje já não tem o suficiente para atender a demanda”, diz o empresário.

A aposta no carbono começou quando o médico trabalhava no interior de São Paulo, mas investia em pecuária em Mato Grosso e Rondônia. Suas terras eram invadidas com frequência. Foi quando descobriu o mercado de carbono – que demanda monitoramento com imagens de satélite e sobrevoos para garantir a preservação da natureza, atividades que ajudam a inibir as invasões.

O modelo pelo qual Stoppe optou funciona como um incentivo para manter a floresta em pé na Amazônia. Os engenheiros calculam qual o porcentual de área desmatada na região em que o empresário detém terra. No ano seguinte, voltam ao local e verificam quanto foi desmatado. Se Stoppe consegue manter mais mata do que se calculava que seria destruído, o produtor converte essa diferença em créditos de carbono, que pode ser revendido a empresas interessadas em compensar suas emissões.

Quando Stoppe começou com seu projeto, investiu quase R$ 2 milhões na produção de crédito de carbono. Contratou engenheiros florestais e auditorias internacionais cadastradas por uma empresa certificadora. Representantes dessas auditorias vieram ao Brasil para checar a produção de Stoppe e o total de créditos que seriam emitidos. Quando o processo foi concluído, no entanto, ele não conseguiu vender seus créditos.

“Mal havia plataforma de comercialização naquele tempo, mas eu queria fazer porque achava a ideia de manter a mata e receber por isso muito boa. É difícil preservar na Amazônia. Uma guerra. Um faroeste. Tem madeireiro invadindo. Grilagem.”

Em 2019, quando plataformas que comercializam crédito de carbono começaram a aparecer, Stoppe conseguiu vender suas primeiras unidades. À época, recebeu US$ 2,50 por crédito. Cada crédito representa 1 tonelada equivalente de gases nocivos a menos no planeta. Hoje, o empresário consegue vender a US$ 12 no mercado. “A gente está pensando que deve alcançar US$ 30 em meados do ano que vem”, afirma.

A perspectiva de alta no setor já fez Stoppe investir R$ 250 milhões em terras e projetos de carbono, o que o transformou em um dos maiores produtores de créditos certificados pela companhia americana Verra, uma das organizações que prestam esse tipo de serviço. Segundo ele, desde que começou a obter mais de US$ 5 por crédito vendido, a atividade tornou-se rentável. “Está valendo a pena. Já tem muita gente comprando para investimento. Tem um investidor que comprou um milhão de créditos de mim. Ele está esperando a cotação chegar a US$ 30 para revender.”

De acordo com Luciano Correa da Fonseca, diretor executivo da Carbonext, empresa que trabalha com projetos na área, um crédito de carbono entre US$ 10 e US$ 12 já permite que a atividade de preservação concorra financeiramente com a pecuária. Para ganhar da soja, porém, ainda é preciso chegar a US$ 40.

Criado pelo Protocolo de Kyoto, em 1997, o crédito de carbono é um certificado que atesta a redução da emissão de gases de efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento global. Os créditos estão atrelados a projetos para mitigar os impactos, como ações de reflorestamento ou a manutenção de mata em áreas com grande risco de desmatamento.

O mercado de carbono é dividido em dois ambientes: o regulado, em que há metas estabelecidas de redução de emissões, como na Europa, e o voluntário, como o brasileiro, em que empresas e indivíduos decidem voluntariamente neutralizar suas emissões de gases de efeito estufa. No caso do modelo regulado, o governo define limites de emissões para setores produtivos. Se uma empresa emite além do teto permitido, pode comprar títulos de uma companhia que não gastou sua cota. Na COP-26, também foram aprovadas as regras para o comércio global, em que países que absorvem mais gases de efeito estufa do que emitem podem vender créditos para países com emissões mais elevadas.

Hoje, o mercado voluntário apresenta os preços menos atraentes. A média está em US$ 3,10, segundo um estudo feito pelo Boston Consulting Group (BCG) e pela Global Financial Markets Association (GFMA). O valor varia conforme a origem do crédito. Aqueles ligados a florestas – como os produzidos por Stoppe – são mais valiosos. Já os de aterros sanitários (onde o biogás gerado pela decomposição dos resíduos é tratado) são mais baratos.

Já no ambiente regulado, o preço médio do crédito é de US$ 5, ainda de acordo com o BCG, mas as disparidades entre os países são grandes. Em vários mercados chineses, o valor mal ultrapassa centavos de dólar. Já na União Europeia, o preço disparou após a COP-26, passando de € 57 antes da conferência para € 90 na semana passada, uma alta de 58%.

O estudo da BCG e da GFMA indica que o valor médio de crédito no mercado regulado precisaria ficar entre US$ 50 e US$ 150 até 2030 para acelerar a redução das emissões. O desenvolvimento do mercado mundial de crédito de carbono é peça-chave para alavancar a descarbonização do planeta e limitar o aquecimento global em 1,5º C até 2050.

“Esse preço (a média de US$ 5) é decorrente de um mercado ainda incipiente. E, nesse patamar, não viabiliza a oferta e não vai fazer as empresas se mexerem”, diz o líder da prática de Mudanças Climáticas do BCG no Brasil, Arthur Ramos.

Por outro lado, há quem aponte que valores muito superiores a US$ 100 podem dificultar o desenvolvimento do mercado de carbono, pois ficaria caro e faria as empresas buscarem outras alternativas para reduzir suas emissões. “Há estimativas que apontam que, para o mercado de carbono ser parte da solução da descarbonização da economia, o crédito teria de estar rodando a US$ 100”, diz Jorge Arbache, vice-presidente para o setor privado do Banco de Desenvolvimento da América Latina.

Para Arbache, é certo que os preços vão subir. Segundo ele, as regras estabelecidas na COP-26 servirão como uma bússola para o mercado. “A gente sempre viu uma elevadíssima volatilidade no preço do crédito porque faltava credibilidade. Muitas empresas compraram crédito sem nem saber o que exatamente estavam comprando. Agora, a integridade desses créditos deve avançar, e isso impulsiona os preços.”

Arbache explica que os preços vão avançar não só por conta do aumento de demanda e de credibilidade, mas também porque certificar os créditos é uma atividade cara, que inclui auditoria e elaboração de relatórios anuais sobre a preservação das matas. “Esse mercado rapidamente rodará US$ 150 bilhões por ano”, diz.

O Brasil poderia ficar com grande parte dessa cifra, pois é um dos maiores detentores de florestas do mundo, lembra Ronaldo Seroa da Motta, professor da UERJ e um dos maiores especialistas brasileiros no assunto. Em um prazo de dois anos, acrescenta Motta, deveremos ter um mercado de troca de crédito entre os países. Mas, para vender créditos, o Brasil tem de zerar o desmatamento ilegal. Também ajudaria se o País aumentasse o reflorestamento de áreas degradadas e se regularizasse áreas devolutas, destinando-as a unidades de conservação. “Não faltam recursos técnicos, financeiros ou humanos para fazer essa travessia. Mas ela precisa ser uma prioridade de governo”, diz Motta.

Além de reduzir as emissões provocadas pelo desmatamento, será essencial que o governo regulamente o mercado doméstico – colocando limites às emissões de empresas -, acrescentam os especialistas. No Congresso, a proposta mais avançada para a criação desse mercado é o projeto de Lei 528/21, do deputado Marcelo Ramos (PL-AM). Segundo Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), já há um consenso em torno da proposta entre o Legislativo e os setores industrial, do agronegócio e empresarial.

Caso o projeto avance no Congresso, a tendência é a de que o mercado brasileiro de carbono, hoje voluntário, ganhe escala, pois daria mais garantias aos compradores. “É importante fazermos isso logo. Os países precisam de créditos para cumprir suas metas principalmente até 2030, enquanto desenvolvem tecnologias que reduzirão as emissões”, diz a presidente do CEBDS. Para ela, o Brasil precisa se habilitar para vender os créditos o quanto antes e usar os recursos que levantar nesse mercado justamente para financiar sua transformação energética.
“No Brasil, precisamos criar um mercado regulado, que organize a casa para não depender apenas do mercado voluntário. É claro que essas iniciativas são importantes, mas é necessário ter regras específicas”, acrescenta Glenda Rangel Rodrigues, consultora líder em qualidade do ar e descarbonização da consultoria ambiental Ramboll Brasil.

“É uma pena que o Brasil não tenha, neste momento, governança definida para o tema. No passado, tínhamos uma entidade, que ficava sob o chapéu do Ministério de Ciência e Tecnologia, que dava o carimbo para o crédito de carbono. Não saía uma única tonelada de carbono do País sem o aval desse órgão. Hoje não temos mais isso.” Para Glenda, se não fosse o desmatamento, o Brasil seria um exemplo, pois o País tem uma matriz energética que o mundo gostaria de ter – quase 50% é renovável.

O gerente-executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Davi Bomtempo, diz que a entidade trabalha há alguns anos nessa agenda para saber qual o melhor caminho a seguir, se seria a taxação do carbono ou o crédito de carbono. “Chegamos à conclusão de que, em termos de precificação, o melhor seria a segunda opção. Hoje temos uma articulação para tornar viável esse mercado.”
O importante, diz ele, é que as discussões e o estabelecimento de regras sejam feitos de forma clara e em conjunto com o setor produtivo. A CNI estudou vários mercados no mundo todo, como Canadá, região metropolitana de Tóquio, Coreia do Sul e Europa. O objetivo era entender melhor as nuances desse novo universo de negociações. “O que percebemos é que temos um longo caminho pela frente, como ocorreu no marco regulatório de Saneamento.”

Empresas brasileiras negociam crédito de carbono e planejam novas vendas

Apesar de ainda incipiente e sem regulamentação no País, o mercado de crédito de carbono já é uma realidade para algumas empresas brasileiras. A Votorantim Energia, por exemplo, negociou 2 milhões de toneladas de carbono com uma empresa europeia. A Minerva Foods anunciou na semana passada a primeira venda de crédito de carbono por meio de sua subsidiária My Carbon, empresa de desenvolvimento e comercialização dos créditos.

“O mercado voluntário está bem aquecido pós-COP-26”, afirma o diretor de sustentabilidade da Minerva Foods, Taciano Custódio. Nessa operação, foram comercializados créditos de projetos ligados a desmatamento evitado e de reflorestamento. Os dados de quantidade e preço não foram divulgados por causa de acordos de confidencialidade. A My Carbon fez a intermediação entre o produtor/dono do projeto e a compradora europeia. Criada neste ano, a empresa funciona como uma plataforma de comercialização e também ajuda produtores a desenvolver projetos de crédito de carbono.

Em novembro, a Minerva Foods fez uma parceria com o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) para criar o programa Carbon on Track, que fará a medição de balanço de carbono em fazendas na América do Sul. A Minerva selecionou 25 fazendas fornecedoras no Brasil, na Argentina, na Colômbia, no Paraguai e no Uruguai para participarem do projeto-piloto, totalizando mais de 232 mil cabeças de gado e 185 mil hectares de pastagem computados, que cobriram cinco biomas diferentes: Amazônia, Pantanal, Cerrado, Pampas e Chaco.

Segundo Custódio, os resultados iniciais mostraram que as fazendas selecionadas já emitem 44% menos gases de efeito estufa em comparação com a taxa média mundial para emissões na produção de carne bovina.

No caso da Votorantim Energia, a comercialização dos créditos de carbono refere-se a dois parques eólicos no Nordeste: Ventos do Piauí (com capacidade de 205,9 megawatts de geração) e Ventos do Araripe III (357,9 MW). Segundo o diretor de Clientes e Comercialização da empresa, Raul Cadena, a venda foi feita para uma comercializadora europeia, que depois revende o crédito para as empresas. “Mas nosso objetivo é começar a fazer essa venda de forma direta.”

Para os próximos cinco anos, a Votorantim deve comercializar mais 5 milhões de toneladas de créditos de carbono dos novos parques que entrarão em operação. “Estamos construindo Ventos do Piauí II e III, que somam 411 MW e devem começar a operação em 2023. Além disso, temos um projeto híbrido (eólica e solar), que também deverá ser certificado para a venda de créditos”, diz o executivo.

Segundo ele, o preço do crédito de carbono no mercado voluntário que a companhia tem conseguido varia entre US$ 1,5 e US$ 2, mas a evolução é nítida. “Nos últimos tempos, o preço caiu bastante, mas agora começa a se recuperar diante da maior consciência global.” Cadena afirma que o Brasil tem um grande potencial nesse mercado seja na produção de energia limpa ou na área de florestas.

A presidente da Associação Brasileiras de Energia Eólica (Abeeólica), Elbia Gannoum, explica que, quando uma empresa gera energia elétrica de fontes renováveis, como a eólica, a emissão de CO? é zero. “Então esse CO? pode ser utilizado como Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Você registra o empreendimento no MDL e para cada MWh gerado você tem um ‘x’ de crédito de carbono.” Esse montante você pode vender ou compensar em suas instalações, se for o caso de uma empresa com alta emissão de gases, diz ela.

Estadão
Comentários